domingo, 13 de dezembro de 2015

Menina de nove anos doa livros no Minhocão

Divulgação

A cada quinze dias, a jovem Giovanna, de nove anos de idade, aproveita os domingos de Minhocão fechado, na região central de São Paulo, para dar um exemplo a ser seguido por todos.

Rodeada de livros, a menina convoca passantes – através de cartazes coloridos – a se aproximar e, caso queiram, levar alguma das obras literárias de presente para casa. “A única coisa que ela pede em troca é que essa pessoa, após a leitura, também passe o livro adiante”, diz Paulo Pampolin, pai de Giovanna, que narrou o início dessa história em conversa com o Portal da Band.

O pai, que sempre incentivou a leitura em Giovanna, lembra que o início do contato da filha com esse universo aconteceu logo nos primeiros meses de vida. “Quando comprei o primeiro livro, ela deveria ter uns cinco meses de vida”, recorda. “Era um livro desses de plásticos, só com figuras, para brincar durante o banho. Na medida em que minha filha foi crescendo, fui comprando outras obras de acordo com a idade dela; ela começou a se familiarizar com o formato e passou a pedir para que eu comprasse títulos que interessavam a ela”.

Não foi somente o incentivo à leitura, porém, que Giovanna herdou de seu pai. “Desde muito cedo, minha filha foi estimulada a doar tudo aquilo que não lhe servia mais. Sempre foi assim com roupa, calçado, brinquedo; o processo de doar livros, então, veio uma forma muito natural para ela”, explica.

Como a prateleira de Giovanna já estava lotada de livros que ela já tinha lido - e como ir ao Minhocão aos domingos já era uma prática entre pai e filha - os dois decidiram doar alguns títulos no elevado; a ação que já dura um ano. “No começo, as pessoas achavam que era alguma pegadinha, afinal, alguns dos livros que estávamos doando eram novos; muitos estranharam o fato de não precisarem pagar e ficaram desconfiados”, lembra Paulo. O espanto também surpreendeu Giovanna. “Ela não acha que está fazendo nada de mais. Eu, então, explico para ela que o mundo é difícil, tem muita coisa errada, e atitudes como a dela faz com que as pessoas fiquem admiradas”.

Com o tempo, alguns leitores de plantão começaram a deixar livros com a Giovanna, na intenção que ela doasse cada vez mais. Assim, o acervo da menina ficou cada vez mais diversificado. “Tem de tudo, viu? Tem romance, suspense, livros de fotografia – porque fui fotógrafo, de aventura, infanto-juvenil, poesia, de informática, autoajuda; tudo o que você imaginar tem”, conta Paulo.

Além de livros, a coleção de histórias curiosas de Giovanna também cresceu. “Essa ação nos fez testemunhar coisas bem interessantes, como um senhor que se emocionou ao ver um livro de escola que seu neto estava precisando para estudar e também uma senhora, de uns 60 anos, que nos contou que há 20 anos não lia mais nada. A atitude da minha filha a fez voltar a ter contato com os livros. Ela já nos visitou umas cinco vezes, sempre pegando e devolvendo os livros que já leu”.

(Karen Lemos - Portal da Band)

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Australiana contou ser transexual toda vez que encontrava com sua mãe - e a reação dela era incrível

Tina Healy ao lado de sua mãe (Foto: Arquivo pessoal)

Quando tinha quatro anos de idade, a australiana Tina Healy, hoje com 54 anos, tinha um sentimento de que era diferente. Ela não conseguia – e nem poderia – expressar o que estava sentindo. Era década de 1960 e pessoas como ela eram internadas e tratadas com terapias de choque. Tina aprendeu, então, a viver com um segredo enterrada dentro dela.

Anos se passaram; Tina se casou, teve filhos e chegou a de fato viver momentos de felicidade, mas sempre com algo engasgado na garganta. O passar do tempo só dificultou as coisas, até que um dia, apenas quatro anos atrás, Tina revelou que era transgênero e sempre se sentiu como uma mulher presa a um corpo masculino. Um corpo que nunca lhe pertenceu.

A primeira pessoa que soube disso foi sua esposa, Tess. Ela entendeu e incentivou o então marido a viver da forma com a qual sempre sonhou. O próximo passo foi contar a verdade para os quatro filhos do casal. Foi um choque, mas, segundo Tina, com os passar dos meses, eles foram compreendendo a situação e passaram a aceitar sua real identidade.

"Nunca me arrependi de me revelar e viver como Tina. Nem por um minuto. Foi muito difícil; perdi familiares, amigos, meu trabalho e até minha casa. Mas eu não mudaria nada do que eu fiz. Hoje eu vivo com uma sensação de alegria e felicidade. Acredito que sou a mulher transexual mais sortuda deste mundo", relatou Tina em conversa com o Portal da Band.

Relação com a mãe

O fato de Tina não conseguir compartilhar sua verdade para a mãe era um fardo muito grande para carregar. As duas sempre foram bem próximas e, segundo Tina, esconder algo tão importante dela era motivo de muita tristeza.

Quando a mãe de Tina começou a apresentar os primeiros estágios de demência, a australiana decidiu que era hora de falar a verdade. "Fui à casa de minha mãe como Chris (meu antigo nome masculino) e contei a ela, de forma bem simples, o que significava ser transgênero para mim. Ela fez algumas perguntas, sorriu e disse: 'Bom, quem diria, agora eu tenho uma nova filha'. Foi um momento muito bonito", recorda.

Tina sabia que, por conta da doença, sua mãe se esqueceria da conversa. E esqueceu mesmo. "Sempre que a visitava, precisava lembrá-la de quem eu havia me tornado. E toda vez ela dizia: 'É mesmo! Você está feliz? Você é linda', sorria e me abraçava."

O tempo foi avançando, assim como a doença de sua mãe. "A demência chegou a um estágio em que ela não conseguia mais guardar nenhuma memória. Ela já não sabia mais quem eu era. Decidi, então, não contar mais nada. Foi mais fácil assim", diz Tina. "Hoje, eu devo minha vida e felicidade a essa mulher. Ela me mostrou o que é o verdadeiro amor incondicional: algo tão natural quanto respirar." 

Apresentando Teddy

As experiências de Tina não alegraram apenas a vida de sua mãe. Filha de Tina, Jessica Walton, de 31 anos, ficou inspirada em escrever um livro a partir do que viveu com a aceitação de sua mãe. Assim, surgiu "Introducing Teddy" ("Apresentando Teddy"), a história de um ursinho de pelúcia transexual.

“Escrevi esse livro porque queria uma história com personagens transexuais na estante do meu filho”, contou Jessica à reportagem. “Gostaria de algo que eu pudesse ler para ele agora, aos 18 meses de vida. Algo doce sobre ser você mesmo e ser um bom amigo. Nunca encontrei um livro assim, então decidi escrevê-lo.”

 Tina em dois momentos em família: com a filha Jessica e com seu neto (Foto: Arquivo pessoal)

"Quando Jessica me mostrou os primeiros rascunhos do livro, preciso confessar, derramei algumas lágrimas de felicidade", lembra Tina. A ideia é que o livro chegue até às famílias que queiram entender o que é ser transgênero e abraçar alguém assim que faz parte da vida delas.

"Mesmo Jessica não sendo transexual ela soube, de forma intuitiva, transmitir o que os transgêneros sentem em uma linda mensagem de amor. Acho que o fato de ela ter sido criada em uma família de cabeça tão aberta presenteou-a com esse talento", celebra Tina. "Vi em Jessica a mesma empatia e compaixão que encontrei em minha mãe. Acredito que minha mãe teria muito orgulho dela. Eu tenho", conclui.

 “Teddy sabe em seu coração que é uma garota e não um garoto. Seus amigos vão entender? Vão chamá-lo de Tilly ao invés de Thomas?” (Trecho de "Apresentando Teddy"; Ilustração de Dougal MacPherson)

(Karen Lemos - Portal da Band)

sábado, 7 de novembro de 2015

Projeto de lei ignora circunstâncias das vítimas de estupro

Mídia Ninja

Em outubro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 5069/2013, de autoria do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que dificulta o atendimento médico às vítimas de estupro.

Nos dias que se seguiram, manifestantes tomaram as ruas de várias cidades brasileiras contra o PL. Entre as propostas, está uma exigência de que o estupro precisa ser comprovado mediante exame de corpo de delito para que a vítima tenha direito ao aborto. Entenda melhor como funciona:

Estupro comprovado por exame

No Brasil, em apenas três casos o aborto – considerado ilegal no país – é permitido: quando a gravidez é decorrente de estupro, em casos em que há risco de morte para a mãe e quando o feto é anencéfalo, ou seja, não possui cérebro.

Embora o relator da proposta, deputado Evandro Gussi (PV-SP), tenha retirado do texto o pré-requisito desse exame para atendimento hospitalar às vítimas, ainda permanece essa exigência para realização do aborto.

A ideia é impedir que mulheres aleguem ter sido estupradas para conseguirem abortar. Na opinião de um especialista consultado pelo Portal da Band, o projeto de lei ignora a verdadeira vítima desse tipo de situação que, em algumas circunstâncias, não consegue comprovar o crime.

Há casos de estupro em que a mulher – por ser ameaçada caso reaja ou esteja desacordada – não sofre o tipo de violência física que o exame de corpo de delito comprova. Além disso, nem todas procuram ajuda logo que o abuso ocorre.

“O exame só é aplicável quando o estupro ocorreu há pouco tempo”, explica Etelvino Trindade, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). “É preciso levar em conta que a mulher estuprada tem dificuldade de falar sobre o que aconteceu, principalmente dentro de uma sociedade que, muitas vezes, a enxerga como a própria ocasionadora do estupro.”

“Essa mulher pode viver com esse conflito durante meses e, ao perceber que não menstrua e pode estar grávida, procura ajuda. Aí será tarde demais, porque o exame não poderá mais comprovar nada e ela será obrigada a ter o filho ou, então, procurar instâncias incapacitadas, o que pode ocasionar em sua morte caso o procedimento seja mal feito”, alerta. Por dia, vale lembrar, 800 gestantes morrem tentando abortar.

A polêmica sobre a pílula do dia seguinte

O relator também incluiu no texto uma espécie de cláusula de consciência de que “nenhum profissional de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo”.

“Temos outro problema aí porque, ainda que o decreto não especifique, alguns grupos religiosos, por exemplo, consideram a pílula do dia seguinte como abortiva, embora isso seja uma inverdade científica”, ressalta o presidente da Febrasgo.

“A mulher precisa desse direito para não engravidar, além de um coquetel-anti-hiv e uma profilaxia para doenças sexualmente transmissíveis, o que hoje é garantido às vítimas.”

Encaminhamento à delegacia

Na opinião do advogado Evandro Fabiani Capano, especialista em segurança pública e autor de livro sobre crimes sexuais, o projeto de lei, por um lado, é positivo. No texto, o deputado Evandro Gussi manteve a obrigação de um encaminhamento da vítima à delegacia após atendimento pelos serviços de saúde. A ideia é contribuir para a investigação e punição do estuprador.

“Eu vejo que [o projeto de lei] ajuda a combater uma cifra negra no número de casos de estupro e também facilita a uma posterior apuração do crime”, afirma. “A mulher não precisa participar do inquérito - que inclui depor na delegacia, no júri, reconhecer o criminoso, enfim - caso não queira. A lei é positiva ao orientar o encaminhamento à delegacia para, pelo menos, registrar a ocorrência.”

As manifestações pelo Brasil mostram que o projeto de lei precisa ser melhor elaborado. Depois da aprovação da CJJ, a proposta segue para votação no Plenário da Câmara, onde, assim como na comissão, debates acalorados e divergências entre deputados são esperados.

(Karen Lemos - Portal da Band)

sábado, 31 de outubro de 2015

Assim como a Finlândia, Brasil também tem projeto de renda básica


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Com o apoio de 70% da população, a Finlândia pretende testar no ano de 2017 um sistema em que todos os habitantes vão receber um salário, não importando o quanto ganhem em seus empregos e nem mesmo se de fato trabalham. Ano que vem, a Suíça realizará um referendo para consultar sua população e decidir se também testará esse conceito.

A ideia parece “boa demais para ser verdade”, mas algumas cidades que adotaram um sistema parecido acumulam resultados positivos. Já vamos a elas. Antes, é interessante lembrar que aqui, no Brasil, desde 2004 vigora a lei n° 10.835/2004, de autoria do então senador, hoje secretário de Direitos Humanos de São Paulo, Eduardo Suplicy, que institui o Renda Básica Cidadania.

Pelo programa, qualquer cidadão brasileiro – qualquer mesmo, do mais pobre até Dilma Rousseff, Silvio Santos e Pelé – receberá uma renda fixa para cobrir suas necessidades básicas de sobrevivência. Estrangeiros com mais de cinco anos no país também seriam contemplados.

O processo é gradual, iniciado pelos mais necessitados, a exemplo do que é realizado no Bolsa Família. Ao contrário do programa do Governo Lula, o Renda Básica seria menos condicionado, com recursos podendo derivar de várias fontes, como impostos, concessões de recursos naturais, loterias, entre outros.

O projeto nunca saiu completamente do papel. No momento, encontra-se em processo de regularização, estágio no qual Suplicy tenta dar andamento. “Desde junho de 2013 eu tenho escrito para que a presidente Dilma Rousseff possa me receber para conversar sobre minha proposta de regulamentação do Renda Básica, que é constituir um grupo de trabalho para estudar as próximas etapas do programa”, relatou Suplicy ao Portal da Band.

Já foram 25 cartas. Enquanto conversava com a reportagem, o secretário redigia uma nova carta, desta vez citando a iniciativa da Finlândia.

Na opinião de Suplicy, o Renda Básica é a saída, por exemplo, para a crise econômica que o Brasil atualmente se encontra. “O grande economista Philippe Van Parijs escreveu, em março de 2012, para o jornal francês Le Monde que a melhor maneira de resolver a crise europeia seria instituindo uma renda para todos europeus que, no momento em que passassem a ter acesso a esse dinheiro, teriam condições de resolver seus problemas de desemprego, acarretando em uma melhor estabilidade econômica e social”, citou.

O secretário tem o Renda Básica Cidadania como o projeto de sua vida. Até hoje, ele realiza palestras (“média de uma palestra por dia”, contou) expondo as vantagens de seu programa. “Quando termino, todos concordam e aplaudem a ideia. Tenho a convicção de que, quando bem explicada as vantagens do conceito para o povo brasileiro, a maioria será a favor.”

Não é o que enxerga a professora de economia da PUC São Paulo, Rosa Maria Marques. “Acredito que [o Renda Básica] teria uma resistência enorme da sociedade brasileira. Somente a concessão do Bolsa Família já gerou uma repulsa da classe média, por exemplo”, opina. Rosa Maria também aponta a falta de condições do país de financiar um projeto de tamanha complexidade. “Ao meu ver, o financiamento teria que partir de setores mais ricos da população, o que implica em reforma tributária, taxação de grandes fortunas, enfim, coisas que o Brasil não têm hoje.”

Na prática funciona? 

É difícil imaginar a aplicação do Renda Básica Cidadania em um país do tamanho do Brasil. A Finlândia, talvez, nos dará respostas. Fato é que algumas cidades, como Utrecht, na Holanda, de 600 habitantes, adotou a concepção e apresentou proveitos.

O maior exemplo talvez seja o do estado norte-americano do Alasca, que passou a distribuir 6% de seu PIB igualmente a todos os seus habitantes. Em 2005, o estado se tornou o mais igualitário dos Estados Unidos.

Há ainda outros exemplos. No estado indiano de Madhya Pradesh, algumas vilas rurais oferecem um pagamento a seus quase seis mil habitantes. Indicadores mostram que setores como saúde e educação apresentaram melhoras desde então.

Já na vila rural de Otjivero, na africana Namíbia, onde a população recebe o equivalente a R$ 25, a desistência escolar, que era 40%, zerou. Com esses dados em mãos, Suplicy tenta ser bem-sucedido com um projeto de mais de dez anos jogado ao limbo.

“Quero oferecer no Brasil uma oportunidade para aquela jovem que, por falta de condições de dar o sustento em casa, vende o seu corpo; ou então para o jovem que, assim como diz a música ‘O Homem na Estrada’, dos Racionais MC's, se torna um ‘aviãozinho’ do narcotráfico pelas mesmas razões. A oportunidade que menciono é de dizer ‘não’ a essas únicas alternativas de sobrevivência, e oferecer uma chance de esperar por algo melhor. É nesse sentido que o Renda Básica elevará a dignidade de todos”, conclui Suplicy.

(Karen Lemos - Portal da Band)

sábado, 24 de outubro de 2015

Homossexuais ainda são impedidos de doar sangue

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Em setembro, a Argentina se juntou a países como Chile, Espanha, Itália, México, África do Sul e até a conservadora Rússia e retirou uma restrição que dificultava a doação de sangue por homossexuais. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), outras nações, como Alemanha, Dinamarca, França, Israel, Suíça e o Brasil, por exemplo, mantêm esse veto.

O estigma da década de 80, quando o vírus HIV era associado aos homens gays, prevalece até hoje. Mais de 50 países não permitem que homossexuais doem sangue em seus hemocentros. No Brasil, a resolução 153 da Anvisa considera que “homens que fizeram sexo com outros homens nos 12 meses que antecedem a triagem clínica devem ser considerados inaptos temporariamente para a doação de sangue”.

Embora a agência, vinculada ao Ministério da Saúde, deixe claro que a seleção clínica “não seja baseada em preconceitos, idiossincrasias ou conceitos morais”, na prática, a restrição esbarra exatamente nisso. Em 2014, João* tinha um parente internado que precisava de sangue. Ele tentou doar no mesmo hospital onde o familiar se encontrava, mas, logo na entrevista, foi dispensado, não sem antes ouvir injúrias.

“Eu estava em um relacionamento estável há mais de 12 meses, com todas minhas relações sexuais ocorrendo com preservativo. Mesmo assim, a médica quis impedir minha doação e, entre outros abusos, tive que ouvir que o sangue de homossexuais era 'ruim' e que eu era uma exceção entre os gays ‘por não ser promíscuo’”, disse. “Desde então, nunca mais doei sangue com medo de passar pela mesma humilhação.”

Para Denise Auad, professora da Faculdade de Direito de São Bernardo e advogada especialista em Direitos Humanos, o preconceito já começa no questionamento sobre a sexualidade do possível doador. “É preciso desmistificar essa ideia de que o homossexual é sempre promíscuo. Existem casais homoafetivos juntos há muitos anos, que formam família, adotam crianças e lutam pelos seus direitos”, declarou. “O que o hospital precisa garantir é que a pessoa esteja saudável.”

Assim como João, vítimas de preconceito em hemocentros podem recorrer à Justiça. “É possível entrar com uma ação e pedir indenização por danos morais. A dificuldade disso é conseguir provas. Seria interessante que a vítima obtivesse, por escrito, uma prova de que foi impedida de doar sangue. Caso ela consiga reunir testemunhas que possam confirmar as ofensas, melhor ainda”, explicou a advogada. “Essa resolução fere a Constituição Federal, que prima pelo princípio da igualdade. Nesse caso, é possível entrar em contato com o Ministério Público, reunir assinaturas e pedir a revogação dessa resolução”, acrescentou.

A campanha "Igualdade na Veia", do Grupo Dignidade com apoio do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), entrou com um pedido para reavaliar a resolução junto ao Conselho Nacional de Saúde e ao Ministério da Saúde. Uma petição online foi criada e já conta com mais 13 mil assinaturas. “A população de homossexuais assumidos no Brasil passa de 8% e as doações de sangue são menores que 2%. Essa restrição, além de preconceituosa, faz com que as filas nos bancos de sangue não diminua e impede que vidas sejam salvas”, destacou o grupo.

Estados Unidos 

Assim como no Brasil, os Estados Unidos também mantêm a restrição de 12 meses sem relação sexual para homens gays. Warlen Piedade, que atualmente mora nos EUA, passou por isso em ambos países. “Tenho um parceiro há mais de um ano e, em São Paulo, fui impedido de doar sangue por ser homossexual. Só poderia doar se ficasse 12 meses sem ter relações sexuais com meu namorado”, contou. “Aqui, nos Estados Unidos, tentei doar já sabendo que não deixariam. Eu recebi um questionário no qual, em uma das perguntas, precisava responder como identificava minha sexualidade e, caso fosse homossexual, eles avisavam da existência de uma lei que me impediria de continuar no processo.”


Supervisor do pronto-socorro do Emílio Ribas, o médico infectologista Ralcyon Teixeira definiu a resolução da Anvisa como um exagero. “O hospital precisa avaliar a pessoa como um todo. Pela resolução, você apenas enxerga que a pessoa é homossexual e, portanto, inapta a doar sangue; não é por aí.”

Para Teixeira, a seleção clínica poderia ser diferente, dispensando aqueles que fizeram sexo sem proteção em um curto período - o que excluiria casais que transam com preservativo ou que mantém um relacionamento estável. Além da palavra do doador, os exames garantiriam a segurança do processo.

“Os exames hoje estão muito mais sensíveis. Antigamente, a janela imunológica do HIV, por exemplo, era de dois a três meses. Atualmente, em um teste mais convencional, seria apenas de quatro semanas. Visto que nossos exames estão mais modernos, essa entrevista com o candidato a doação de sangue poderia facilmente ser realizada de uma forma mais humana”, ressaltou.

*O entrevistado preferiu não se identificar

(Karen Lemos - Portal da Band)

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Substância que combate o câncer divide opiniões

 
Marcos Santos/Divulgação/USP

Filho de uma senhora de 68 anos com câncer no pâncreas, o advogado Dennis Cincinatus conseguiu permissão judicial para adquirir cápsulas de fosfoetanolamina, droga experimental que virou notícia depois que pacientes, assim como sua mãe, relataram melhoras no quadro clínico após o seu uso.

“Minha mãe teve um prognóstico de apenas dez dias de vida, e o médico suspendeu o tratamento por quimioterapia”, relatou Dennis. “Já tem mais de um mês que ela está viva depois de ter começado a tomar fosfoetanolamina; anteontem mesmo, ela conseguiu levantar da cama e caminhar um pouco, algo que ela não fazia antes.”

Produzida pelo Instituto de Química de São Paulo da USP, a substância está sendo apontada como uma possibilidade alternativa no tratamento para pacientes com câncer.

A grande questão gira em torno de sua regulamentação. A Anvisa, agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde, não analisou sua segurança e eficácia. Em nota, a agência ressaltou que a substância, testada em ratos de laboratório pelo IQSC, não passou por nenhum experimento em seres humanos. “Antes de qualquer medicamento ser disponibilizado para uso no Brasil, é necessária a avaliação de ensaios clínicos”. Sem a regulamentação, a venda ou distribuição da fosfoetanolamina é uma prática irregular.

Diante da polêmica, o Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu que a USP distribuísse a droga. Também em nota, a universidade disse que vai investigar de que forma essa distribuição era feita. “A USP estuda a possibilidade de denunciar, ao Ministério Público, os profissionais que estão se beneficiando do desespero e da fragilidade das famílias e dos pacientes”, afirma em comunicado.

No início deste mês, pacientes e parentes de pacientes – como Dennis – entraram com um pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal e conseguiram, através de uma decisão do ministro Edson Fachin, derrubar a proibição do TJ de SP. “A gente decidiu ir ao STF por entender que a decisão anterior era uma afronta ao direito à vida e à dignidade da pessoa, garantido pela Constituição Federal”, explica o advogado.

Embora relatos como esse deem conta de uma contribuição da fosfoetanolamina no tratamento de pacientes com câncer, oncologistas alertam para possíveis riscos. “Estamos falando de uma substância química que não pode ser considerada medicamento em função de uma série de situações. Não sabemos, por exemplo, quais são seus efeitos colaterais, efeitos em ação conjunta com outros tipos de drogas e, o mais importante de tudo, não dá para garantir seu impacto – positivo ou não – na doença”, afirma Charles Andreé Joseph de Pádua, médico oncologista e diretor do Cetus.

“Além disso, quando falamos de câncer, temos que levar em conta seus mais diferentes subtipos; a quantidade é vasta, em torno de três mil doenças. É preciso entender de qual câncer estamos falando para tratá-lo da melhor forma.”

Questionado sobre os relatos de pacientes que alegam impactos positivos no tratamento com o uso da fosfoetanolamina, o oncologista aponta duas possíveis explicações: uso de uma outra medicação aliada a fosfoetanolamina que auxiliou no tratamento, ou então, um efeito placebo, quando o paciente deposita tanta esperança em determinada substância que acaba gerando bons resultados.

“Eu espero que um dia, comprovado sua eficácia, possamos usar a fosfoetanolamina no tratamento contra o câncer. Até lá, é imprescindível ressaltar a importância de um acompanhamento médico em qualquer caso. É uma tristeza ver pessoas em tal estado de fragilidade apelando para alternativas que ainda não podem ser comprovadas como benéficas”, completa.

Uma audiência pública está agendada para o dia 29 deste mês no Senado Federal, na qual serão discutidas as possibilidades de se estudar a fosfoetanolamina sintética. A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), em conjunto com duas outras comissões temáticas da Casa, estarão à frente da sessão.

(Karen Lemos - Portal da Band)

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Um retrato dos refugiados do Brasil


O drama dos refugiados vem, cada dia mais, comovendo o mundo. Não é por menos. No maior fluxo migratório desde a Segunda Guerra Mundial não faltam histórias impactantes e acontecimentos lamentáveis, como a morte do menino sírio Aylan Kurdi em uma praia turca.

Nesta semana, a presidente Dilma Rousseff discursou em assembleia na ONU cobrando de todos os países mais ação para amenizar essa crise. O Brasil é uma das nações que mais acolhe refugiados em seu território. Segundo dados divulgados mês passado pelo Ministério da Justiça, em 2014, o país possuía 8,4 mil refugiados.

“O Brasil tem se destacado na forma como recebe os refugiados”, avalia Reginaldo Nasser, professor de relações internacionais da PUC São Paulo. Através do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), o Ministério da Justiça concede vistos especiais, facilitando a vinda. “Por outro lado, ainda falta preparo do governo para melhor recepcioná-los, como alguém que os receba no aeroporto, um tradutor, indicações de lugares onde possam ficar. Quem está fazendo esse papel é a própria sociedade através de iniciativas e ONGs.”

Três refugiados, com trajetórias bem diferentes, ressaltam a importância de receber pessoas que, por uma questão de sobrevivência, precisam deixar seus países e o quanto podemos aprender e engradecer com eles.



Guylain Mukendi está há quase dois anos no Brasil. Formado em contabilidade, ele é refugiado da República Democrática do Congo, onde atuava como professor de direito fiscal e finanças públicas.

Em quase 20 anos de uma violenta guerra civil, seis milhões de pessoas já morreram no Congo. O conflito é considerado o maior e mais sangrento desde a Segunda Guerra Mundial. Nesse cenário desolador, doenças, como malária e cólera, além de chacinas, estupros e sequestros de crianças são frequentes.

Era essa a realidade que Guylain conhecia. Tudo piorou ainda mais quando, em 2012, um tio de sua família foi assassinado. Intrigado com a execução, ele decidiu investigar o que aconteceu. “Por causa disso eu fui denunciado e preso pelo serviço secreto do Congo”, contou. Liberto do encarceramento, o medo não diminuiu. Em 2013, a escola na qual trabalhava foi invadida e alvejada por militares. “Graças a Deus consegui sair ileso. Depois disso, não tinha mais como ficar no país.”

Sua família precisou pagar US$ 10 mil para sua fuga. Apesar da dor de deixar seus familiares, uma sensação de alívio o invadiu logo que pisou em solo brasileiro. “Fiquei relaxado por ter conseguido salvar a minha vida e sair de uma situação difícil onde, a cada hora que passava, uma coisa ruim acontecia”, relatou.

No Congo, o pai de Guylain ainda tenta fugir. “Por causa de mim, ele perdeu o emprego dele e os militares confiscaram o seu passaporte para que ele não pudesse mais viajar. Ele está tentando tirar outro passaporte porque a vontade é de sair de lá. Está muito difícil para ele”, lamentou. 

Enquanto tenta se adaptar a nova vida em São Paulo, Guylain está dando aulas de francês com foco na cultura africana através do projeto Abraço Cultural, que emprega solicitantes de refúgio no Brasil dentro dessa proposta.

Na capital paulista, ele se casou com uma compatriota e, juntos, tiveram o primeiro filho: um brasileiro. “O maior presente que o Brasil me deu foi o nascimento do Craig-André. O sentimento agora é de liberdade”, celebrou.



Desde 2013 no Brasil, o refugiado sírio Talal Al-tinawi tinha uma vida confortável em seu país. Trabalhava como engenheiro mecânico e tinha recursos para sustentar sua esposa, Ghazal, e seus filhos Riad e Yara. Com a chegada da guerra civil na Síria, que dura quatro anos e já deixou mais de 300 mil mortos, Talal precisou pedir refúgio, principalmente porque, devido ao fato de possuir o nome idêntico a uma pessoa que tinha problemas com o governo, foi preso injustamente.

“Fiquei três meses e meio na prisão. Foi muito ruim, muito difícil não só para mim, mas para minha família também. Eles ficaram sem notícias por um tempo, só depois de três meses consegui fazer contato com a minha esposa”, recordou.

Quando deixou o presídio, Talal se refugiou com a família no Líbano, onde a situação também é delicada. Lá, ao menos, conseguiram se planejar e procurar um país seguro para ir. “Comecei a procurar pelas embaixadas de países que pudessem nos receber”, contou. “Tentamos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Europa. Todos pedem tantos documentos que o pedido de refúgio se torna impossível.”

Naquela mesma época, o Conare autorizou a concessão de visto brasileiro para refugiados sírios que tentavam escapar da guerra. Recentemente, o órgão prorrogou essa autorização, em virtude do agravo do conflito - intensificado também pelo avanço do Estado Islâmico na região.

“Eu gosto do Brasil, quero ficar aqui”, ressalta Talal que, para se manter no país, começou a cozinhar os pratos típicos da Síria. A ideia partiu de voluntários do Adus (Instituto de Reintegração do Refugiado), que o ajudaram desde o início. “Descobri que os brasileiros gostam de comida árabe e gostam de novidades, então sempre tento fazer receitas novas.”

O sonho do refugiado agora é abrir um restaurante em São Paulo, onde mora, para ampliar o negócio que, por enquanto, é feito por encomendas através da sua página do Facebook. Para alcançar essa nova etapa, ele criou uma “vaquinha” online que, na semana passada, atingiu a meta de R$ 60 mil. 

Na casa de Talal, a família toda ajuda no preparo das comidas por encomenda e também no cuidado do mais novo membro do clã: a pequena Sara, brasileira da prole e símbolo da esperança de quem precisou deixar tudo que tinha para salvar a própria vida.



Naturalizada brasileira desde 1972, a escritora Ludmila Saharovsky nasceu no campo de refugiados Lager Parsh, em Salzburg, na Áustria. Seus pais eram russos e fugiram da Segunda Guerra Mundial. Em 1948, chegaram ao Brasil como imigrantes, já que o Estatuto dos Refugiados de 1951 ainda não estava em vigor no país.

Ludmila tem poucas lembranças daquela época porque era apenas uma criança. O que ela não esquece, no entanto, é a amargura que todo refugiado sente ao deixar seu país de origem, muitas vezes imerso na guerra. “Não me lembro de um momento de felicidade real, claro que tinha brincadeiras e risadas, mas aquela tristeza pela separação da família foi uma coisa que ficou muito marcada na minha vida”, lembra.

No Brasil, ela e sua família desembarcaram como apátridas, ou seja, sem uma pátria definida. “Isso aconteceu porque meus pais tiveram que destruir os documentos deles para não serem repatriados, pois corriam o risco de serem fuzilados na Rússia”, conta. Sem ser considerada russa e nem austríaca, demorou 20 anos para que Ludmila provasse que existia não só fisicamente, mas também legalmente. “Quando isso ocorreu, eu já era casada e tinha quatro filhos brasileiros.”

Quando seus avôs ainda eram vivos, a jovem Ludmila prometeu um dia voltar à Rússia para tentar descobrir o que aconteceu com os familiares que lá ficaram e, posteriormente, escrever um livro sobre a história de seus entes. A promessa resultou no livro “Tempo Submerso”, um relato de sua viagem para o arquipélago de Solovitskie Ostrova. Lá, [Josef] Stalin, líder da União Soviética de 1922 até 1953, construiu o primeiro Gulag, como eram chamados os campos de concentração de presos políticos e pessoas que se opunham ao regime comunista. Pelo avô, Ludmila soube que parte de sua família foi enviada para lá.

“Ao chegar lá, comecei a entrevistar algumas pessoas que, assim como eu, também foram buscar seus mortos. Como resultado, enchi um caderno com vários depoimentos desses. No fim, eu que tinha viajado em busca de oito mortos, encontrei 350 mil identificados e aceitos pelo governo russo”, afirma.

Para Saharovsky, o que realmente aconteceu na União Soviética permanecerá um mistério. “Os russos carregam uma culpa muito grande por terem assassinados seus próprios compatriotas”, explica. A escritora, porém, espera que um dia a verdade venha à tona; não só sobre o seu passado, mas sobre as atrocidades pelas quais passaram todos os refugiados na expectativa de que, um dia, o mundo, finalmente, aprenda com os seus erros e não os repita nunca mais.

(Karen Lemos - Portal da Band)

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Documentário acompanha a realidade das mulheres de presidiários

Divulgação

Toda semana, de forma antagônica, dezenas e por vezes até centenas de mulheres formam fila em frente de penitenciárias; madrugam, carregam quilos de alimentos, produtos de higiene e até vestuário e, em muitas unidades, enfrentam uma revista vexatória apenas para ficarem algumas horas na companhia de quem amam.

Por conta desse esforço, elas recebem o nome de guerreiras. Assim são chamadas as namoradas, noivas e esposas de detentos do sistema penitenciário brasileiro. A realidade desse amor separado pelas grades é retratado de forma sensível no documentário “Cativas – Presas pelo Coração”, em cartaz no Caixa Belas Artes, de São Paulo.

Em conversa com o Portal da Band, a diretora Joana Nin, que passou 12 anos em cima desse projeto, explicou que queria mostrar a importância dessas mulheres para a recuperação do preso. “Elas são vistas com muito preconceito. Muitos acham que elas estão lá para levar drogas ou celular para dentro do presídio. Eu já vejo diferente. Eu acho que elas estão lá para levar afeto, amor, que é o sentimento transformador da humanidade.”

“Cativas” acompanha sete mulheres que se relacionam com presidiários. As histórias são diferentes, mas os sentimentos tão comuns dos casais apaixonados estão lá. “Essas relações amorosas são iguais as nossas. Tem os mesmos problemas e belezas. Todo mundo quer ser amado, não importa onde e em quais condições”, completa Joana.

Revistas e visitas íntimas 

Ao longo dos 12 anos, a cineasta conseguiu a confiança do sistema, das mulheres e dos presos. Isso lhe permitiu ser mais ousada e ir além do pouco que enxergamos por trás das grades. Em uma das cenas, por exemplo, Joana filma momentos de intimidade de um casal durante a visita íntima.

“Eu já estava tão imersa na intimidade desse casal que propus fazer a cena”, conta. “Algumas dessas mulheres reclamam que muitos pensam que elas são putas, que vão ao presídio apenas para dar para o cara e não é isso! A cena não é de sexo explícito, é de romance.”

Em outra sequência, Joana consegue acompanhar a revista das mulheres que chegam para a visita. Em agosto de 2014, o Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária editou uma resolução que recomenda a extinção da revista vexatória em todo o país. Ainda assim, elas continuam existindo, cada uma de forma diversa, já que cada unidade prisional tem as suas próprias regras.

No presídio em que Joana filmou, as mulheres precisavam, além de ficar totalmente nuas, agachar em cima de um espelho sob os olhares das agentes penitenciárias. “Coloquei essa cena porque eu acho que isso que tem que acabar”, afirmou a cineasta.

Como cada unidade segue suas próprias leis, cabe a quem participa do sistema denunciá-lo. Esse é outro ponto que destaca a função das guerreiras. “Poucas vezes vi pessoas querendo mudar algo lá dentro. Só quem tem família quer essa mudança”, afirma Joana.



Sobre o estigma que o preso carrega por toda a vida e as dificuldades da ressocialização, a cineasta é enfática: “Não sou ingênua de achar que o preso que tem família vai sair do crime, mas tenho a convicção de que o preso que não tem ninguém por quem zelar, certamente vai voltar para o crime.”

Joana acredita que valorizando as guerreiras, a porcentagem de reincidência da população carcerária pode cair. “Vivemos em uma sociedade hipócrita que prefere fingir que as coisas não existem. Mas o negócio é o seguinte: no Brasil, temos uma legislação em que a pessoa fica presa por no máximo 30 anos. Quer você queria, quer não, ela voltará ao nosso convívio. Temos a opção de fazer esse retorno ser mais ou menos traumático”, conclui.

(Karen Lemos - Portal da Band)

sábado, 26 de setembro de 2015

Escolas particulares negam matrícula a alunos deficientes

Maria Aparecida Feier e sua filha Cibele (arquivo pessoal)

Cibele, hoje com 22 anos, estudou em escola particular até os seus 17 anos. Depois disso, a escola passou a exigir que a mãe, Maria Aparecida Feier, pagasse uma auxiliar que acompanhasse sua filha durante as aulas. O custo disso era quase o valor da mensalidade. "No início eu aceitei pagar porque era a única escola particular que aceitava minha filha; outras escolas do meu bairro a recusaram por ser autista", relata.

Sem conseguir pagar pelos gastos adicionais a longo prazo, Maria tirou Cibele, que era uma aluna exemplar, da escola e a colocou em outra que trabalha exclusivamente com crianças especiais. "Hoje a Cibele vê a irmã dela e todos os amigos indo para a antiga escola e fica triste que não pode ir junto."

Para mudar esse cenário, Maria cursou pedagogia, se especializou em neuropsicopedagogia e trabalhou no lugar dos profissionais que sugeriram que sua filha não seria capaz de continuar os estudos sem um acompanhamento. "Deixei de ser pedra para ser vidraça, queria ver como se dava todo o processo. O que aprendi foi que não há mistérios, é possível atender a essas crianças. O preconceito está no adulto", pontua.

A história de Maria é uma entre tantas mães de crianças com necessidades educacionais especiais que, até hoje, batalham para oferecer um estudo de qualidade para seus filhos e a oportunidade de eles estudarem com outras crianças, o que – já está comprovado - ajuda na evolução desses casos.

Escola aceitou a matrícula de Ana Júlia, mas recusou a de João Victor ao saber que ele era autista (arquivo pessoal)

Edinéa Albini sentiu com mais clareza essa discriminação. Mãe de gêmeos de cinco anos, ela tentou matricular João Victor, que possui necessidades educacionais especiais, e Ana Júlia na mesma escola, uma instituição de ponta, que ela chamou como "sonho de consumo" para a educação de seus filhos.

"Eles me atenderam super bem, mas quando contei das condições do João Victor, disseram que eles não tinham autorização para aceitar uma criança especial. A atendente chegou a dizer que a média lá era sete e que meu filho nunca ia conseguir alcançar isso. Ela falou tudo isso sem nem conhecer e olhar para o meu filho", lembra. Edinéa ainda foi convidada para conhecer a escola se sua intenção fosse matricular a Ana Júlia. "Falaram que ela seria muito bem aceita", acrescenta. A mãe, então, entrou com processo contra a escola. Um inquérito policial foi aberto e ela já teve sua primeira audiência com o diretor da instituição.

Enzo chegou a ser elogiado por uma professora, mas a escola afirmou que ele "atrapalhava o andamento das aulas" (arquivo pessoal)

Quando não esbarram na recusa, algumas mães enfrentam problemas mesmo após conseguirem matricular os filhos. Foi o que aconteceu com a jornalista Sabrina Brognoli d’Aquino. Ela conseguiu matricular o Enzo, de oito anos, na rede privada. Com a virada do ano letivo e a mudança professores, os problemas começaram.

Em junho de 2011, ela chegou a receber um bilhete da escola onde se lia que seu filho atrapalhava o andamento das aulas. "Isso não procedia porque a professora anterior do Enzo sempre dizia que ele era avançado para a turma dele e que os coleguinhas aprendiam com ele. Ela mesmo que relatou que chegou a mudar seu método de ensino e torná-lo mais interessante por causa do meu filho", conta.

Depois desse episódio, Sabrina flagrou vários momentos de descaso com seu filho. O cúmulo foi quando descobriu, através de uma auxiliar que a escola a fez contratar para Enzo, que seu filho era forçado a comer quando não queria. "Notei algumas manchas no corpo dele que os professores diziam que era porque ele caia na quadra. Depois disso o tirei da escola, registrei um B.O., fiz exame de delito e denunciei a escola no Conselho Municipal de Educação. Como resposta, disseram que, como meu filho não estudava mais lá, não tinha como avaliar o modo com o qual ele era tratado. O processo, muito provavelmente, será arquivado", lamenta.

Sabrina conseguiu matricular Enzo em outra instituição da rede privada que, segundo ela, soube trabalhar não com suas fraquezas, mas com suas qualidades. Escolas assim, no entanto, sofrem com a alta demanda de matrículas. Para melhorar a distribuição de alunos, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, sancionado em julho por Dilma Rousseff, sugere nos artigos 28 e 30 que escolas da rede privada aceitem e se adequem à educação para crianças com necessidades especiais.

Estatuto da Pessoa com Deficiência 

A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) está com um pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal para revogar esses artigos que, para a defesa, “ferem o principio dos direitos humanos". "Um dispositivo que impõe a inclusão ignora toda a preparação que a escola precisa ter para oferecer cuidado, atendimento e tratamento especiais necessários. Existem mais de quatro mil necessidades especiais, como você vai conseguir prever um projeto pedagógico sem saber quem baterá a sua porta?", diz Ricardo Furtado, advogado da confederação.

Não é o que pensam as mães desses alunos; para elas, o estatuto é um anúncio de novos tempos. "É um ganho da sociedade civil em relação às diferenças. Acho que a primeira geração pode pagar o pato com escolas que não se preparam e vão passar a aceitar crianças especiais. Mas, sem isso, essas escolas vão se preparar quando? Chega dessa desculpa de falta de preparo, isso é preguiça. A melhor professora do Enzo não tinha curso nenhum, o que ela tinha era vontade de ensinar, ela abraçou o desafio de ganhar o meu filho e isso foi muito positivo para ele", observa Sabrina.


Para o vice-presidente da Ampid (Associação Nacional do Ministério Publico de Defesa dos Direitos do Idoso e das Pessoas com Deficiência), negar a matrícula de um deficiente é, em sua visão, uma discriminação. "A maior parte das pessoas com deficiência está matriculada em escolas públicas. A impressão que fica é que as escolas privadas só existem para pessoas perfeitas. Com o tempo, vão segregar também aqueles alunos que têm dificuldade no aprendizado", pontua Waldir Macieira.

O principal ponto de discórdia se concentra, claro, nos gastos adicionais que as escolas particulares terão que arcar para se adequar às novas exigências do estatuto. Algumas instituições alegam que não conseguem cobrir tais despesas e que, portanto, a saída seria aumentar a mensalidade de todos os alunos para saldar custos extras. "Esse cenário vai resultar no fechamento de escola por não ter cliente com capacidade de pagar aquilo que o estado está obrigando”, alega Furtado.

Esses gastos, acrescenta o advogado, são de dever do Estado, o que está explícito no artigo 208, inciso III, da Constituição Federal, que diz que "o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino."

Do outro lado, o vice-presidente da Ampid afirma que, ao aceitar concessões do Estado para funcionarem, as escolas particulares acolhem, ainda, os deveres do mesmo. "Ninguém está pedindo uma tarefa extra pedagógica. Atender a alunos com deficiência está embutido no princípio de que a educação é para todos”, rebate.

(Karen Lemos - Portal da Band)

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Os perigos no aumento do limite do crédito consignado

Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas

Desde a última segunda-feira (13), o trabalhador pode solicitar 35% de crédito consignado graças a uma medida provisória que elevou seu limite, anteriormente de 30%.

Embora os 5% a mais sejam destinados a apenas pagamento de dívidas de cartão de crédito, a proposta pode ser um tiro que saiu pela culatra se o trabalhador não souber administrar suas contas já que, vale lembrar, o crédito consignado é descontado diretamente da folha de pagamento ou do benefício de aposentados e pensionistas.

“Quando a pessoa decide solicitar mais uma linha de crédito é porque ela já tem problemas financeiros eminentes na vida dela”, explica Reinaldo Domingos, presidente da DSOP Educação Financeira. “A grande questão do crédito consignado é que ele agrava, na verdade, o cenário, simplesmente porque está ampliando a situação de endividamento para esse trabalhador.”

Ainda na opinião do especialista, a medida é uma “irresponsabilidade” do governo que deixa à disposição do cidadão um crédito “perigoso”, que sai da fonte da renda e nem chega a entrar na conta para ser administrado. “Isso cria uma liquidez ainda maior para o sistema financeiro”, diz Domingos.

No lugar de conceder mais possibilidades de crédito, o governo deveria, na opinião do educador financeiro, coibir as empresas de cartão de crédito oferecer um limite acima do salário do cliente. “Ao invés disso, o governo continua cobrando limites altos, dando condições para taxas de juros exorbitantes e fazendo com que o crédito consignado, que possui juros menores, soe atraente.”

O resultado, para Domingos, é uma bolha de crédito que está envolvendo, cada vez mais, a população.

Atualmente, é bom ressaltar, há 56 milhões de brasileiros na inadimplência.

Há saída sem o crédito consignado?

Pode parecer senso comum, mas a solução dos problemas ainda é o controle de gastos. Antes de tomar qualquer decisão que envolva um pedido de crédito, é preciso fazer uma faxina financeira na família: convocar a todos, expor a situação e cortar despesas. Sem isso, o buraco para o endividamento pleno se aprofundará.

Com a faxina, o crédito consignado pode até se tornar um beneficio. “Acho um pouco difícil esse cenário, porque a família brasileira não costuma a ter uma educação financeira. É possível que o trabalhador fique com as dívidas antigas e as novas do consignado, já que esse tipo de crédito combate o efeito e não a causa”, afirma Reinaldo.

Ainda assim, as contas não saíram do vermelho? “Mesmo nesse caso o melhor a se fazer é deixar estourar a dívida”, sugere. “Logo em seguida, é necessário fazer um diagnóstico financeiro, avaliar o valor de parcelas que você consegue pagar, ir à instituição financeira com a qual você possui pendências e renegociar essa dívida”, aconselha o especialista.

(Karen Lemos - Portal da Band)

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Livro-reportagem para crianças explica luta a de Malala Yousafzai

Bruna Assis Brasil

Quando estava entre as fronteiras do Afeganistão com o Paquistão fazendo cobertura internacional para o jornal Estado de São Paulo, Adriana Carranca soube do ataque que quase tirou a vida de Malala Yousafzai, uma ativista paquistanesa notória por lutar pelo direito das mulheres de seu país à educação.

A jornalista já ouvira falar da menina e escreveu matérias sobre a voz vinda do Vale do Swat que enfrentava os extremistas do Talibã para obter a permissão de ir à escola, “privilégio” só dos homens do Paquistão sob domínio do grupo extremista.

Depois de entregar uma matéria sobre o atentado, Adriana recebeu uma proposta para escrever um livro sobre a trajetória da garota que, naquela ocasião, estava entre a vida e a morte após ser baleada por um integrante do Talibã, em outubro de 2012, como resposta ao seu “atrevimento” de ir contra as regras impostas pelos radicais.

“O que eu não sabia era que, naquela época, Malala estava se tornando um nome poderoso e conhecido no mundo todo”, contou ao Portal da Band a autora de “Malala, a menina que queria ir para a escola”, livro-reportagem para crianças (um gênero ainda pouco abordado no Brasil) sobre a vencedora do Nobel da Paz de 2014.

Logo após o atentado a Malala, Adriana visitou o hospital em que ela estava internada. Lá, conversou com os primeiros médicos que a atenderam antes de viagem a Birmingham, na Inglaterra, onde a ativista mora atualmente. Também entrevistou o motorista que levava a menina no transporte escolar onde foi baleada, professores e colegas de sua sala, além de familiares, como os pais de Malala - figuras essenciais que incentivaram a batalha da filha pelo conhecimento.

Até aquele momento, Adriana planejava escrever um livro para adultos. A vontade de tornar a narrativa própria para crianças surgiu quando ela visitou o vilarejo onde o autor dos disparos contra a ativista morava. Ela se hospedou na casa de um tradutor enquanto pesquisava sobre a vida do terrorista.

Bruna Assis Brasil

“No convívio daquela casa, tive muita contato com as crianças de lá. Eram oito no total. A partir daí, comecei a pensar o quanto seria bacana que as crianças brasileiras soubessem da existência delas”, recordou.

Como explicar as atrocidades do terrorismo para crianças? 

O principal desafio que Adriana e a ilustradora da obra, Bruna Assis Brasil, enfrentaram foi a imersão no cenário lúdico infantil ao contar uma história permeada por temas delicados - violência, terrorismo, machismo, por exemplo.

“São cenas muito pesadas, mas acredito que, pelo fato de estarem ilustradas, já conversam de uma forma muito mais direta com as crianças. É muito importante que elas tenham consciência de tudo o que acontece no mundo. Todos temos medo dessa realidade, mas não podemos ter medo de mostrá-la”, pontuou a ilustradora, que usou técnicas de colagens para os desenhos.

“Quase todas as imagens usadas nas ilustrações são da viagem da Adriana e achamos que seria muito importante e enriquecedor termos esses pedacinhos de realidade em meio aos desenhos feitos à mão”, contou ainda.

Bruna Assis Brasil

Já Adriana chegou a frequentar um laboratório de literatura infantil para adaptar a linguagem do livro que, a princípio, seria direcionado a adultos. O mais interessante é que, segunda a autora, os dois tipos de leitor-alvo não estão tão distantes quanto pensamos.

“As crianças de hoje em dia têm acesso às informações, à tecnologia, conversam sobre questões mundiais com colegas de sala; também viajam mais e têm mais contato com as diferentes culturas por conta dos imigrantes que vivem no Brasil; além do mais, desde cedo elas têm contato com histórias onde a violência está presente: a rainha má manda o lenhador cortar o coração de Branca de Neve, o Lobo Mal devora a vovózinha e, por consequência, é morto e tem a barriga aberta por caçadores, enfim, não podemos deixar de contar a vida da Malala, que é de superação, por conta das dificuldades que ela passou”, explicou. 

Livro-reportagem chegou até a Cracolândia 

“Malala, a menina que queria ir para a escola”, lançado pela Companhia das Letrinhas, vai rodar por algumas feiras de livro internacionais. Já passou, por exemplo, por uma feira em Bolonha, na Itália, onde uma editora da Espanha teve interesse em traduzir e lançar a obra. Por enquanto, essa parceria ainda está em negociação, mas a ideia é levar o exemplo da jovem ativista para as crianças de todo o mundo. Até lá, Adriana conta que tem se encantado com a repercussão do seu livro aqui no Brasil.

A mais recente veio de uma turma do 9° ano do ensino fundamental do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo. Meninas de 14 anos - mesma idade de Malala quando sofreu o atentado - levaram à prefeitura de São Paulo a iniciativa de obter alguns exemplares do livro a preços mais em conta para distribuir no projeto De Braços Abertos, que recebe crianças retiradas da região da Cracolândia, no centro da capital paulista. 

“Fico muito emocionada com esses gestos de carinho. Também tenho recebido muitas cartinhas dos leitores; eles me mandam fotos em que aparecem lendo o livro, falam que têm curiosidade de conhecer o outro lado do mundo, perguntam como podem ajudar as crianças de lá. Isso só prova que, neste momento em que vivemos uma situação de negligência com os professores brasileiros, a trajetória de Malala nos ensina a enxergar o valor imensurável da educação”, completou Adriana.

(Karen Lemos - Portal da Band)

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Gaza recebe festival de cinema entre suas ruínas

Divulgação/Karama Film Festival

Cineastas conseguiram realizar – apesar das condições adversas – um festival de cinema na Faixa de Gaza. Até um tapete vermelho foi estendido nas ruínas de um bairro devastado pela guerra.

Os organizadores tiveram que levar um arsenal de cabos de energia para o distrito de Shujaiyeh, fortemente bombardeado no conflito com Israel.

Além da complicada logística, os responsáveis pelo evento precisaram enfrentar o risco de acidentes com bombas não detonadas que ainda poderiam estar sob o solo do território.


A programação do batizado Festival de Cinema Karama Gaza contou com 28 produções cujo principal foco era a discussão dos direitos humanos.

Milhares de pessoas marcaram presença no evento que durou três dias e trouxe a sétima arte de volta para uma região que, na década de 1980, fechou o seu último cinema.

“Esse festival é uma mensagem para que todos pensem no povo de Shujaiyeh como seres humanos”, declarou o cineasta palestino Al-Mozayen, um dos responsáveis pela realização do Karama Gaza.



(Karen Lemos - Portal da Band)

domingo, 3 de maio de 2015

"A Estrada 47" relembra atuação dos pracinhas brasileiros na Segunda Guerra Mundial


Daniel de Oliveira (no centro) vive o pracinha Guima em "A Estrada 47"

Uma concha de retalhos feita com vários relatos de uma época que ficou esquecida entre tantas atrocidades ocorridas na Segunda Guerra Mundial. É assim que o cineasta Vicente Ferraz define seu novo filme “A Estrada 47”, que chega aos cinemas no próximo dia 7.

O longa, que tem Daniel de Oliveira como protagonista, conta a história de um grupo de pracinhas - soldados brasileiros enviados para lutar contra o exército alemão durante a guerra.

Na trama, eles tentam concluir a missão de retirar todas as minas de uma estrada na Itália, abrindo espaço para que os aliados norte-americanos possam acessar o local e seguir com o combate contra a expansão do Nazismo na Europa.

Embora se trate de uma ficção, o roteiro reúne alguns fatos que aconteceram naquela ocasião, década de 40, através de depoimentos deixados por alguns soldados.


O cineasta Vicente Ferraz nos bastidores do filme

“Me interessou muito poder falar sobre esses 25 mil meninos enviados pelo Brasil para enfrentar o exército mais poderoso daqueles tempos em um dos invernos mais rigorosos que a Itália já conheceu”, explicou Vicente.

Inverno, inclusive, que todos do elenco tiveram que conhecer. Antes, os atores passaram alguns dias em Pindamonhangaba, interior de São Paulo, com o exército brasileiro, recebendo um treinamento militar para só então embarcarem para a Itália, país onde a grande maioria das cenas do filme foi rodada em uma temperatura a -13º.

“Na Itália tínhamos um preparador que nos fazia acordar às 6h da manhã para subir um morro congelado como parte de um treinamento que nos possibilitou filmar na neve depois”, contou Daniel, que na história vive o pracinha Guima.


O elenco precisou enfrentar temperaturas baixas para filmar a obra

Mesmo os mais experientes da produção achavam isso uma loucura. “Falavam que éramos doidos de querer gravar na neve”, recordou o diretor Vicente, citando a equipe italiana que trabalhou no filme. “O engraçado é que eles, que estão acostumados com esse tipo de clima frio, preferem filmar dentro de um estúdio quando há nevasca”, contou ainda.

Todo esse esforço, na visão de Daniel, valeu a pena. “Foi prazeroso”, resumiu. “A gente não vê filme de guerra assim sendo feito no Brasil, foi ótimo ter tido essa oportunidade”, completou o ator.

“A Estrada 47” ainda traz em seu elenco os atores brasileiros Júlio Andrade, Francisco Gaspar e Thogun Teixeira, além do italiano Sergio Rubini, o português Ivo Canelas e o alemão Richard Sammel.

 

 (Karen Lemos - Portal RedeTV!)

terça-feira, 28 de abril de 2015

Bateristas tocam vendados para divulgar projeto que ensina música a deficientes



João Barone, do Paralamas do Sucesso, Guto Goffi, do Barão Vermelho, Paulinho Fonseca, do Jota Quest, Daniel Weksler, do NX Zero, entre outros bateristas de renome, já aderiram à campanha, criada na semana passada, para divulgar o projeto Alma de Batera que, desde 2008, oferece aulas de bateria para deficientes que amam a música.

A ideia é que os bateristas toquem vendados e registrem, em vídeo, a experiência. A iniciativa é parte de uma campanha para arrecadar fundos para o projeto que, atualmente, sofre com problemas financeiros.

"Trabalhar com inclusão social no Brasil é muito difícil, principalmente com algo que envolve a música", ressalta o baterista Paul Lafontaine, que decidiu fundar o Alma de Batera após trabalhar com cegos em um projeto voluntário.


Não se trata, no entanto, de musicoterapia. "O Alma de Batera oferece oportunidade para quem quer fazer aulas de bateria como qualquer outra pessoa. Não é uma terapia, embora acabe funcionando dessa forma também", explica Paul que, desde que iniciou o projeto, tem observado mudanças positivas em seus alunos.

"Vejo que eles criam uma autoestima, se sentem mais confiantes, tem a coordenação estimulada, uma vontade de participar mais das coisas, de socializar, enfim, vários resultados que não dá nem para mensurar o quanto são positivos para eles".

As mudanças também partem daqueles que dão aula. Além de Paul e outros professores do Alma de Batera, alguns bateristas famosos, como Eloy Casagrande, do Sepultura, já visitaram a sede da iniciativa e passaram uma tarde falando de música, tocando bateria e trocando experiências com os alunos.


"Os bateristas também sentem mudanças com essa troca. Eles chegam para nos ajudar e relatam uma sensação de que, no final, eles que foram ajudados. É uma troca muito forte", conta Lafontaine que tem divulgado, ao longo da semana, vídeos dos bateristas que toparam participar da campanha e tocaram com os olhos vendados.

 "Queremos que as pessoas 'abram os olhos' para nós, para que possamos continuar com esse projeto cuja causa maior é o amor pela bateria", completa.

(Karen Lemos - Portal RedeTV!)

segunda-feira, 13 de abril de 2015

É Tudo Verdade abre com homenagem póstuma a Eduardo Coutinho


Eduardo Coutinho abriu – em merecida oportunidade – a 20ª edição do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, que teve início em São Paulo, na noite dessa quinta (9), com destaques do panorama nacional e internacional, além de retrospectivas e exibições especiais de filmes documentais. 

Últimas Conversas, filme no qual o cineasta se despede de seu público, ficou pronto a tempo de sua estreia para a abertura do evento. Coutinho morreu, em fevereiro de 2014, enquanto concluía o longa. Filmou, mas não teve a oportunidade de montar sua derradeira obra, papel que coube aos seus colaboradores de longa data João Moreira Salles e Jordana Berg.

“Montar esse filme veio de uma necessidade minha de permanecer com Coutinho mesmo após sua morte”, contou Jordana em conversa com a Revista O Grito!. “Para algumas pessoas, o luto chegou no dia da morte do Eduardo, para mim, está chegando agora, já que eu pude ficar mais um ano com ele na ilha de edição”, completou a montadora, que passou dez meses cuidando do material deixado pelo documentarista.

Em Últimas Conversas, Coutinho entrevista jovens estudantes do ensino público do Rio de Janeiro. Entre algumas histórias trágicas, curiosas e hilárias dos alunos, contrapondo com uma visão ainda cheia de esperança dos mais novos, o documentarista revela seu processo como entrevistador. Por vezes, a inversão de papéis é permitida e os adolescentes parecem entrevistá-lo por acidente, dando espaço para que o cineasta esmiúce suas opiniões. Este tipo de abordagem, ressalta Jordana, apareceu em uma segunda montagem do filme.


“A primeira montagem estava a cara do Coutinho. Como conheço ele há muito tempo, fiz o filme com a cabeça dele. Mas acho que a segunda montagem ficou mais fiel à captura da pessoa que foi Coutinho”. Ao dedicar a sessão a Eduardo e ressaltar sua importância como o principal praticante do gênero no país, João Moreira Salles falou de sua amizade pessoal e profissional – o que lhe garantiu produzir os últimos filmes de Coutinho – e do legado deixado pelo seu maior incentivador.

“Não tenho dúvidas de que ele foi a pessoa mais importante na minha formação. Perdi uma grande pessoa que me norteava, mas conheci Coutinho tão bem que, até hoje, conversamos muito. Não é uma bobagem, tenho muito dele dentro de mim”, pontuou João, que assina a versão final do filme.

Eduardo Coutinho, 7 de Outubro 

Além de Últimas Conversas, também está em cartaz o documentário Eduardo Coutinho, 7 de Outubro. Dirigido por Carlos Nader, o filme não chega como uma biografia, mas sim como uma análise visceral da obra sob o ponto de vista de seu próprio autor.

No lugar dos personagens aparentemente rasos, mas que se revelam ricos diante da provocação do entrevistador, está o próprio documentarista. Diante da câmera, Coutinho fala sobre tudo; seu papel como documentarista, sua arte de instigar o entrevistado, suas amarguras da vida, suas opiniões sobre qualquer tema – sempre pontuadas por uma acidez e alguns palavrões – e também entra em contato com sua obra, recordando alguns célebres personagens que contribuíram para que seus filmes se tornassem únicos.


Na estreia do longa, que aconteceu mês passado na capital paulista, Nader contou que “7 de Outubro” não era para ser um filme. “Foi uma impressionante série de coincidências”, explicou. “Eu estava fazendo um projeto sobre terceira idade com o Coutinho e, como na ocasião ele tinha pouco tempo para falar comigo por conta das gravações de seu último filme, tivemos que conversar rapidamente por 15 minutos. Claro que não deu certo; a entrevista durou cinco horas e só foi interrompida porque eu tinha um voo naquele mesmo dia”.

Dessa forma, com um vasto material em mãos, Carlos decidiu fazer do projeto um longa-metragem. O documentário estreou sem grandes alardes em 2013 e está sendo lançado novamente após a lamentável morte do cineasta. “Acho que a vontade deste filme era a de ser um filme mesmo”, completou Nader.

(Karen Lemos - Revista O Grito!)

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Alunos se vestem de membros da Ku Klux Klan em trote universitário

Reprodução/Facebook

Uma festa para a recepção de calouros do curso de medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista) virou alvo de investigação depois que fotos do evento passaram a circular na internet, mostrando alunos do sexto ano - organizadores da festa - vestidos como membros da Ku Klux Klan, que defende a existência de uma supremacia branca.

Em nota, a Unesp declarou que vai instaurar uma comissão para apurar o que ocorreu na festa, chamada "Batizado da Medicina", realizada em 5 de março em Botucatu, interior de São Paulo.

"A Comissão responsável pela apuração deverá levantar informações, confrontando sua veracidade, obtendo nomes, datas, horários, fiscalizando a existência de câmeras, fotos e requerendo providências que se façam necessárias e que possam resultar em provas substanciais", diz a nota.

Caso fique comprovado infração ao regimento geral da Unesp após esta apuração, será aberta sindicância, que pode aplicar sanções aos estudantes envolvidos, que variam conforme a gravidade do caso, podendo chegar à expulsão.

Alunos se defendem 

Os estudantes do sexto ano de medicina se manifestaram em uma rede social esclarecendo que as fantasias usadas na festa não eram uma representação da Ku Klux Klan. "O tema da fantasia escolhido foi de 'carrasco', utilizando roupas pretas e máscaras. As fantasias foram utilizadas apenas para a entrada da turma, sendo que foram retiradas logo após a entrada, dando início a confraternização com os calouros no evento”, garantem os organizadores do evento em nota.

Reprodução/Facebook 

No comunicado, os alunos ainda citaram ameaças que disseram ter sofrido após a "descontextualização" de suas fantasias. “A conclusão de que estávamos fantasiados de 'Ku Klux Klan' foi inferida pela forma como foram divulgadas as imagens, descontextualizando totalmente a fantasia e inserindo imagens que fizessem com que os leitores chegassem a essa conclusão. Nós só retiramos as imagens porque as pessoas que estavam nas fotos começaram a ser ameaçadas”, completam na nota.

Em outra publicação, alguns participantes da festa assinaram um documento garantindo que não sofreram violência física ou moral no "Batizado da Medicina".

Punições cabíveis 

O advogado Daniel Bento Teixeira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) afirmou que as punições, caso a discriminação racial seja comprovada após apuração da universidade, podem ser desde acadêmicas, civis - como indenizações a quem se sentir ofendido pelo ato - e até penal. "Os estudantes podem ser processados pelo artigo 20 da lei Nº 7.716, que criminaliza a discriminação racial, podendo pegar de um a três anos de prisão e multa, uma vez apurado e ficando claro a existência do crime", ressaltou.
O preconceito racial, aliás, foi tema da redação do vestibular deste ano da Unesp, o que indica uma preocupação das universidades com relação ao tema na teoria, mas ainda insuficiente na prática.

Na opinião de Daniel, as universidades têm um papel essencial não só em fiscalizar os trotes como também em incluir aulas de diversidade humana em suas grades curriculares. "Me preocupa muito o tipo de profissional que está sendo formado e que, futuramente, no caso dos estudantes de medicina, terão um papel determinante na vida das pessoas", completa o advogado.

(Karen Lemos - Portal RedeTV!)

segunda-feira, 23 de março de 2015

"O Sal da Terra" revela Sebastião Salgado além do mito


A princípio, "O Sal da Terra", que chega aos cinemas no próximo dia 26, pode parecer um documentário sobre o fotógrafo e sua arte, mas seria injusto simplificar desta maneira. Mais do que esmiuçar a obra, o longa-metragem fala das experiências de uma testemunha dos últimos 40 anos de história mundial.

 Foi testemunhando por trás de uma lente que Sebastião Salgado fez registros históricos como a guerra civil na Ruanda, o surto de fome na Etiópia, o conflito étnico-religioso na antiga Iugoslávia, a corrida de ouro na Serra Pelada, além de apresentar um novo olhar para o Nordeste brasileiro, a América Latina, algumas tribos indígenas e até para a Ilha de Galápagos, como um Darwin contemporâneo.

O documentário tem início com algumas imagens da corrida do ouro no sudeste do Pará – talvez as mais conhecidas de seu acervo fotográfico. Sebastião surge a partir daí comentando os registros e, mais do que isso, revelando as memórias ocultas de cada foto.

“Esse filme precisava ser sobre as experiências dele. Todo mundo conhece suas fotos, mas não as histórias por trás delas”, resumiu o diretor Juliano Salgado, filho mais velho do fotógrafo, ao divulgar seu filme que abriu a 4ª edição da Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, em São Paulo.

Sebastião marcaria presença no evento, mas precisou cancelar o compromisso por conta da trágica morte de sua cunhada, Leny Wanick Mattos, no dia anterior.

Juliano assina "O Sal da Terra" em uma parceria com o cineasta alemão Win Wenders. Para mergulhar em sua obra, a dupla usou um recurso curioso. Em algumas sequências, a imagem de Sebastião surge sobreposta às suas fotografias, fazendo com que o próprio artista fique imerso à sua obra para poder comentá-la, mergulhando junto com o espectador em seus registros e quebrando a fronteira entre papel e olho humano.

É também a sensibilidade de Sebastião em capturar a alma humana que nos torna ainda mais próximos de sua obra. “Muitos fotógrafos gostam de falar deles; falam da luz, daquele momento em que a câmera quebrou, das dificuldades que enfrentou para fazer uma foto, enfim. O Tião, não! Tião fala das pessoas que fotografa, mostra como elas se revelam em momentos de crises, como fazem para sobreviver. Esse jeito dele de fotografar, essa relação íntima, transcende, nos faz enxergar não só uma foto, mas a pessoa na imagem que, de tão próxima, poderia ser nosso vizinho, nosso irmão ou até nós mesmos”.

O papel de Win Wenders

Um dos mais conhecidos registros de Sebastião, Refugee from Gondan, Mali, 1985, chamou a atenção de Win Wenders – naquela época já um respeitado diretor de cinema – em uma exposição de arte. Sem hesitar, ele comprou a foto que, segundo o próprio, ainda o faz chorar todos os dias quando pousa os olhos sob o rosto sofrido da refugiada, que agora descansa em sua mesa de escrivaninha.

Naquela ocasião, o galerista mostrou a Wenders outras imagens daquele mesmo fotógrafo. No verso de um dos registros da corrida do ouro na Serra Pelada, ele descobriu o nome daquele que se tornaria um amigo íntimo. Até hoje, os dois trocam mensagens pelo Whatsapp, normalmente com piadas e zoações a respeito de futebol. “Win é muito fã do trabalho de Sebastião”, recordou Juliano. “Ele já queria fazer algo sobre ele e, quando soube que eu estava filmando suas viagens, gostou da ideia e quis participar”.


Juliano com Sebastião Salgado ao centro e Win Wenders

Win ficou com o papel de entrevistar Sebastião e dele arrancar as histórias de seus cliques pelo mundo afora. Não foi tarefa fácil para quem passou a vida protegido por lentes que, de uma hora para outra, passaram a observá-lo incessantemente. “Ele não entende essa coisa de cinema, não tem paciência para isso. Foi uma experiência sofrida nesse sentido”, riu Juliano.

A maior dificuldade parou por aí já que, na opinião do diretor, a vida do pai tem uma dramaturgia natural. “Que não precisa ser dramatizada”, ressaltou. “O auge da carreira de Sebastião, a quebra da sua maneira de fotografar - que veio logo após uma forte depressão - e a forma com a qual ele se reinventou depois disso dá uma ótima história”, observou.

Reaproximação com o pai 

Nascido na França, onde Sebastião mudou-se com a esposa e parceira artística, Lélia, no final da década de 1960 – pleno período de ditadura militar no Brasil, Juliano pouco via o pai. A distante relação não permitiu, no entanto, que o filho deixasse de admirá-lo; pelo contrário, Juliano sempre enxergou o pai como um verdadeiro aventureiro que, ao voltar de suas excursões pelos quatro cantos do mundo, trazia consigo relatos que nem mesmo o mais hábil contador de histórias poderia recriar.

Através de um convite, feito em 2009, para acompanhá-lo em uma incursão pela Floresta Amazônica, Juliano pode compartilhar das aventuras e do amor paterno que, durante muitos anos, lhe foi privado por conta das longas viagens de Sebastião. “Esse filme serviu para que eu me reaproximasse de meu pai”, contou. “Antes deste convite, tínhamos uma relação mais distante. Quando o acompanhei em uma reportagem sobre a tribo Zo’é, no Pará, algo curioso aconteceu. Esse povo é super dócil e não conhece brigas. Isso contagiou nossa relação, nos abrindo portas não somente para realizar este filme, mas também para nos tornamos amigos”.

Outro presente que "O Sal da Terra" entregou à família Salgado foi uma indicação ao Oscar de melhor documentário em longa-metragem deste ano. Embora inesperado, a nomeação trouxe uma nova projeção de luz ao filme. “Quando uma premiação, considerada como a maior do mundo, decide trazer o documentário para um espaço midiático fantástico é algo além de qualquer coisa que podíamos imaginar; a consequência disso é poder levar essa mensagem para o mundo todo”.

Considere como mensagem não somente o trabalho de toda uma vida realizado por Sebastião, mas também de projetos pessoais como o Instituto Terra que, com a ajuda de locais, transformou em realidade o sonho do fotógrafo de replantar parte da Mata Atlântica que fez parte de sua infância na cidade natal de Aimorés, Minas Gerais – uma ideia que, em tempos de desmatamento, vem a calhar. “Mais difícil do que plantar na terra infértil é mudar a mentalidade das pessoas. Esse projeto mostrou que isso também é possível”, ressaltou Juliano.



(Karen Lemos - Revista O Grito!)