Bruna Assis Brasil
Quando estava entre as fronteiras do Afeganistão com o Paquistão fazendo cobertura internacional para o jornal Estado de São Paulo, Adriana Carranca soube do ataque que quase tirou a vida de Malala Yousafzai, uma ativista paquistanesa notória por lutar pelo direito das mulheres de seu país à educação.
A jornalista já ouvira falar da menina e escreveu matérias sobre a voz vinda do Vale do Swat que enfrentava os extremistas do Talibã para obter a permissão de ir à escola, “privilégio” só dos homens do Paquistão sob domínio do grupo extremista.
Depois de entregar uma matéria sobre o atentado, Adriana recebeu uma proposta para escrever um livro sobre a trajetória da garota que, naquela ocasião, estava entre a vida e a morte após ser baleada por um integrante do Talibã, em outubro de 2012, como resposta ao seu “atrevimento” de ir contra as regras impostas pelos radicais.
“O que eu não sabia era que, naquela época, Malala estava se tornando um nome poderoso e conhecido no mundo todo”, contou ao Portal da Band a autora de “Malala, a menina que queria ir para a escola”, livro-reportagem para crianças (um gênero ainda pouco abordado no Brasil) sobre a vencedora do Nobel da Paz de 2014.
Logo após o atentado a Malala, Adriana visitou o hospital em que ela estava internada. Lá, conversou com os primeiros médicos que a atenderam antes de viagem a Birmingham, na Inglaterra, onde a ativista mora atualmente. Também entrevistou o motorista que levava a menina no transporte escolar onde foi baleada, professores e colegas de sua sala, além de familiares, como os pais de Malala - figuras essenciais que incentivaram a batalha da filha pelo conhecimento.
Até aquele momento, Adriana planejava escrever um livro para adultos. A vontade de tornar a narrativa própria para crianças surgiu quando ela visitou o vilarejo onde o autor dos disparos contra a ativista morava. Ela se hospedou na casa de um tradutor enquanto pesquisava sobre a vida do terrorista.
Bruna Assis Brasil
“No convívio daquela casa, tive muita contato com as crianças de lá. Eram oito no total. A partir daí, comecei a pensar o quanto seria bacana que as crianças brasileiras soubessem da existência delas”, recordou.
Como explicar as atrocidades do terrorismo para crianças?
O principal desafio que Adriana e a ilustradora da obra, Bruna Assis Brasil, enfrentaram foi a imersão no cenário lúdico infantil ao contar uma história permeada por temas delicados - violência, terrorismo, machismo, por exemplo.
“São cenas muito pesadas, mas acredito que, pelo fato de estarem ilustradas, já conversam de uma forma muito mais direta com as crianças. É muito importante que elas tenham consciência de tudo o que acontece no mundo. Todos temos medo dessa realidade, mas não podemos ter medo de mostrá-la”, pontuou a ilustradora, que usou técnicas de colagens para os desenhos.
“Quase todas as imagens usadas nas ilustrações são da viagem da Adriana e achamos que seria muito importante e enriquecedor termos esses pedacinhos de realidade em meio aos desenhos feitos à mão”, contou ainda.
Bruna Assis Brasil
Já Adriana chegou a frequentar um laboratório de literatura infantil para adaptar a linguagem do livro que, a princípio, seria direcionado a adultos. O mais interessante é que, segunda a autora, os dois tipos de leitor-alvo não estão tão distantes quanto pensamos.
“As crianças de hoje em dia têm acesso às informações, à tecnologia, conversam sobre questões mundiais com colegas de sala; também viajam mais e têm mais contato com as diferentes culturas por conta dos imigrantes que vivem no Brasil; além do mais, desde cedo elas têm contato com histórias onde a violência está presente: a rainha má manda o lenhador cortar o coração de Branca de Neve, o Lobo Mal devora a vovózinha e, por consequência, é morto e tem a barriga aberta por caçadores, enfim, não podemos deixar de contar a vida da Malala, que é de superação, por conta das dificuldades que ela passou”, explicou.
Livro-reportagem chegou até a Cracolândia
“Malala, a menina que queria ir para a escola”, lançado pela Companhia das Letrinhas, vai rodar por algumas feiras de livro internacionais. Já passou, por exemplo, por uma feira em Bolonha, na Itália, onde uma editora da Espanha teve interesse em traduzir e lançar a obra. Por enquanto, essa parceria ainda está em negociação, mas a ideia é levar o exemplo da jovem ativista para as crianças de todo o mundo. Até lá, Adriana conta que tem se encantado com a repercussão do seu livro aqui no Brasil.
A mais recente veio de uma turma do 9° ano do ensino fundamental do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo. Meninas de 14 anos - mesma idade de Malala quando sofreu o atentado - levaram à prefeitura de São Paulo a iniciativa de obter alguns exemplares do livro a preços mais em conta para distribuir no projeto De Braços Abertos, que recebe crianças retiradas da região da Cracolândia, no centro da capital paulista.
“Fico muito emocionada com esses gestos de carinho. Também tenho recebido muitas cartinhas dos leitores; eles me mandam fotos em que aparecem lendo o livro, falam que têm curiosidade de conhecer o outro lado do mundo, perguntam como podem ajudar as crianças de lá. Isso só prova que, neste momento em que vivemos uma situação de negligência com os professores brasileiros, a trajetória de Malala nos ensina a enxergar o valor imensurável da educação”, completou Adriana.
(Karen Lemos - Portal da Band)
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