Marcos Santos/Divulgação/USP
Filho de uma senhora de 68 anos com câncer no pâncreas, o advogado Dennis Cincinatus conseguiu permissão judicial para adquirir cápsulas de fosfoetanolamina, droga experimental que virou notícia depois que pacientes, assim como sua mãe, relataram melhoras no quadro clínico após o seu uso.
“Minha mãe teve um prognóstico de apenas dez dias de vida, e o médico suspendeu o tratamento por quimioterapia”, relatou Dennis. “Já tem mais de um mês que ela está viva depois de ter começado a tomar fosfoetanolamina; anteontem mesmo, ela conseguiu levantar da cama e caminhar um pouco, algo que ela não fazia antes.”
Produzida pelo Instituto de Química de São Paulo da USP, a substância está sendo apontada como uma possibilidade alternativa no tratamento para pacientes com câncer.
A grande questão gira em torno de sua regulamentação. A Anvisa, agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde, não analisou sua segurança e eficácia. Em nota, a agência ressaltou que a substância, testada em ratos de laboratório pelo IQSC, não passou por nenhum experimento em seres humanos. “Antes de qualquer medicamento ser disponibilizado para uso no Brasil, é necessária a avaliação de ensaios clínicos”. Sem a regulamentação, a venda ou distribuição da fosfoetanolamina é uma prática irregular.
Diante da polêmica, o Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu que a USP distribuísse a droga. Também em nota, a universidade disse que vai investigar de que forma essa distribuição era feita. “A USP estuda a possibilidade de denunciar, ao Ministério Público, os profissionais que estão se beneficiando do desespero e da fragilidade das famílias e dos pacientes”, afirma em comunicado.
No início deste mês, pacientes e parentes de pacientes – como Dennis – entraram com um pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal e conseguiram, através de uma decisão do ministro Edson Fachin, derrubar a proibição do TJ de SP. “A gente decidiu ir ao STF por entender que a decisão anterior era uma afronta ao direito à vida e à dignidade da pessoa, garantido pela Constituição Federal”, explica o advogado.
Embora relatos como esse deem conta de uma contribuição da fosfoetanolamina no tratamento de pacientes com câncer, oncologistas alertam para possíveis riscos. “Estamos falando de uma substância química que não pode ser considerada medicamento em função de uma série de situações. Não sabemos, por exemplo, quais são seus efeitos colaterais, efeitos em ação conjunta com outros tipos de drogas e, o mais importante de tudo, não dá para garantir seu impacto – positivo ou não – na doença”, afirma Charles Andreé Joseph de Pádua, médico oncologista e diretor do Cetus.
“Além disso, quando falamos de câncer, temos que levar em conta seus mais diferentes subtipos; a quantidade é vasta, em torno de três mil doenças. É preciso entender de qual câncer estamos falando para tratá-lo da melhor forma.”
Questionado sobre os relatos de pacientes que alegam impactos positivos no tratamento com o uso da fosfoetanolamina, o oncologista aponta duas possíveis explicações: uso de uma outra medicação aliada a fosfoetanolamina que auxiliou no tratamento, ou então, um efeito placebo, quando o paciente deposita tanta esperança em determinada substância que acaba gerando bons resultados.
“Eu espero que um dia, comprovado sua eficácia, possamos usar a fosfoetanolamina no tratamento contra o câncer. Até lá, é imprescindível ressaltar a importância de um acompanhamento médico em qualquer caso. É uma tristeza ver pessoas em tal estado de fragilidade apelando para alternativas que ainda não podem ser comprovadas como benéficas”, completa.
Uma audiência pública está agendada para o dia 29 deste mês no Senado Federal, na qual serão discutidas as possibilidades de se estudar a fosfoetanolamina sintética. A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), em conjunto com duas outras comissões temáticas da Casa, estarão à frente da sessão.
(Karen Lemos - Portal da Band)
Nenhum comentário:
Postar um comentário