quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

“Espero participar de muitas eleições”, diz Bruno Covas

Foto: Leon Rodrigues/Secom

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), confirmou que vai se candidatar à reeleição ao dizer que espera participar de “muitas eleições”. O tucano foi entrevistado por Mônica Bergamo na BandNews TV nesta quarta-feira, 18, mesma data na qual recebeu alta médica depois de internação durante tratamento de câncer.

“Eu recebi um diagnóstico de doença, e não uma sentença de morte”, afirmou. “Estou confiante de que vou participar de muitas eleições.”

O prefeito comentou as pesquisas de intenção que voto que mostram um percentual em torno de 10% dos entrevistados que querem a sua reeleição. Para ele, esse número é positivo.

“Eu assumi a prefeitura no meio [do mandato], com metade da população sabendo quem era o prefeito de São Paulo, e estou nessa pesquisa com pessoas que já foram governador, prefeito, senador. É algo acima do que eu esperava”, observou.

Até o momento, Covas não definiu quem será o vice de sua chapa. “A escolha do vice vem no final. Primeiro você olha para as alianças, quem são seus adversários e verifica qual é a melhor opção, quem mais agrega à chapa.”

O tucano falou também sobre o levantamento que aponta que 18% da população da cidade de São Paulo considera sua gestão como ótima ou boa. Covas atribui a essa porcentagem o “enfrentamento de problemas” que seu governo realizou no município.

“Nós fizemos a reforma da Previdência, retiramos o subsídio do vale transporte – que é de obrigação das empresas, e mudamos a situação fiscal do município. A relação de dívida/receita, que era de 92%, hoje é de 52%. Enfrentamos os problemas e agora veja como está São Paulo e como está o Rio de Janeiro”, comparou ao citar a crise que vive o município vizinho.

A ideia agora é investir em programas sociais no próximo ano. “Queremos terminar o mandato como a gestão que mais entregou vagas em creches, unidades habitacionais e também reformou as UBS [Unidades Básicas de Saúde], cujas obras já começam em janeiro de 2020.”

“Isso foi o que fez Mário Covas [seu avô] ser bem avaliado. Focou no essencial: a periferia. Em cada canto que vou na cidade ouço histórias e vejo obras do Mário Covas”, completou.

Novo PSDB

Bruno Covas criticou algumas das atuais posturas do seu partido, o PSDB, e avaliou o mau desempenho da sigla nas últimas eleições e a redução pela metade da bancada tucana na Câmara. “Isso se deve, no meu ponto de vista, ao PSDB não ter lidado com questões éticas da mesma forma que cobramos isso de partidos – me sinto envergonhado de estar em um partido que não fez nada com Aécio Neves – e também que não soube defender suas bandeiras. Desde 2002, o PSDB tenta esconder as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso”, exemplificou.

Covas ressaltou que seu governo foca em concessões de parques, mercados e privatizações de bens para otimizar a gestão. “Não tem sentido a prefeitura cuidar de autódromo, centro de exposições e estádio. [A prefeitura] tem que focar no social, investir em educação, saúde, transporte e habitação”.

O prefeito brincou que não sabe se essa posição dele é de esquerda ou de centro no Brasil de hoje, que considera mais o rótulo do que o conteúdo. “Durante o governo PT eu era neoliberal; hoje eu sou comunista”, ri.

Ele também falou sobre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), quem ele considera um político mais de direita. “Ele se aproxima mais de Franco Montoro por acreditar mais no mercado, mas eu tenho mantido a mesma gestão do Doria na prefeitura. O fato de termos discursos diferentes não significa que houve algum rompimento”, esclareceu.

Avaliação do governo Bolsonaro

Na entrevista, Bruno Covas fez uma avaliação do governo Bolsonaro e sobre a polarização política no País que, segundo ele, não deve “contaminar” as eleições de 2020.

“Talvez nos discursos essas questões mais nacionais apareçam, mas o que o eleitor quer saber mesmo é de vaga para o filho dele na creche, médico no posto de saúde, corredor para o ônibus. O eleitor está mais preocupado com questões locais na hora de decidir quem irá governar São Paulo do que questões nacionais.”

O prefeito revelou que anulou seu voto no segundo turno das eleições de 2018, onde ficou muito claro o embate entre a esquerda, com Fernando Haddad do PT, e a direita, com Jair Bolsonaro, na época do PSL. “Votar no PT estava descartado. Eu votei pelo impeachment de Dilma [Rousseff]; não teria sentido votar no PT. Eu também procurei algo na fala do Bolsonaro que apontasse uma guinada para o centro e não encontrei. Nada no discurso dele me mostrou que seria diferente do que ele já era – e não está sendo diferente mesmo”, completou.

Para Covas, Bolsonaro “segue em campanha” mesmo após vencer as eleições, o que – em sua opinião - é prejudicial para o País. “Ele fala em acabar com o comunismo. O presidente perde tempo com isso. E falta articulação política para aprovar reformas importantes. Votar a reforma da Previdência já foi difícil”, observou. “E na economia seguimos o mesmo receituário de sempre, mas, infelizmente, com o abandono de programas sociais. O Minha Casa Minha Vida, por exemplo, não tem recursos para o ano que vem”, pontuou.

Íntegra da entrevista: 


(Karen Lemos - Portal da Band)

domingo, 8 de dezembro de 2019

No Brasil, Gal Gadot e Patty Jenkins apresentam primeiras cenas de "Mulher-Maravilha 1984"

Gal Gadot e Patty Jenkins interagem com o público da CCXP, em São Paulo (Foto: Vans Bumbeers/IHF)

O trailer de Mulher-Maravilha 1984 foi lançado neste domingo, 8, no painel da Warner Bros. durante a CCXP 2019, com direito a presença da diretora Patty Jenkins e da atriz que vive a heroína nos cinemas, Gal Gadot. As duas estão no Brasil para divulgar o novo filme da DC que chega aos cinemas em junho de 2020.

Para um auditório lotado, que gritava e aplaudia a cada frase de efeito das convidadas internacionais, Jenkins e Gadot deram alguns detalhes sobre a nova aventura da personagem. "O primeiro filme era sobre a origem da Mulher-Maravilha. Agora nós temos a Mulher-Maravilha", anunciou a diretora do longa, acrescentando que a sequência apresentará uma evolução da heroína.

"Ela está em um mundo mais moderno [o primeiro filme se passa durante a Primeira Guerra Mundial]. O filme acontece nos anos 1980 e temos muitas cenas de ação nesse ambiente, com acrobacias reais, em locais reais". Gadot pontua que a heroína está mais "solitária" agora, já que perdeu todos os amigos ao longo dos anos. "Ela continua, porém, ajudando a humanidade como sempre fez, até que algo 'louco' acontece", disse, sem entregar muito.

Novos personagens e volta de Steve Trevor

Se alguns personagens se foram nesse meio tempo, outros chegam para reforçar o elenco de Mulher-Maravilha 1984. Além de Gal Gadot, também atuam no filme Kristen Wiig, como a Mulher-Leopardo, Pedro Pascal, que dá vida a Maxwell Lord, além do retorno de Steve Trevor (Chris Pine) à saga – o que é curioso, já que o personagem foi dado como morto no último filme.

"Não vou contar [como Steve volta]", respondeu a diretora Patty Jenkins. "O que posso dizer é que não o colocamos lá só porque queríamos, mas porque a história não podia ser contada sem ele; ele é muito importante para essa história".

Nova armadura leva público ao delírio

O evento teve ainda transmissão internacional pelo Twitter, isso porque o painel marcou o lançamento do primeiro trailer do filme. Uma das cenas exibidas que mais empolgaram e levaram à loucura o público da CCXP foi a revelação de uma nova armadura, que já apareceu nos quadrinhos em momentos em que a heroína precisou combater vilões muito poderosos, o que leva a crer que as batalhas da Mulher-Maravilha não serão nada fáceis de enfrentar. "Me senti incrível ao me olhar no espelho [com a nova armadura], mas não é nada confortável", riu a atriz.


Empoderamento feminino

As convidadas também falaram sobre a influência da heroína quando o assunto é empoderamento feminino, e o quanto isso influencia positivamente o público, principalmente as meninas. "Isso é o que faz tudo valer a pena", definiu Jenkins. "E não é só para as meninas. É universal, é para todos", completou Gadot.

Mulher-Maravilha 1984 estreia em junho de 2020. Em coletiva de imprensa mais cedo, a diretora também revelou que irá produzir e roteirizar um filme sobre as Amazonas de Themyscira, lar da Mulher-Maravilha. Detalhes do projeto, no entanto, não foram adiantados por enquanto.

Outros lançamentos da Warner Bros. foram citados no painel da CCXP, como a sequência de Aquaman, Shazam, Aves de Rapina – que também passou pelo evento deste ano, além de The Batman, nova aventura do Homem-Morcego que chega aos cinemas em 2021, e Esquadrão Suicida 2, nas telonas em agosto de 2021.

(Karen Lemos - Portal da Band)

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

"Blade Runner - O Caçador de Androides" acertou ou errou as previsões para o futuro?

Harrison Ford em cena de Blade Runner - O Caçador de Androides (Foto: Divulgação)

Referência da ficção científica, Blade Runner - O Caçador de Androides não mais seria um filme sobre o futuro, e sim sobre os dias de hoje. A história que gira em torno da captura de robôs rebelados se passa em novembro de 2019, em uma Los Angeles distópica e largada às traças.

Dirigido por Ridley Scott, com Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young e Daryl Hannah no elenco principal, Blade Runner projetou uma visão de futuro com exageros, mas também com alguns acertos sobre o nosso presente.

Embora pós-apocalítico, o mundo do caçador de androides Rick Deckard (Harrison Ford) é um lugar com recursos naturais escassos, animais ameaçados ou em vias de extinção, poluição fora de controle, mistura e profusão de culturas, além de uma crescente evolução tecnológica e robótica.

Devido ao estado de completo caos da Terra, a única alternativa é colonizar outros planetas. Essa possibilidade, no entanto, ainda está bem remota para nós, terráqueos.

O Portal da Band reuniu aqui essas e outras “previsões” de Blade Runner para o futuro, analisando erros e acertos dessa história que, mesmo com o passar dos anos, ainda é um clássico do cinema de gênero e da cibercultura. Confira:

Computador com tela verde

tela verde

Os computadores de Blade Runner aparentam ser bem mais antigos do que os de hoje. Essa tela verde – chamada de monitor de fósforo verde – é bem típica dos anos 1980. Mas vamos dar um desconto: o filme de Ridley Scott trabalha bastante com o conceito de retrofit, ou seja, equipamentos que tem cara de ultrapassados, mas cuja funcionalidade é mais moderna.

Carros voadores

carros voadores

O que seria um filme sobre o futuro sem aqueles carros voadores, não é mesmo? Embora exista por aí alguns protótipos para colocar um carro voador nos céus das grandes cidades, ainda não é algo que faça parte da nossa atualidade. Em Blade Runner, é comum ver spinners (veículos que podem andar na terra e, graças à propulsão a jato, também conseguem voar) na cidade, principalmente usado pela polícia e caçadores de androides.

Embraer e Uber desenvolvem protótipo de carro voador:


Ler jornal

leitura jornal

Ninguém aqui está declarando o fim do jornal impresso, mas é fato que hoje em dia é cada vez mais raro ver pessoas abrindo e lendo jornais pelas ruas das cidades. No filme, o personagem de Harrison Ford faz isso com certa frequência (além de personagens figurantes ao seu redor). Seria mais fiel à realidade mostrar pessoas andando com os olhos vidrados no celular, por exemplo.

Androides

androide

Uma das discussões levantadas por Blade Runner é justamente discutir os limites da inteligência artificial. No longa, os androides chamados de replicantes ficam tão evoluídos que se rebelam e passam a ser caçados. Várias obras de ficção cientifica já abordaram batalhas pelo poder entre humanos e robôs, o que - felizmente - ainda não faz parte do nosso presente. A robótica, no entanto, está cada vez mais avançada. Hoje contamos com os robôs para realizar entregas, investir dinheiro, fritar hambúrguer e até pintar quadros. Não podemos deixar de mencionar também uma das robôs mais famosas: Sophia, que tem 62 expressões faciais, capacidade de aprender e dona de um curioso senso de humor.
 

Fotos impressas
 
fotografias

Na era das redes sociais, fica um pouco obsoleto sair por aí carregando fotos impressas. Muita gente ainda prefere imprimir registros de uma viagem, por exemplo, para guardar de recordação, mas as fotografias em papel têm ficado no passado. Se o caçador de androides Rick Deckard mostrasse suas fotos no álbum do celular, ou então em seu perfil do Instagram, seria mais aceitável, digamos assim.

Órgãos em laboratório

orgaos em laboratorio

Ainda não é 100% nossa realidade, mas a medicina caminha para desenvolver com tecnologia a impressão de órgãos em 3D, o que ajudaria muito quem precisa de um transplante. Coração, orelhas e até ovários que podem ser fecundados (pelo menos em ratinhos) já foram criados por cientistas. Blade Runner, porém, está um pouco mais a frente, com a produção em massa de órgãos artificiais.

Identificador e comando de voz

identificador de voz

Em algumas sequências de Blade Runner, personagens do filme utilizam aparelhos com identificador e comando de voz, inclusive para abrir a porta de suas residências. Quem tem smartphone conhece e está acostumado com essa funcionalidade. Muitas empresas têm produzido aparelhos que operam com comando de voz para realizar todo tipo de tarefa. Alguns exemplos são Google Home, HomePod e Alexa. Apesar de úteis, há quem diga que esses aparelhos são um tanto quanto invasivos. Existem relatos de mensagens enviadas de forma errada e até misteriosas e assustadoras “risadas” emitidas pelos aparelhos.



Trânsito caótico

transito caotico

Talvez um dos maiores acertos desse clássico da ficção cientifica seja com relação ao caos urbano. As cenas de ruas movimentadas, comércio de todos os tipos, propagandas e, principalmente, aquele trânsito desordenado é algo bem comum das grandes cidades.

Secador de cabelo instantâneo

secador cabelo

Não chega a ser uma grande inovação do futuro, já que alguns salões de beleza possuem equipamentos do tipo - para secar o cabelo ou então vaporizadores capilares - mas ninguém tem um “trambolhão” desse em casa. Mais pelo tamanho, do que pela praticidade. Seria ótimo sair do banho e ter o cabelo seco em questão de segundos, não é mesmo?

Colonização de planetas

colonizacao planetas

Se dependesse da vontade dos terráqueos, isso já teria acontecido, mas fato é que ainda estamos longe de explorar e colonizar outros planetas. Isso não é só comum em Blade Runner como é ponto essencial da trama. No filme, os recursos da Terra estão tão escassos que não há alternativa senão morar em outro planeta. A perigosa função de explorar o desconhecido fica a cargo, é claro, dos androides, que se revoltam após tanto tempo de escravidão. Em nossa realidade, há alguns programas espaciais da Nasa e de outras agências espaciais que pretendem construir uma colônia orbital, mas, por enquanto, não temos planetas nesses planos.

Atari em alta

atari

Dá para dizer que Blade Runner foi certeiro em outro ponto: apostar na onda dos videogames. Esse mercado está, de fato, cada vez mais em alta. O Brasil, por exemplo, já é o terceiro maior consumidor do mundo nesse setor. Atualmente, temos até campeonatos de games (sendo League of Legends o mais conhecido) que ocorrem em estádios de futebol e com torcidas gigantes. O único probleminha é que, nos anos 1980 – quando a produção foi realizada – o console Atari estava com tudo. Hoje em dia, porém, a empresa perdeu espaço para marcas como Microsoft (Xbox), Sony (PlayStation) e Nintendo.

Unicórnio

unicornio

Uma pena, mas ainda não descobrimos os unicórnios. Esses animais mitológicos, espécie de cavalos com um único chifre na testa, por enquanto só fazem parte da ficção mesmo. Em Blade Runner, ele aparece nas lembranças do protagonista. Os unicórnios, no entanto, dominam hoje a cultura pop e são frequentemente vistos em estampas de camisetas, acessórios e até comidas.

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Foto: James Lee/Unsplash
 
(Karen Lemos - Portal da Band)

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Especialistas defendem unificação de impostos em evento sobre reforma tributária

Eduardo Bolsonaro, Luiz Carlos Hauly, Marcello D'Angelo, Flávio Rocha e Bernard Appy (Foto: Rodrigo Belentani/BandNews)

São tantas siglas que batizam os inúmeros tributos que são pagos no Brasil que discutir a unificação e a simplificação de impostos é praticamente uma unanimidade quando se fala em modernizar o sistema tributário brasileiro.

O tema foi discutido de forma profunda no Fórum BandNews nesta segunda-feira, 14, nos estúdios da Band. O painel reuniu especialistas da área, como o ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly, o economista Bernard Appy, o empresário Flávio Rocha, além do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro.

Para João Carlos Saad, presidente do Grupo Bandeirantes de Comunicação, o atual sistema tributário é “hostil” para os investimentos e negócios no País. “A reforma tributária , portanto, é bem-vinda”, afirmou na abertura do evento. “Não importa o partido político; no momento em que estamos vivendo, não dá para ficar brigando. Temos 13 milhões de brasileiros desempregados. É hora de arrumarmos a casa, arrumarmos o Brasil.”

Saad criticou ainda a ideia de aumentar os impostos. “Gostaríamos que não pensássemos nisso. Temos que diminuir o tamanho do Estado brasileiro antes de pedir mais sacrifícios para a sociedade.”



O deputado Eduardo Bolsonaro disse que o presidente está “aberto para perder poder e arrecadação” em prol de uma agenda reformista. “As vezes é difícil minha posição como filho do presidente; quando eu falo, as pessoas confundem com a voz do presidente, mas isso não me impede de trabalhar a favor do que eu acredito, como a reforma tributária (...) e manter o País longe do petismo e do comunismo”.

Esses são os “nortes” que é preciso ter no Congresso Nacional, pontuou Eduardo, para atrair investimentos e “sanar a dívida de 13 milhões de desempregados que o atual governo herdou”.

O parlamentar afirmou também que o foco da reforma será no contribuinte. “Acredito que a reforma tributária e a PPI (programa de privatizações) vão dominar os debates econômicos no final desse ano e começo do ano que vem”, acrescentou.

O deputado classificou o atual sistema tributário brasileiro como “complexo”. “As empresas brasileiras têm tanta dificuldade em pagar tributos que, por vezes, os próprios advogados trabalhistas acabam pagando tributos errados e são multados. Por isso as empresas estão indo para o Paraguai. Eu acredito que o Brasil tem um potencial maior do que o Paraguai. Isso expõe nossa situação. Se nem advogados do ramo conseguem pagar direito, imagina a população.”



Consultor da PEC 110/2019, que tramita no Senado, Luiz Carlos Hauly fala na unificação de impostos que irá, inclusive, acabar com a guerra fiscal entre Estados. Essa guerra ocorre porque cada Estado impõe suas próprias alíquotas para atrair empresas, gerando um desequilíbrio e as vezes um custo maior de logística.

“A proposta do IVA dual (imposto sobre valor agregado) vai aglutinar nove impostos em um, tanto da União quanto dos Estados. O contribuinte pagará somente um imposto”, explicou.

Segundo ele, 165 países já adotam o IVA, que no Brasil está sendo chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS).

“Vamos também acomodar setores e serviços que, com razão, têm reclamado. Vamos atender setores como comida e remédio, que são tributados em 34% e 35%.”

Além da simplificação de impostos, Hauly destaca a importância da tecnologia para modernizar o sistema. “A tributação tem de ser toda online. Dessa forma, acredito que o Brasil voltará a ser a potência econômica como já foi, crescendo de 6% a 7% durante 50 anos”, projetou.

Proposta de transição

Outra PEC, a 45, também tramita no Congresso, mas na Câmara dos Deputados. O projeto é baseado em estudos do economista Bernard Appy, convidado do Fórum BandNews. “[O projeto] é para corrigir distorções do sistema, onde se paga os impostos mais altos do mundo. O sistema deveria tributar o consumo, mas tributa exportações e investimentos, o que mata a competição justa entre empresas, que optam por ter um bom benefício tributário do que ser eficiente.”

Appy também defende um imposto IVA com regras homogêneas, pouquíssimas exceções de benefícios fiscais e regimes especiais. O desafio para ele, no entanto, é fazer a alteração do sistema.

“A ideia é uma transição de 10 anos, sendo que nos primeiros dois anos vamos trabalhar com uma alíquota de 2% para verificar o potencial de arrecadação. Depois, mais oito anos diminuindo as alíquotas dos impostos atuais e elevando a alíquota do IBS”, propôs o economista.

Esse prazo de 10 anos, explicou Appy, é uma decisão política. “Muitas empresas fizeram investimento em cima de benefícios fiscais que vão deixar de existir. Uma transição rápida pode gerar perda de capital para essa empresa.”

O economista estipula o corte de benefícios ficais em torno de R$ 200 bilhões ao ano pela PEC 45, sem aumentar a carga tributária para os brasileiros.

“Para a população de baixa renda, 35% recebe de volta o imposto pago sobre o consumo com um teto, que é o imposto incidente da cesta básica dos 20% mais pobres. Esse é um mecanismo mais eficiente e mais barato de se fazer política social”, completou.

O empresário Flávio Rocha, fundador do Instituto Brasil 200, que também tem uma proposta de reforma tributária, defende um tributo nos moldes da CPMF apesar de toda a polêmica que a criação de mais um imposto gera na sociedade.

“É preciso abandonar as bases antigas e pensar no microimposto. Voltar o olhar do fisco para os fluxos financeiros. Tributar a riqueza quando se move. Dessa forma, sairemos da base do trilhão do ICMS, e chegamos na base do quatrilhão”, sugeriu.

Para Rocha, o ICMS, imposto estadual que incide sobre circulação de mercadorias e serviços, é o mais sonegado de todos. “Além do Brasil, México e Turquia são os campeões, cobrando mais de 50% de imposto sobre o consumo, e a gente quer aumentar ainda mais?”

Em um momento de debate mais acalorado, Bernard Appy respondeu Rocha e criticou o modelo de um imposto nas bases da antiga CPMF. “O bom imposto é aquele que é simples, neutro, transparente e isonômico. A CPMF é simples, mas não tem nenhuma das outras características. A empresa que vende para um atacadista ou varejista, vai começar a vender direto pela internet para o consumidor final. Nada de ilegal aí, mas você mata o atacado, mata o varejo por razões tributárias”, opinou.

“Não existe mágica. Somente países em desenvolvimento adotam um tributo dessa natureza. Um deles é a Venezuela, o outro é a Argentina, e nós estamos vendo como esses países estão”, completou Appy.

Veja a íntegra do Fórum BandNews:



(Karen Lemos - Portal da Band)

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Após Rock in Rio, Iron Maiden leva show ornamental e pirotécnico para São Paulo

Foto: Divulgação

O palco do Rock in Rio mal esfriou e a banda britânica Iron Maiden desembarcou em São Paulo para o segundo de três shows no Brasil. Após uma apresentação marcante no Palco Mundo na sexta-feira, 4, o grupo levou sua turnê Legacy Of The Beast para mais de 60 mil pessoas no Estádio do Morumbi, na capital paulista, neste domingo, 6. Na sequência, os ingleses se apresentam em Porto Alegre nessa quarta-feira, 9, na Arena do Grêmio.

Nessa turnê, o Iron Maiden investiu pesado na produção dos shows, que conta com cenários grandiosos e apresentações pirotécnicas, tudo à altura de uma banda que já tem 40 anos de estrada, muitos clássicos no repertório e uma marca eterna na história do metal e da música.

A superprodução, claro, enche os olhos, mas o que os fãs querem mesmo é música. O que mais emociona é a recepção do público do Maiden, que tem um clã fiel. Formado por um mar de pessoas vestindo preto - a maioria com as mais diversas blusas já produzidas da banda - de diferentes faixas etárias, o público canta todas as canções em uníssono, para o deleite do vocalista Bruce Dickinson, que parece se divertir com cada interação que faz com a plateia, ora puxando palmas, ora mandando o seu já tradicional “scream for me Brazil” (ou a variável “scream for me São Paulo”).

Mesmo sem alegoria alguma no palco, o show ainda seria de agrado dos fãs, mas a superprodução é um complemento que cai bem. Logo no início da apresentação, uma réplica enorme de um avião da Força Área Britânica da Segunda Guerra Mundial paira sobre o palco, anunciando o tom ornamental da noite. O avião acompanha a apresentação de Aces High, música que também abriu o primeiro show que a banda fez no Brasil, na histórica primeira edição do Rock in Rio em 1985.


Aces High foi só o primeiro de muitos clássicos do Maiden que ainda viriam pela frente, como 2 Minutes To Midnight, The Clansman e The Trooper; nessa última, a banda convidou o Eddie (mascote do grupo) em tamanho real e empunhando uma espada para o divertimento do público.


O mascote morto-vivo aparece em diversos momentos do show, seja estampando cenários, ou surgindo como uma diabólica cabeça gigantesca e assustadora durante a apresentação de Iron Maiden, música do primeiro álbum da banda, que também leva seu nome, lançado em 1980.


O Iron aproveitou também seu vasto repertório e resgatou algumas canções que há muito tempo não eram tocadas ao vivo, como Flight Of Icarus, ausente dos setlists desde 1986. Seu retorno, no entanto, foi triunfal, com direito a um enorme Ícaro (personagem da mitologia grega) sobrevoando o palco enquanto Dickinson brinca com um lança-chamas em um dos momentos pirotécnicos. Foram vários ao longo do show. Vale destacar, aliás, o forte calor que dá para sentir quando a banda recorre ao fogo para enfeitar seu show. Imagine o quão quente é para quem está no palco.


O final do show reservou outros clássicos como Fear Of The Dark, The Number Of The Beast, Hallowed Be Thy Name e Run To The Hills, que mais uma vez fechou com maestria um show do Maiden.




Energia invejável dos sessentões
As duas horas de apresentação passam rápido, mas fica marcado a referência que é a banda e a virtuosidade dos músicos - é impressionante ver os solos de Steve Harris, Adrian Smith, Dave Murray e Janick Gers - além do talento e simpatia do baterista Nicko McBrain; mais impressionante ainda é pensar que todos eles estão na faixa dos 60 anos e esbanjam invejável energia. Nicko, o mais velho, já tem 67 anos e coloca no chinelo a repórter de 30 anos que escreve este relato. O vocalista Bruce Dickinson tem 61 anos; seu alcance vocal é surpreendente, ainda mais se levarmos em conta que ele enfrentou um câncer na língua em 2015.


Brasil é o país que mais ouve a banda
Com a apresentação em São Paulo, já são quase 40 shows do Iron Maiden em solo brasileiro. Essa relação intensa também está expressa em números. O Brasil é o país que mais ouve a banda em todo o mundo. Uma pesquisa do YouTube Charts mostrou que os brasileiros representam 13,8% da audiência total do grupo na plataforma de vídeos. Esse carinho mútuo também é visto tanto na reação calorosa dos fãs em cada clássico que o Maiden toca no palco, quanto na mensagem final do vocalista Bruce Dickinson ao encerrar a apresentação na capital paulista. “Vamos continuar fazendo shows aqui até cairmos mortos”, anunciou, sob gritos e aplausos.

(Karen Lemos - Portal da Band)

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Sanções, boicotes e isolamento: até onde pode chegar a crise na Amazônia?

 
Foto: Fernando Alves/Governo de Tocantins

Nas últimas duas semanas o Brasil foi assunto frequente no noticiário internacional – e não por um bom motivo. O aumento do desmatamento e dos focos de incêndio na região da Amazônia afetou a imagem do País que, desde a década de 1990, tenta atuar como um protagonista na área ambiental. Naqueles anos, o Brasil sediava a Eco-92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento) e dava início a algumas políticas de combate ao desmatamento.

A mudança de comportamento, marcada nos discursos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) - que coloca a questão ambiental como secundária em seu governo, não passa despercebida pela comunidade internacional, principalmente por países que têm com o Brasil parcerias comerciais regidas por um conjunto de exigências, inclusive ambientais. O mundo passa a acompanhar, então, os desdobramentos do que está acontecendo na Amazônia através de fotografias impressionantes que mostram a força e o alcance do fogo e da postura pouco diplomática do Governo Federal diante da magnitude do problema.

No ápice da crise, o presidente Jair Bolsonaro criticou países como a Alemanha e a Noruega, que suspenderam repasses de recursos para o Fundo Amazônia (financiamento de ações de proteção à floresta), sob o argumento de que o Brasil não estava cumprindo o acordo de preservação, e entrou em uma sequência sem fim de troca de farpas com o presidente da França, Emmanuel Macron; tudo isso na semana de reunião do G-7, o grupo de países mais ricos do mundo.

A Amazônia foi um dos temas do encontro e, nos bastidores, começaram a aparecer algumas palavras que acendem uma luz vermelha para o Brasil. O jornal belga Euobserver falou em “sanções”; a Finlândia cogita um “boicote” da carne brasileira, o que afetaria um dos setores mais fortes da economia do País: o agronegócio. Além disso, especialistas da área chamam atenção para um possível isolamento do Brasil em âmbito internacional devido os recentes eventos na Amazônia. Mas, afinal, alguma dessas consequências amargas poderia mesmo ocorrer?

“A imagem do Brasil está muito prejudicada. Estamos assistindo a uma perda da construção de muitos anos de uma imagem de um país ligado à questão ambiental no cenário internacional. As queimadas, os discursos do Bolsonaro de não valorizar a proteção ao meio ambiente e de colocar a culpa em ONGs é nocivo para nós”, avalia Marcelo Passini Mariano, professor da Unesp e do programa de pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, em entrevista ao Portal da Band.

Mariano elenca ainda uma série de ações do atual governo que contribuiu para essa crise. “A área que mais tem sofrido é a do meio ambiente. Gradualmente foi sendo minada com a extinção de conselhos, flexibilização da fiscalização, brigas com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a nomeação de Ricardo Salles como ministro da pasta justamente para cumprir uma agenda antiambiental”, acrescenta.

Ricardo Salles, atual ministro do Meio Ambiente (Foto: Lula Marques)

As primeiras informações que antecederam a crise na Amazônia começaram no mês de junho, quando o Inpe divulgou que o desmatamento na região cresceu mais de 88%. O governo negou os dados e passou a criticar o órgão. O impasse chegou a tal ponto que o diretor do instituto, Ricardo Galvão, foi exonerado do cargo que ocupava desde 1970.
Já as queimadas, uma das etapas do desmatamento ilegal, tiveram pico em agosto, mês de temporada seca na Amazônia. Ainda assim, os números assustaram, ultrapassando a média do mês dos últimos 21 anos. O Programa Queimadas, do Inpe, chegou a registrar mais de 43 mil focos de incêndio somente nesse período.

O ponto de inflexão ocorre em 19 de agosto, dia em que o céu de São Paulo escureceu e a água da chuva mudou de cor. Neste momento, a existência das queimadas na Amazônia torna-se irrefutável. Pouco tempo depois, o Ministério Público Federal (MPF) abriu uma investigação a partir de denúncias do que vem sendo chamado de “dia do fogo”. Segundo o órgão, fazendeiros da BR-163 se reuniram em 10 de agosto para incendiar áreas da floresta. Essa ação criminosa orquestrada pode ser vista de longe, com imagens de satélites capturadas pela Nasa mostrando fumaça escura na região.

NASA/NOAA/Divulgação

Essas fotos passaram a rodar o mundo e tornaram-se manchetes dos principais veículos de comunicação, além de um assunto recorrentes nas redes sociais, com participação de artistas, como Leonardo DiCaprio e Madonna, cobrando soluções.


Sanções

Junto com essa repercussão, vieram reações das mais diversas, inclusive preocupantes, como a discussão levantada pelo Euobserver sugerindo a imposição de sanções econômicas - que restringem as relações comerciais - ao Brasil. A publicação argumentou no artigo que o País responde por apenas 1,7% do comércio da União Europeia em 2017. “A UE poderia absorver quaisquer efeitos negativos das sanções diversificando seu comércio com outros parceiros da América do Sul e de outras partes do mundo", escreveu o jornal.

Fernanda Mello Sant'Anna, professora de Relações Internacionais e Meio Ambiente da Unesp, já estudou casos em que barreiras comerciais foram aplicadas com base no argumento ambiental. “Temos registros de sanções que foram impostas por causa de pesca ilegal e de morte de golfinhos”, exemplifica em conversa com a reportagem. A especialista ressalta, porém, que tal medida é extrema e seu processo é complexo.

“As sanções são o último recurso de pressão sobre países. O país que resolve colocar uma sanção tem que estar preparado para arcar com custos, porque o Brasil pode entrar com processo no Órgão de Solução de Controvérsias [conselho da Organização Mundial do Comércio] para reverter isso, daí gera uma demanda de gasto de energia e recursos para se defender nesse órgão.”

Boicotes

Algo mais simples de acontecer são os boicotes na compra de produtos brasileiros. Aliás, isso já está acontecendo. Na terça-feira, 17, dezoito marcas de roupas e calçados internacionais, como Timberland, Kipling, Vans e The North Face, suspenderam a compra de couro brasileiro por causa da crise na Amazônia. “Estamos falando de um setor [produção de couro] que o Brasil é desenvolvido e competitivo. O boicote dessas marcas tão importantes só reforça que estamos vivendo um cenário muito negativo”, completa Marcelo Passini Mariano.

Na semana anterior do anúncio desse boicote, a Finlândia havia ameaçado parar de comprar carne produzida no Brasil.  “Qualquer ameaça implica uma tendência, uma possibilidade de um boicote realmente acontecer. Isso para o Brasil, e para o próprio governo Bolsonaro, é péssimo. O setor mais dinâmico da nossa economia é o agronegócio, que pode ser facilmente taxado e perder mercado”, acrescentou.

Isolamento

Essas ameaças são ainda mais preocupantes por atingir países importantes do ponto de vista econômico e do comercio exterior. A Finlândia que citamos acima, e a França, com quem Bolsonaro tem entrado em conflito, são países membros da União Europeia, segundo maior parceiro comercial do agronegócio, e que concentra 19,70% das importações.

“O mercado europeu não pode ser desprezado. É um mercado maduro que está atento às exigências ambientais, de saúde e trabalhistas da área. O Brasil tem que avançar nessas condições, caso contrário, vão deixar de comprar de nós. O comércio internacional é um palco onde interesses conflituosos estão constantemente disputando espaço”, resume Anapaula Iacovino Davila, professora de Ciências Econômicas e Relações Internacionais da FAAP, para o Portal da Band.

A especialista explica ainda que muitos países que exportam produtos que o Brasil também vende, e que, portanto, são nossos concorrentes no mercado internacional, estão de olho na imagem do País para tentar pegar esse espaço. Além disso, com o nome fragilizado na praça, o Brasil pode ter que vender mais barato para tentar manter um importador com ofertas melhores na manga. Essa equação pode gerar uma perda significativa de receita na balança comercial brasileira.


“O Brasil é um player importantíssimo, principalmente no agronegócio. Nós temos interesse em manter boas relações com outros países porque existe muita competição e concorrência por aí. Além disso, é muito difícil conquistar mercado, ganhar confiança, criar uma parceria e mantê-la. Agora perder tudo isso é fácil e rápido. E mais difícil do que conquistar é reconquistar. Quando uma relação dessas termina é porque alguém pisou na bola. Para reconquistar você pressupõe novos diálogos já carregados de mágoas”, pontua Anapaula.

Algo que poderia abalar as relações, por exemplo, com a União Europeia é justamente a questão ambiental. O professor Marcelo Passini Mariano reforça que o bloco está, mais do que nunca, ligado a esta matéria. “É uma questão de importância para a UE porque eles sentem muito os efeitos do aquecimento global, como o calor extremo.”

Mariano chama atenção também para impactos em acordos com o Brasil. “Essa crise pode atrapalhar, inclusive, uma das grandes ‘vitórias’ do governo nas relações internacionais, que é o acordo entre Mercosul e União Europeia”.

O especialista ainda faz um alerta para um possível isolamento do Brasil na área internacional. Hoje, o governo trabalha para manter forte a aproximação com os Estados Unidos, para quem o Brasil já pediu ajuda para combater as chamas na Amazônia. O especialista lembra, porém, que em 2020 acontecem as eleições no país, com risco de Donald Trump perder o cargo.

“O governo brasileiro joga muito arriscado com os Estados Unidos assim como jogou com a Argentina. Trump encontra-se fragilizado por causa da guerra comercial com a China, inclusive dentro de setores que antes o apoiavam. Em uma troca de presidente nos EUA, o que não é improvável, Bolsonaro ficaria isolado.”

“Tiro no pé”

Essa junção de crise na maior floresta tropical do mundo, desprezo com a importância da área ambiental e as frequentes rusgas com líderes de países poderosos é um “tiro no pé” do Brasil segundo os especialistas consultados pela reportagem, ainda mais quando falamos de agronegócio, setor que representa mais de 20% do PIB brasileiro.

“A ameaça de sanções, os embargos que já estamos sofrendo, a falta de política ambiental e até uma possível escassez de água por causa das queimadas podem gerar esse ‘tiro no pé’ no próprio governo, que tem o agronegócio como um de seus apoios”, reforça a professora Fernanda Mello Sant'Anna.

Diante de tamanha pressão, o governo dá pequenos sinais de reação. Na quinta-feira, 29, o governo publicou um decreto no Diário Oficial da União proibindo, por 60 dias, a permissão para queimadas em todo o território nacional. No mesmo dia, dados do IBGE apontavam uma queda de 0,4% no setor do agronegócio na comparação com os três primeiros meses de 2019; ainda que essa redução já fosse esperada devido às condições climáticas da época, para os especialistas da área, o preço dessa conta deve ser cara, e nós já começamos a pagá-la.

(Karen Lemos - Portal da Band)

quinta-feira, 20 de junho de 2019

“Há muita desinformação”, diz diretora de filme sobre memórias da ditadura

A atriz Jeanne Boudier em cena do filme “Deslembro” (Foto: Divulgação)

Foram as lembranças de uma infância vivida em um momento delicado da história do Brasil que levou a cineasta Flavia Castro a dirigir “Deslembro”, filme nacional produzido por Walter Salles que chega aos cinemas do País nesta quinta-feira, 20.

O filme acompanha a adolescente Joana, filha de uma militante exilada e de um desaparecido político que deixa Paris, na França, para voltar ao Brasil após a Lei da Anistia, que permitiu o retorno de brasileiros que viviam, através de pedidos de asilo político, em outros países durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).

A trajetória lembra um pouco a da diretora, que também cresceu na França depois que o pai foi exilado pelo regime militar. “Durante a montagem do documentário ‘Diário de uma Busca’, onde falo sobre meu pai e minha infância no exílio, senti uma necessidade de ir mais a fundo em um trabalho sobre a memória através da ficção, porque queria contar essa narrativa de uma forma mais lúdica, com uma subjetividade maior”, explica a cineasta em entrevista ao Portal da Band.

Flavia espera que seu filme possa contribuir para discussões sobre esse período da história. Com uma frequência cada vez maior, o assunto vem sido debatido através de um viés negacionista, termo usado para designar fatos que são negados, por mais que as evidências históricas os comprovem.

“Na Alemanha, negar o Holocausto [extermínio de judeus pelos nazistas] é crime. Na Argentina, nem os militares negam os crimes da ditadura. Uma coisa é você ter pontos de vista diferentes, você ser de direita ou você ser de esquerda. Outra coisa é você negar a História”, pontua.

A diretora diz que o filme traz elementos que condizem com a realidade do Brasil naquele período. “Em certo momento [do longa-metragem], a viagem escolar da protagonista não é autorizada porque o pai, um desaparecido político, não tinha atestado de óbito. Isso é real. No Brasil daquele tempo, questões simples da vida cotidiana se transformavam em problemas complicados de se resolver”, acrescenta a cineasta. “Meu sonho é que os jovens assistam ao filme, porque há muita desinformação sobre a ditadura por aí.”

Para além do pano de fundo histórico, “Deslembro” aposta em uma narrativa contada pela perspectiva de uma adolescente. Todos os sentimentos comuns ao ser humano nessa fase da vida acompanham a trajetória de Joana. Dessa forma, há uma tentativa de construir um sentimento de identificação com o espectador. “Tem outras coisas da vida que aparecem no filme. É um filme sobre a ditadura, mas não é só sobre isso”, afirma Flavia.




Construção de personagens

Interpretando Ana, militante política e mãe de Joana, Sara Antunes também levou algumas memórias pessoais para a trama. Assim como a cineasta Flavia Castro, a atriz viu o pai ser exilado na França durante o regime militar. “Quando fui convidada para fazer ‘Deslembro’, eu estava justamente pesquisando material sobre o exílio do meu pai. Parece que esse convite era uma coisa que tinha que acontecer, sabe? Essa história [do filme] é um pouco minha também“, define em conversa com a reportagem.

Sara já havia trabalhado em uma produção com essa temática: “Alma Clandestina”, sobre a guerrilheira Maria Auxiliadora. No longa de Flavia Castro, porém, ela foi desenvolvendo um processo de desconstrução do mito da guerrilheira, tentando deixá-la mais humana. “A Flavia me pediu algo mais familiar, mais materno para viver a Ana. É uma mãe guerrilheira, que pega em armas, acredita na revolução, mas é a mãe que corta o tomate e a cebola do jantar da família. A Ana podia ser a mãe de qualquer um de nós.”

Uma das surpresas do filme, a revelação Jeanne Boudier, intérprete da protagonista Joana, nasceu na França e tem pouco contato com esse passado do Brasil; ainda assim, ela relata ter encontrado pontos de convergência com a personagem. “Eu pensava que eu não tinha nada a ver com esse ambiente”, diz. “Mas, quando comecei a filmar, estava com 16 anos e, assim como toda garota nessa idade, vivia o mesmo turbilhão de emoções que a minha personagem. No fundo somos todos iguais; temos sentimentos, conflitos na família, primeiros namorados. O filme fala disso tudo.”

Os atores Jeanne Boudier, Hugo Abranches e Sara Antunes (Foto: Divulgação)

Completam o elenco Eliane Giardini, que vive a avó de Joana, Jesuíta Barbosa, o pai desaparecido, Hugo Abranches, Arthur Raynaud, Antonio Carrara e Marcio Vito.

Clima de medo

O rebuliço político que o País vive desde 2013, que se intensificou nas eleições presidenciais de 2014 e de 2018, forma um cenário singular para o lançamento de um filme que toca em um assunto que gera discussões acaloradas. O próprio longa-metragem pontua isso em certo momento, com personagens trocando expressões (“cala a boca, fascista” e “vai para Cuba”) que passaram a ser mais usadas.

A torcida da equipe de “Deslembro” é para que o filme contribua para um diálogo saudável, mas tanto a diretora quanto as atrizes citam certo receio com relação à animosidade que tem tomado conta das discussões sobre política no Brasil.

Em conversa com a reportagem, a atriz Sara Antunes repercutiu uma entrevista que Wagner Moura, seu amigo pessoal, concedeu ao australiano Daily Telegraph durante o Festival de Cinema de Sydney. No evento, o ator exibiu “Marighella”, filme sobre o guerrilheiro Carlos Marighella. Para o veículo, Wagner expressou uma preocupação de retornar para o Brasil devido às hostilidades que têm recebido desde quando iniciou as filmagens dessa produção.

“O Wagner se colocou muito de frente nessas questões políticas. Eu entendo completamente o receio dele, porque as pessoas estão tão cegas, tão desinformadas e munidas de ódio. É para se ter medo mesmo”, desabafa Sara.

A diretora Flavia Castro recorda-se ainda de alguns comentários que leu em redes sociais após a exibição de “Deslembro” no Festival de Cinema do Rio. O filme foi exibido antes do segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Na ocasião, a disputa entre os candidatos ao cargo, Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL), mexia com a opinião dos brasileiros de forma exponencial.

“Cheguei a ver coisas horríveis, como comentários de pessoas dizendo que as crianças do filme tinham que morrer, ou então que os pais militantes jamais deveriam ter tido filhos”, lembra. “No caso do [filme] ‘Marighella’ é algo ainda mais escandaloso. Para mim, a partir do momento em que um artista não pode se expressar livremente sem ser hostilizado, deixamos de viver em uma democracia”, observa.

A diretora Flavia Castro em frente ao cartaz do filme (Foto: Divulgação)

Esses ataques, no entanto, não são regras, segundo a cineasta. “Deslembro” tem feito uma carreira interessante. Foi exibido, por exemplo, no Festival de Cinema de Veneza, um dos mais prestigiados do mundo, e recebeu prêmios, como o da crítica no Festival de Biarritz e de melhor filme no Festival de Cinema Brasileiro em Paris. “As percepções são variadas. Na Mostra de Cinema de São Paulo, por exemplo, a recepção foi emocionante, quase catártica. Muitos jovens vieram me abraçar, preocupados com o que será do nosso futuro”, completa Flavia, cujo filme é justamente um convite à reflexão de um passado que continua à espreita.

(Karen Lemos - Portal da Band)

sexta-feira, 7 de junho de 2019

“Chernobyl” agrada cientistas, embora dramatize efeitos da radiação em humanos

Foto: Divulgação/HBO

A história de um perigo invisível e de uma nação tão fechada cuja negligência levou a consequências fatais sempre atraiu a atenção pública. Não por acaso uma das séries mais faladas do momento é “Chernobyl”, da HBO, que retrata o acidente nuclear de grandes proporções ocorrido em 1986 na Ucrânia, então república da União Soviética.

As cenas que a série criou parar mostrar a explosão de um dos núcleos da usina - que espalhou altos níveis de radiação pelo ar de Pripyat (hoje uma cidade fantasma) e regiões próximas - e os efeitos do envenenamento radioativo em seres humanos impressionaram a audiência.

Para entender se as imagens são verossímeis ao que realmente aconteceu, o Portal da Band conversou com uma especialista em física médica e descobriu que a série se aproxima da veracidade, mas, como é natural de obras ficcionais, se permite a exageros para efeitos dramáticos.

“Para físicos que estudam essa área, a forma como a série mostra tecnicamente como foi a explosão em Chernobyl é muito boa. Tanto a explosão quanto as consequências; o incêndio, a logística para apagar o fogo, o problema do magma radioativo, enfim, são detalhes que se aproximam do real”, relata Kellen Adriana Curci Daros, chefe da coordenadoria de física médica da Escola Paulista de Medicina e vice-coordenadora do Núcleo de Rádio Proteção da Unifesp.

Já os efeitos biológicos foram dramatizados. Em “Chernobyl”, há personagens - como trabalhadores da usina e os bombeiros que tentam apagar o incêndio sem proteção alguma - que ficam expostos à altíssimas doses de radiação e acabam contaminados, sofrendo o que é chamado de Síndrome Aguda da Radiação, algo como um envenenamento que acaba levando a morte.

A doença, que ocorre quando o corpo absorve uma dose alta de radiação - e isso é medido pela unidade conhecida como Gray (Gy) - destrói o DNA de células importantes e vitais para nosso organismo.

A professora explica que há várias fases dessa síndrome. “Na primeira fase, hematopoiética, as primeiras células a serem afetadas são as do sangue. Isso ocorre quando o corpo humano absorve uma dose de 2 a 6 Gy.”

Em outra fase, chamada gastrointestinal, são as células dos tecidos que formam nossas mucosas que são afetadas. “Na série você vê pessoas vomitando. Isso acontece porque há lesão na mucosa intestinal. A pessoa evacua sangue, vomita sangue, e o fígado não consegue renovar essas células, então fatalmente essa pessoa vai morrer”, explica a especialista.

A última fase é fatal. Conhecida como neurovascular, é nessa etapa que o envenenamento por radiação passa a destruir as células do sistema nervoso central do corpo humano. “Quando a dose de radiação absorvida chega a 10 Gy, os sintomas são convulsão, coma e, em 48 horas, morte.”

As cenas nas quais são mostradas as últimas horas dos personagens de “Chernobyl” que estão contaminados com altas doses de radiação até podem ser críveis com relação à aparência, mas não condiz com a realidade em alguns aspectos, como nos diálogos que foram estabelecidos entre o bombeiro e sua esposa, ou então entre a professora de física nuclear com um dos funcionários da usina.

Veja algumas cenas da série que exemplificam isso. Fique atento para possíveis spoilers, caso você não tenha assistido a esses episódios ainda.





“Uma pessoa nessa fase da síndrome não conseguiria falar. Muito provavelmente ela já estaria em choque, inconsciente, desorientada ou até em coma”, acrescenta. “[Sobre a aparência] vai ter desprendimento da pele, hemorragias, mas talvez não em níveis tão chocantes assim. Há casos de hemorragias internas, por exemplo, mas se houve uma contaminação direta com a pele, obviamente vão aparecer lesões.”

A especialista explica ainda que não é possível afirmar com 100% de certeza que as primeiras vítimas fatais de Chernobyl ficaram daquela forma. “Não há registro de pacientes nesse estado”, conta. “Primeiro porque naquela época eram usados filmes fotográficos, portanto não era tecnicamente possível tirar foto de algo que emana tanta radiação. Segundo que estamos falando da União Soviética, um país muito fechado a ponto de não permitir registros daquilo.”

Além da síndrome, a exposição à doses não seguras de radiação também podem acarretar problemas a médio e longo prazo. É o chamado efeito estocástico. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) trabalha com um limite de 20 mSv (unidade usada para medir o impacto da radiação sobre os seres humanos) ao ano. Ultrapassou isso, haverá efeito a longo prazo, que é o câncer”, pontua a especialista.

Na série “Chernobyl”, o cientista Valery Legasov, interpretado pelo ator Jared Harris, diz que vai morrer dentro de cinco anos, devido ao tempo em que fica vunerável à doses não seguras de radiação enquanto está no local do acidente nuclear, tentando entender o que aconteceu e minimizar os impactos da catástrofe. “Ele provavelmente fez uma conta baseada nesses números que estabelecem um limite seguro. Se o limite é 20 mSv/ano, e em um mês ele recebe, por exemplo, 100 mSv, a probabilidade de ele desenvolver um câncer é cada vez maior.”

Um estudo do Comitê Científico sobre os Efeitos da Radiação Atômica (UNSCEAR) revelou que cerca de 20 mil casos de câncer de tireoide foram registrados entre 1991 e 2015, em pessoas que viveram na época do acidente de Chernobyl, nas áreas afetadas da antiga União Soviética. Desses casos, o comitê estima que um em cada quatro é atribuível à exposição à radiação nuclear.

registros também de câncer de tireoide em crianças, o que costuma a ser raro, mas o risco aumenta em casos de indivíduos expostos à radiação; isso porque a tireoide é uma glândula com bastante afinidade ao iodo. “Por isso na série eles falam em pílulas de iodo. O que você está ingerindo é um iodo 'bom', que preenche toda a glândula, impedindo que o iodo radioativo penetre ali”, acrescenta Kellen.

Entendendo as doses de radiação

A radiação em doses monitoradas, no entanto, não é nociva; em alguns casos, pode até ser uma aliada. A radiografia (raio X), por exemplo, utiliza essa fonte de energia para o diagnóstico de doenças que precisam ser tratadas. “Em doses muito baixas de radiação, o corpo consegue se regenerar. O benefício de um exame médico, portanto, é bem maior em relação aos riscos”, explica a professora Kellen Adriana Curci Daros.

A legislação brasileira estabelece, através da Portaria nº 453 da Anvisa, o limite de 0,4 miligray (mGy) no exame radiológico de tórax, o que não representa risco para a saúde. A especialista explica ainda que no ano dessa portaria, 1998, os exames ainda eram analógicos. “Hoje em dia tudo é digital. Dá para baixar ainda mais o nível de radiação”, pontua.

Além disso, estamos expostos a o que os cientistas chamam de radiação natural, que vem de muitas fontes, incluindo mais de 60 materiais encontrados no solo, na água e no ar. A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) trabalha com uma média de 2,6 mGy de dose de radiação absorvida ao ano.

Para entender melhor a diferença entre essas doses de radiação, o Portal da Band elaborou um gráfico expositivo:


Um acidente como Chernobyl pode ocorrer no Brasil?

No Brasil, temos duas usinas nucleares ativas, conhecidas como Angra 1 e Angra 2, e uma em construção (Angra 3). Todas estão localizadas em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. O sucesso da série “Chernobyl” levantou uma discussão nas redes sociais sobre possíveis riscos de um acidente nuclear no País, hipótese que é afastada pela especialista consultada pela reportagem.

“Chernobyl era uma usina muito antiga, cujo projeto tinha defeitos que a União Soviética ignorou; estamos falando de uma série de fragilidades que Angra não possui”, explica Kellen. “As chances de algo acontecer no Brasil são pequenas. A Comissão Nacional de Energia Nuclear é bastante criteriosa e segue protocolos internacionais rígidos de segurança. Claro que possibilidades sempre existem. Pegue como exemplo [o acidente nuclear] de Fukushima [no Japão]. Os japoneses são muito criteriosos, mas quem ia esperar que um tsunami de grande magnitude pudesse atingir a usina? Isso é uma exceção. A probabilidade real de ocorrência de um acidente assim é mínima.”

Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto - complexo formado pelo conjunto das usinas nucleares Angra 1, Angra 2 e Angra 3 [em construção] (Foto: Wikimedia Commons)

A tragédia em Chernobyl é mais sobre erro humano e negligência governamental do que um evento inesperado, como o que ocorreu em Fukushima. O próprio Mikhail Gorbatchov, presidente da União Soviética na época, admitiu que o acidente nuclear contribuiu para o colapso do país em 1991. Os números oficiais até hoje falam em 31 mortes causadas pela tragédia. As estimativas, porém, contando doenças pós-exposição e contaminação à radiação, vão mais longe: chegam a 90 mil.

Em entrevista ao Metro Internacional, o roteirista e produtor-executivo da série, Craig Mazin, falou da importância de relembrar Chernobyl nos dias de hoje. “Vivemos em uma época em que as pessoas estão voltando a abraçar a ideia corrosiva de que o que se quer ser é mais importante do que a verdade. O sistema soviético estava encharcado com esse culto da narrativa, mas, um dia, a verdade vem à tona.”

Com uma trama tão instigante, não é à toa que a série se tornou a mais bem avaliada pelos usuários do site IMDB, com nota 9,6. “Chernobyl” chega ao final nesta sexta-feira, 7, com a exibição de seu quinto e último episódio.

(Karen Lemos - Portal da Band)

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Política externa de Bolsonaro pode impactar principais parcerias comerciais

Bolsonaro desembarca na Base Aérea de Andrews, nos Estados Unidos (Foto: Alan Santos/PR)

A visita carregada de simbolismo que o presidente Jair Bolsonaro fez a Israel na semana passada pode trazer mais resultados negativos do que positivos para o Brasil. A análise é de especialistas da área de relações comerciais e exteriores consultados pelo Portal da Band.

A viagem de três dias ao país do Oriente Médio, um “afago” na bancada evangélica que apoiou Bolsonaro nas eleições, colocou em alerta países árabes, que não enxergaram com bons olhos uma possível mudança da Embaixada do Brasil para Jerusalém, a abertura de um escritório de negócios na cidade e a ida de Bolsonaro ao Muro das Lamentações ao lado do premiê israelense Benjamin Netanyahu; isso porquê Jerusalém também é considerada sagrada para o mundo islâmico. O receio é de um possível desgaste na relação dos países árabes com o mercado exportador brasileiro.

“Há riscos de prejuízo nas exportações de carne bovina, de frango e de açúcar, três produtos principais que o Brasil exporta para países árabes do Oriente Médio, além de outras nações muçulmanas como Indonésia e Paquistão. E é um grande mercado esse; um dos mais importantes que temos”, avalia Silmar César Müller, especialista em mercado agrícola e editor-chefe e apresentador no canal Terra Viva.

Em 2018, a compra de produtos brasileiros pelos 22 países que compõem a Liga Árabe somaram US$ 11,5 bilhões em açúcar, carne de frango, minério de ferro, carne bovina e grãos, registrando um superávit em torno de US$ 4 bilhões. O cenário positivo, no entanto, pode estar sofrendo alterações. De 2017 para 2018, houve uma queda de pouco mais de 15% nas exportações para os países árabes.

“A Arábia Saudita, que compra muito frango nosso, já está importando menos do Brasil, em parte porque está com uma política de produzir internamente, mas a política externa brasileira pode piorar esse cenário. Alguns representantes de países árabes já pediram reunião com o Bolsonaro para entender o que está acontecendo. A Câmara de Comércio Árabe-Brasileira está alertando sobre possíveis efeitos danosos nas importações”, acrescenta Silmar, que chama atenção para o fato de que países da Europa, além da Índia e da Turquia, podem pegar essa fatia de mercado já que também são exportadores de carne. “Esse não é o momento de comprar briga, ainda mais com a crise financeira que estamos vivendo no Brasil.”

Ao contrário do que ocorre com os países árabes, o Brasil registrou déficit, de US$ 847 milhões, com Israel. Também em 2018, Israel exportou US$ 320 milhões ao ano enquanto o Brasil comprou mais de US$ 1,1 bilhão.

Comércio com Israel
Fonte: Ministério da Economia

Mas isso não quer dizer que as relações com o país não sejam importantes. Segundo Lucas Leite, professor de relações exteriores da FAAP, Israel oferece produtos específicos que são de interesse do Brasil, principalmente para área de segurança pública e defesa nacional, como softwares, drones e armas. Durante a visita de Bolsonaro a Israel, discutiu-se acordos de parcerias nessas e outras áreas. O ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, sinalizou interesse na tecnologia de dessalinização da água, por exemplo, que poderia ser utilizada no Nordeste do Brasil.

Lucas Leite lembra, entretanto, que as eleições em Israel, que acontecem nesta terça-feira, 9, podem inviabilizar o que está em vias de ser acordado entre os dois países. “Se o Netanyahu perder as eleições, a gente não tem garantia de nada.”

Ao retornar ao Brasil, Bolsonaro moderou seu discurso e disse que não quer "encrenca" com os países árabes. "Não estamos procurando encrenca com ninguém. Quero é solução", afirmou antes de embarcar para Brasília na última quinta-feira, 4. Em paralelo, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, informou que o presidente pode visitar países árabes ainda neste primeiro semestre do ano.

Estados Unidos

Ainda fazendo uma avaliação sobre a política externa no governo Bolsonaro, Lucas Leite, que é doutor em política externa norte-americana, analisou também a visita do presidente aos Estados Unidos no mês passado.

Na ocasião, o porta-voz da presidência, general Otávio Rêgo Barros, disse que o governo brasileiro apresentou ideias para “fortalecer o comércio” com os EUA, “reconhecendo que aspectos relativos ao antigo comunismo não podem mais imperar".

Após reunião na Casa Branca, porém, os resultados foram mais a favor do presidente Donald Trump do que o contrário. Entre o que foi acordado está a permissão para que o governo norte-americano use a Base de Alcântara, no Maranhão, para lançar satélites, por exemplo; houve a sinalização ainda para que o Brasil seja designado principal aliado dos Estados Unidos fora da aliança militar da Otan e membro da OCDE, conhecido como “grupo dos países ricos”. Para ingressar lá, no entanto, o Brasil precisa abrir mão de tratamento diferenciado a países em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio, processo que já se iniciou. Sobre o assunto, o Itamaraty disse que a iniciativa não implica em “qualquer alteração ou redução da flexibilidade já existente no que respeita a certas regras dos acordos da OMC vigentes”.

O que mais surpreendeu, porém, foi a dispensa de visto para entrar em solo brasileiro aos EUA e mais três países (Austrália, Canadá e Japão) de forma unilateral, ou seja, sem exigir o mesmo em troca. O governo brasileiro se justificou ressaltando a importância dos Estados Unidos, nosso segundo maior parceiro comercial, à frente apenas da China.

dez principais parceiros comerciais
Fonte: Ministério da Economia

O professor Lucas Leite lembra, contudo, que meses atrás, a China estava em plena guerra fiscal e troca de farpas com o governo Trump. A aproximação exacerbada do Brasil com os EUA, portanto, deixou os importadores chineses preocupados, e isso pode ser muito prejudicial para o comércio exterior brasileiro “Ninguém está falando para o Brasil fechar a cara para os Estados Unidos, mas é preciso assumir uma posição pragmática. Tendo a China como seu maior parceiro, você não se aproxima deliberadamente de um país que tem um discurso anti-China. O ponto é ir aos Estados Unidos e negociar interesses, barganhar, e isso não foi o que não aconteceu”, observa. “Não é preciso escolher entre Estados Unidos ou China, é preciso escolher o Brasil, nesse caso.”

O especialista explica ainda que há uma tendência de o Brasil competir com os Estados Unidos em vários mercados. “Os EUA são considerados mais competidores do que parceiros. Já a China precisa de produtos nos quais nós somos especializados”. Dados do Ministério da Economia mostram que a China comprou mais de US$ 64 bilhões de produtos brasileiros em 2018, sendo os principais produtos a soja, o petróleo e o minério de ferro.

Produtos comprados pela China
Fonte: Ministério da Economia

Para o professor de relações exteriores, a política externa ideal é a de aproximação com todos os países possíveis. “Quanto mais diversificado nós somos, melhor. Isso transmite a ideia do que estamos construindo desde o começo do século passado, de que o Brasil é um país que não quer conflitos e que não assume lados, até porque, quando você assume um lado, inevitavelmente você perde parceiros comerciais”, completa Leite.

Endossando essa opinião, Silmar César Müller ressalta que não é preciso estragar várias relações para manter algumas. “Levou muito tempo para o Brasil chegar onde está hoje, exportando para mais de 190 países, principalmente carnes, que é um setor forte e que gera muitos empregos”, afirma. “O governo tem coisas boas, a economia está em boas mãos (com o ministro Paulo Guedes) e a Justiça também (com o ministro Sérgio Moro), embora as propostas não estejam andando porque o governo não consegue articular, mas a política externa precisa ser repensada”, conclui.

Posicionamento do Itamaraty

A pedido do Portal da Band, o Ministério das Relações Exteriores enviou um posicionamento listando os benefícios das visitas do presidente Jair Bolsonaro para os Estados Unidos e para Israel. Segundo a Pasta, “a promoção dos interesses no exterior passa pela cooperação com países com os quais compartilhamos valores, interesses e objetivos e que possam nos ajudar a garantir a segurança e a prosperidade da nação”.

“Com os EUA, temos uma relação tradicional, mas que não estava sendo aproveitada em todo o seu potencial por temores infundados em relação às diferenças de poder entre os dois países. Ao nos liberarmos do antiamericanismo, criamos as condições para aprofundar o relacionamento bilateral com base no princípio de ganhos mútuos”, diz o Itamaraty em nota. “O relacionamento entre os dois países tem grande potencial de atender, entre outros, a objetivos de desenvolvimento econômico-comercial, energético e de segurança do Brasil - conforme ilustrado pelo apoio dos EUA ao ingresso brasileiro na OCDE, pela reativação de mecanismos de diálogo empresarial e comercial, pela conclusão das negociações de Acordo de Salvaguardas Tecnológicas e pelo lançamento do Fórum de Energia.”

A pasta negou qualquer problema nas relações internacionais e parcerias comerciais com a China. “A reaproximação com os Estados Unidos não se dará em detrimento de nossa importante relação com a China. O Brasil tenciona manter de forma consistente o bom diálogo com o lado chinês, com vistas, sobretudo, a aprofundar e diversificar os laços econômico-comerciais, trazendo ainda mais benefícios para a economia brasileira e abrangendo novas áreas de interesse para o Brasil.”

Sobre Israel, o Ministério das Relações Exteriores destacou declarações do chanceler Ernesto Araújo durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores do Senado na última quinta-feira. Na ocasião, o ministro afirmou que “a ideia de que a política externa causa prejuízo ao agronegócio não se materializou de forma nenhuma”. “Tenho certeza de que não se materializará”, pontuou. Araújo acrescentou que, em seu pouco tempo de atuação no cargo, já se encontrou com ministros de países como Arábia Saudita e Emirados Árabes e nenhum deles se mostrou ofendido com as ações do governo brasileiro. Por fim, disse que tem discutido com representantes de países árabes ideias para melhorar as relações comerciais, inclusive em benefício do agronegócio brasileiro.

(Karen Lemos - Portal da Band)