Bolsonaro desembarca na Base Aérea de Andrews, nos Estados Unidos (Foto: Alan Santos/PR)
A visita carregada de simbolismo que o presidente Jair Bolsonaro fez a Israel na semana passada pode trazer mais resultados negativos do que positivos para o Brasil. A análise é de especialistas da área de relações comerciais e exteriores consultados pelo Portal da Band.
A viagem de três dias ao país do Oriente Médio, um “afago” na bancada evangélica que apoiou Bolsonaro nas eleições, colocou em alerta países árabes, que não enxergaram com bons olhos uma possível mudança da Embaixada do Brasil para Jerusalém, a abertura de um escritório de negócios na cidade e a ida de Bolsonaro ao Muro das Lamentações ao lado do premiê israelense Benjamin Netanyahu; isso porquê Jerusalém também é considerada sagrada para o mundo islâmico. O receio é de um possível desgaste na relação dos países árabes com o mercado exportador brasileiro.
“Há riscos de prejuízo nas exportações de carne bovina, de frango e de açúcar, três produtos principais que o Brasil exporta para países árabes do Oriente Médio, além de outras nações muçulmanas como Indonésia e Paquistão. E é um grande mercado esse; um dos mais importantes que temos”, avalia Silmar César Müller, especialista em mercado agrícola e editor-chefe e apresentador no canal Terra Viva.
Em 2018, a compra de produtos brasileiros pelos 22 países que compõem a Liga Árabe somaram US$ 11,5 bilhões em açúcar, carne de frango, minério de ferro, carne bovina e grãos, registrando um superávit em torno de US$ 4 bilhões. O cenário positivo, no entanto, pode estar sofrendo alterações. De 2017 para 2018, houve uma queda de pouco mais de 15% nas exportações para os países árabes.
“A Arábia Saudita, que compra muito frango nosso, já está importando menos do Brasil, em parte porque está com uma política de produzir internamente, mas a política externa brasileira pode piorar esse cenário. Alguns representantes de países árabes já pediram reunião com o Bolsonaro para entender o que está acontecendo. A Câmara de Comércio Árabe-Brasileira está alertando sobre possíveis efeitos danosos nas importações”, acrescenta Silmar, que chama atenção para o fato de que países da Europa, além da Índia e da Turquia, podem pegar essa fatia de mercado já que também são exportadores de carne. “Esse não é o momento de comprar briga, ainda mais com a crise financeira que estamos vivendo no Brasil.”
Ao contrário do que ocorre com os países árabes, o Brasil registrou déficit, de US$ 847 milhões, com Israel. Também em 2018, Israel exportou US$ 320 milhões ao ano enquanto o Brasil comprou mais de US$ 1,1 bilhão.
Fonte: Ministério da Economia
Mas isso não quer dizer que as relações com o país não sejam importantes. Segundo Lucas Leite, professor de relações exteriores da FAAP, Israel oferece produtos específicos que são de interesse do Brasil, principalmente para área de segurança pública e defesa nacional, como softwares, drones e armas. Durante a visita de Bolsonaro a Israel, discutiu-se acordos de parcerias nessas e outras áreas. O ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, sinalizou interesse na tecnologia de dessalinização da água, por exemplo, que poderia ser utilizada no Nordeste do Brasil.
Lucas Leite lembra, entretanto, que as eleições em Israel, que acontecem nesta terça-feira, 9, podem inviabilizar o que está em vias de ser acordado entre os dois países. “Se o Netanyahu perder as eleições, a gente não tem garantia de nada.”
Ao retornar ao Brasil, Bolsonaro moderou seu discurso e disse que não quer "encrenca" com os países árabes. "Não estamos procurando encrenca com ninguém. Quero é solução", afirmou antes de embarcar para Brasília na última quinta-feira, 4. Em paralelo, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, informou que o presidente pode visitar países árabes ainda neste primeiro semestre do ano.
Estados Unidos
Ainda fazendo uma avaliação sobre a política externa no governo Bolsonaro, Lucas Leite, que é doutor em política externa norte-americana, analisou também a visita do presidente aos Estados Unidos no mês passado.
Na ocasião, o porta-voz da presidência, general Otávio Rêgo Barros, disse que o governo brasileiro apresentou ideias para “fortalecer o comércio” com os EUA, “reconhecendo que aspectos relativos ao antigo comunismo não podem mais imperar".
Após reunião na Casa Branca, porém, os resultados foram mais a favor do presidente Donald Trump do que o contrário. Entre o que foi acordado está a permissão para que o governo norte-americano use a Base de Alcântara, no Maranhão, para lançar satélites, por exemplo; houve a sinalização ainda para que o Brasil seja designado principal aliado dos Estados Unidos fora da aliança militar da Otan e membro da OCDE, conhecido como “grupo dos países ricos”. Para ingressar lá, no entanto, o Brasil precisa abrir mão de tratamento diferenciado a países em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio, processo que já se iniciou. Sobre o assunto, o Itamaraty disse que a iniciativa não implica em “qualquer alteração ou redução da flexibilidade já existente no que respeita a certas regras dos acordos da OMC vigentes”.
O que mais surpreendeu, porém, foi a dispensa de visto para entrar em solo brasileiro aos EUA e mais três países (Austrália, Canadá e Japão) de forma unilateral, ou seja, sem exigir o mesmo em troca. O governo brasileiro se justificou ressaltando a importância dos Estados Unidos, nosso segundo maior parceiro comercial, à frente apenas da China.
Fonte: Ministério da Economia
O professor Lucas Leite lembra, contudo, que meses atrás, a China estava em plena guerra fiscal e troca de farpas com o governo Trump. A aproximação exacerbada do Brasil com os EUA, portanto, deixou os importadores chineses preocupados, e isso pode ser muito prejudicial para o comércio exterior brasileiro “Ninguém está falando para o Brasil fechar a cara para os Estados Unidos, mas é preciso assumir uma posição pragmática. Tendo a China como seu maior parceiro, você não se aproxima deliberadamente de um país que tem um discurso anti-China. O ponto é ir aos Estados Unidos e negociar interesses, barganhar, e isso não foi o que não aconteceu”, observa. “Não é preciso escolher entre Estados Unidos ou China, é preciso escolher o Brasil, nesse caso.”
O especialista explica ainda que há uma tendência de o Brasil competir com os Estados Unidos em vários mercados. “Os EUA são considerados mais competidores do que parceiros. Já a China precisa de produtos nos quais nós somos especializados”. Dados do Ministério da Economia mostram que a China comprou mais de US$ 64 bilhões de produtos brasileiros em 2018, sendo os principais produtos a soja, o petróleo e o minério de ferro.
Fonte: Ministério da Economia
Para o professor de relações exteriores, a política externa ideal é a de aproximação com todos os países possíveis. “Quanto mais diversificado nós somos, melhor. Isso transmite a ideia do que estamos construindo desde o começo do século passado, de que o Brasil é um país que não quer conflitos e que não assume lados, até porque, quando você assume um lado, inevitavelmente você perde parceiros comerciais”, completa Leite.
Endossando essa opinião, Silmar César Müller ressalta que não é preciso estragar várias relações para manter algumas. “Levou muito tempo para o Brasil chegar onde está hoje, exportando para mais de 190 países, principalmente carnes, que é um setor forte e que gera muitos empregos”, afirma. “O governo tem coisas boas, a economia está em boas mãos (com o ministro Paulo Guedes) e a Justiça também (com o ministro Sérgio Moro), embora as propostas não estejam andando porque o governo não consegue articular, mas a política externa precisa ser repensada”, conclui.
Posicionamento do Itamaraty
A pedido do Portal da Band, o Ministério das Relações Exteriores enviou um posicionamento listando os benefícios das visitas do presidente Jair Bolsonaro para os Estados Unidos e para Israel. Segundo a Pasta, “a promoção dos interesses no exterior passa pela cooperação com países com os quais compartilhamos valores, interesses e objetivos e que possam nos ajudar a garantir a segurança e a prosperidade da nação”.
“Com os EUA, temos uma relação tradicional, mas que não estava sendo aproveitada em todo o seu potencial por temores infundados em relação às diferenças de poder entre os dois países. Ao nos liberarmos do antiamericanismo, criamos as condições para aprofundar o relacionamento bilateral com base no princípio de ganhos mútuos”, diz o Itamaraty em nota. “O relacionamento entre os dois países tem grande potencial de atender, entre outros, a objetivos de desenvolvimento econômico-comercial, energético e de segurança do Brasil - conforme ilustrado pelo apoio dos EUA ao ingresso brasileiro na OCDE, pela reativação de mecanismos de diálogo empresarial e comercial, pela conclusão das negociações de Acordo de Salvaguardas Tecnológicas e pelo lançamento do Fórum de Energia.”
A pasta negou qualquer problema nas relações internacionais e parcerias comerciais com a China. “A reaproximação com os Estados Unidos não se dará em detrimento de nossa importante relação com a China. O Brasil tenciona manter de forma consistente o bom diálogo com o lado chinês, com vistas, sobretudo, a aprofundar e diversificar os laços econômico-comerciais, trazendo ainda mais benefícios para a economia brasileira e abrangendo novas áreas de interesse para o Brasil.”
Sobre Israel, o Ministério das Relações Exteriores destacou declarações do chanceler Ernesto Araújo durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores do Senado na última quinta-feira. Na ocasião, o ministro afirmou que “a ideia de que a política externa causa prejuízo ao agronegócio não se materializou de forma nenhuma”. “Tenho certeza de que não se materializará”, pontuou. Araújo acrescentou que, em seu pouco tempo de atuação no cargo, já se encontrou com ministros de países como Arábia Saudita e Emirados Árabes e nenhum deles se mostrou ofendido com as ações do governo brasileiro. Por fim, disse que tem discutido com representantes de países árabes ideias para melhorar as relações comerciais, inclusive em benefício do agronegócio brasileiro.
(Karen Lemos - Portal da Band)
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