quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Agressões em período eleitoral afetam turismo LGBT

Paulo Pinto/Fotos Públicas

Não são só os brasileiros que estão preocupados com a recente onda de agressões que se intensificou com o período eleitoral no País. Ciente dos incidentes que repercutem na mídia internacional, turistas de um nicho bastante lucrativo já estão adiando viagens com receio do clima de animosidade no Brasil. A informação é da Câmara de Comércio e Turismo LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) do Brasil, voltada para um segmento cujo público-alvo gasta em média, segundo dados mundiais, 30% a mais do que o turista convencional.

“Independentemente de quem vencer as eleições, já se estabeleceu uma imagem ruim para o País. Quem viaja para cá tem essa preocupação adicional em mente, porque esse turista está se informando sobre os ataques pela imprensa internacional. Nós voltamos a virar notícia de uma forma negativa e isso vai impactar no mercado. De agora em diante, nosso trabalho será ainda maior no sentido de amenizar isso e tentar avançar em melhorias para o setor”, explica Ricardo Gomes, presidente da Câmara LGBT, ao Portal da Band.

Ainda sem saber qual será o real impacto no turismo brasileiro, Ricardo conta que soube de turistas que estão adiando viagens ao Brasil por conta de uma série de agressões registradas no País. Um levantamento feito pela Agência Pública e Open Knowledge Brasil registrou mais de 50 ataques durante o período eleitoral. Os casos são publicados diariamente no mapa Vítimas da Intolerância, criado pela parceria.

Relatos de testemunhas dos episódios mostram que as agressões têm contexto político. Em um dos ocorridos mais graves, o mestre de capoeira e compositor Romualdo Rosário da Costa, de 63 anos, conhecido como Moa do Katendê, foi morto a facada no início do mês. O autor do crime, Paulo Sérgio Ferreira de Santana, confessou o assassinato e alegou discussão política como motivação.

Nem sempre a preferência política dos envolvidos nos ataques fica clara, mas, em uma eleição extremamente polarizada, há casos em que essa predileção sobressai. No assassinato de uma transexual no centro de São Paulo no último dia 16, testemunhas disseram ao jornal Folha de S. Paulo que os agressores teriam gritado o nome do candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL) antes de esfaquear a vítima. Há também casos de agressão por parte do eleitorado que rejeita Bolsonaro, como um suposto atropelamento envolvendo um professor da Universidade do Recôncavo Baiano (UFRB), que teria investido com o carro contra comerciantes de camisetas do candidato do PSL. Em nota, a instituição disse que o professor se sentiu ameaçado.

Ricardo Gomes ressalta que alguns desses ataques têm como alvo a população LGBT, o que pode afetar diretamente o segmento do turismo brasileiro a médio e longo prazo. “Não importa quem vença essas eleições, o prejuízo já existe. Aqueles que que tinham ódio contra gays, até contra negros e mulheres, mas ficavam quietos porque não era correto expressar esse pensamento, agora ‘saíram do armário’”, observa o presidente da Câmara LGBT. “O Brasil já tem problemas de segurança que afeta a decisão do turista de viajar ou não para cá. Com essa onda de ódio, vai afetar mais ainda. Provavelmente passaremos anos trabalhando para desfazer uma imagem ruim que se estabeleceu nos últimos dias”, acrescenta.

Ele conta ainda que, por ser uma referência, a Câmara de Comércio e Turismo LGBT tem recebido ligações de brasileiros preocupados com a situação do País. “Nos últimos 15 dias atendemos pessoas que pedem dicas de como se proteger ou atendimento psicológico por estarem deprimidos com o caminhar das coisas”, diz. “Nós começamos a indicar serviços que tratam melhor desses assuntos e também damos conselhos, como não entrem em desespero ou não andem sozinhos na rua de madrugada. A violência contra LGBTs sempre existiu, mas nunca nesses índices.”

Turismo LGBT

De acordo com dados da Organização Mundial do Turismo, para cada 10 turistas no mundo, um é do segmento LGBT e cerca de 15% da movimentação financeira turística mundial é gerada por este grupo. Estudos do Conselho Mundial de Viagens e Turismo revelam ainda que o turista LGBT viaja quatro vezes mais do que outros segmentos e têm gasto 30% superior na comparação com turistas convencionais. “Estamos falando, portanto, de mercado, de negócios, de empregabilidade. Nós vamos levar a sério a economia do Brasil ou não?”, ressalta Ricardo Gomes.

O presidente da Câmara LGBT aponta ainda que as belezas do Brasil e as variadas atrações que o País oferece para todos os gostos nos coloca em evidência mundial. O Rio de Janeiro, por exemplo, já figurou em lista de destinos ‘gay-friendly’ pela Lonely Planet, maior editora de guias de viagem do mundo, que já chamou a cidade de “a capital gay da América Latina”.


Bandeira gay é vista na Praia de Ipanema, no Rio (Foto: Jeff Belmonte via Wikimedia Commons)

São Paulo, por sua vez, teve sua Parada do Orgulho Gay registrada no Guinness World Records como a maior do mundo, e é a primeira cidade da América Latina que aparece em uma lista da Nestpick sobre destinos com uma ativa comunidade gay. Segundo a Embratur, outras cidades como Belo Horizonte, Salvador, Florianópolis e Recife também atraem esse público por causa de atrações e políticas públicas voltadas para o segmento.

Visando essa parcela importante do mercado, o Ministério do Turismo e a Embratur firmaram com a Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil um convênio para promover esse nicho dentro e fora do País. As ações desta parceria vão desde divulgar o Brasil como destino ‘gay-friendly’ em convenções internacionais como começar a credenciar cidades como destinos “amigáveis” para o turista LGBT a partir de critérios que estão sendo estabelecidos.

Esse convênio tem duração de cinco anos, mas, segundo o presidente da Câmara LGBT, pode ser cancelado pelo governo que estiver no poder. “É possível cancelar com um aviso de 60 dias de antecedência, mas vamos cobrar explicações sobre os motivos do cancelamento caso isso venha a ocorrer. Pretendemos ser resistentes, de forma pacífica e ordeira, mas é preciso prestar contas para a sociedade quanto a isso”, completa Ricardo.

Em 2016, o Ministério do Turismo lançou ainda uma cartilha, destinada aos serviços que têm contato direto com o viajante em restaurantes, hotéis e serviços da cadeia turística nacional, com orientações no atendimento à pessoa que se identifica como LGBT. O objetivo da iniciativa é evitar casos de preconceito e comportamento inadequado com o turista devido a sua identidade de gênero ou sexualidade.

À reportagem, o instituto diz acreditar que o setor pode ajudar na redução da intolerância. "Isso eleva a importância do trabalho que desenvolvemos, uma vez que o turismo promove o entendimento das diferenças e a inclusão cultural e social. O contato é uma ferramenta importante para quebra de paradigmas e enfraquecimento de preconceitos", pontua em nota.

(Karen Lemos - Portal da Band)

Nenhum comentário: