quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Para diretor e elenco, Central do Brasil ainda é atual

Vinicius de Oliveira, Fernanda Montenegro e Walter Salles na exibição de cópia restaurada de 'Central do Brasil' (Foto: Natali Hernandes/agenciafoto.com.br)

A história de uma ex-professora que atravessa o Brasil atrás do pai do menino Josué completou 20 anos sem envelhecer. É tão atual que a intérprete de Dora, a aposentada que escreve cartas para analfabetos no centro do Rio, sugeriu relançá-la. “Esse filme deveria ser lançado de novo. Digo isso por causa da época que estamos passando agora”, disse Fernanda Montenegro, sob muitos aplausos, na exibição da cópia restaurada de Central do Brasil, nesta terça-feira, 30, na capital paulista, durante a 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

“A obra fala de um menino em busca do pai, mas que na verdade também está em busca de um país. E nós estamos em busca de um país novamente”, acrescentou a atriz, referindo-se, mas sem citar nomes, ao momento politicamente conturbado que se agravou com as eleições deste ano.

Central do Brasil chegou aos cinemas em 1998, mas as primeiras ideias para o longa surgiram na mente do diretor Walter Salles em outro período delicado. “O filme foi pensando durante os anos negros do governo [Fernando] Collor e momentos após a ditadura militar. A trajetória [da protagonista] Dora é de ressensibilização depois daquela época tão traumática”, definiu o cineasta.

Comentando a onda conservadora que atingiu o país – e que junto dela vieram ataques à classe artística, Walter Salles pediu união. “Agora é hora de se reagrupar, estarmos juntos, pensar e criar novamente”, pontuou o diretor do longa vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim e indicado ao Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro, além de também render uma indicação a Fernanda Montenegro como melhor atriz na principal premiação da indústria.

Cena do filme 'Central do Brasil' (Foto: Divulgação)

O ator Vinícius de Oliveira, intérprete do menino Josué, lembra ainda que o cinema brasileiro já enfrentou percalços, como a censura nos tempos de ditadura militar e o financiamento escasso. “O nosso cinema não está em um caminho sólido, e esse momento que estamos passando, no qual a cultura e os artistas estão ‘apanhando’, pode ser devastador. Sempre houve resistência por parte daqueles que trabalham nesse ramo, e em muitas ocasiões o próprio público abraçou mais a produção nacional. Ainda assim, podemos estar diante de novos tempos difíceis”, lamentou em conversa com o Portal da Band.

Duas experiências profissionais, no entanto, trouxeram uma outra perspectiva, essa mais positiva, para Vinícius. O ator esteve no Nordeste do País na década de 1990 para filmar Central do Brasil, e retornou em 2014 para a região, onde rodou Boi Neon, de Gabriel Mascaro. “Encontrei um Nordeste muito diferente, mais moderno, mais possível, com pessoas distintas. Em algum momento a gente melhorou, só espero que não haja retrocessos.”

A restauração de Central do Brasil, feita pelo laboratório francês Éclair, ressaltou os tons do sertão nordestino captados pela fotografia de Walter Carvalho e a trilha sonora marcante assinada por Jaques Morelenbaum e Antônio Pinto. O grande poder do filme, entretanto, está em emocionar um público diverso. A história de Dora e Josué toca até mesmo quem não conhece a realidade dura da maioria dos brasileiros. É difícil segurar as lágrimas diante da construção de uma amizade tão improvável dos dois e, principalmente, do reencontro da professora aposentada com a sua própria compaixão, há muito tempo perdida.



Além das atuações de Fernanda Montenegro e Vinícius de Oliveira, o filme também traz um dos trabalhos de Marília Pêra, morta em 2015. Foi para a colega de cena que Fernanda dedicou a sessão. “Não lembro dela para entristecer, embora ela faça mesmo muita falta, mas porque essa noite é dela. Talvez pela sua ausência, essa noite é totalmente dela”, concluiu a atriz.

(Karen Lemos - Portal da Band)

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