quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Cinebiografia de Tim Maia mostra lado 'mesquinho' de Roberto Carlos


Chega aos cinemas, nesta quinta-feira (30), a cinebiografia de Sebastião Rodrigues Maia, mais conhecido como Tim Maia, que pretende trazer para as telonas um lado pouco conhecido não só do músico de voz grave e temperamento forte, mas também das personalidades que o rodeavam.

Chama a atenção, por exemplo, a presença de Roberto Carlos no longa-metragem como um sujeito que tenta conquistar a fama a todo custo e, já em seu auge, dá pouca atenção aos companheiros de início de carreira – como é o caso de Tim Maia, que cantou com Roberto no quarteto The Sputniks.

Esse lado, digamos, “mesquinho” do Rei não se tornou, no entanto, uma preocupação para o diretor de “Tim Maia – O Filme”, Mauro Lima. “Nada do que está no filme saiu da minha cabeça, foi tudo baseado na biografia de Nelson Motta”, esclareceu em entrevista coletiva concedida nesta segunda-feira (27) em São Paulo. “O Roberto, inclusive, leu e autorizou o roteiro. Não sei como ele vai reagir, mas ele conhece bem a história”.

“Temos que lembrar, também, que essa é a visão do Tim com relação ao Roberto”, completou o ator George Sauma, que vive o Rei no longa. “Mas, de fato, eu tentei fugir mesmo daquela imagem do Roberto de hoje em dia”.

Essa imagem, segundo Mauro, está muito pautada no cantor dos especiais de final de ano. “Assim como Tim, Roberto teve várias fases na carreira. Ele já foi, por exemplo, um rebelde da Jovem Guarda”, recordou o cineasta, que garantiu que não sofreu censura alguma para rodar o filme. “Não existiu um limite imposto, mas como se trata de um filme romantizado, tive que abrir mão de algumas coisas por se tratar de uma obra ficcional, caso contrário, eu estaria fazendo um documentário”.

O homem por trás das câmeras 

Para fazer uma cinebiografia que fugisse do óbvio, Mauro fez um recorte da vida e obra de Tim que pudesse ser nova e curiosa aos olhos do grande público. “De qualquer forma, ele tem uma biografia com muita vocação para um filme”, pontuou o cineasta. “Ele já foi preso, roubou carro e tudo o mais, fora o que ficou de fora para caber em um filme, senão teríamos que fazer uma série”.

Com esse viés, “Tim Maia – O Filme” foca mais na juventude de Sebastião (a adolescência no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, descoberta da música e das terras estrangeiras quando se muda para Nova York ainda jovem) e de sua carreira na década de 1970, passando pela fase da Cultura Racional – da qual ficou fascinado pela filosofia e que, após perder muito dinheiro, descobriu ser uma roubada e pulou fora – até seu “renascimento” com o álbum “Tim Maia Disco Club”.


Quem auxiliou nesse recorde foi o filho do cantor, Carmelo Maia, que também fez uma ponta no filme como um jornalista, entrevistando o ator que interpreta seu próprio pai. “É difícil tentar entender uma pessoa que você só vê para as câmeras”, pontuou Mauro. “Tim tinha uma personalidade muito clara quando a câmera estava ligada e nós só conhecemos esse material. Mas quem é o cara quando a câmera desliga? Quem é aquele cara na casa dele, tomando café da manhã com o filho? Ninguém registrou isso. Nesse ponto, precisei juntar informações e intuir algumas coisas. O Carmelo me ajudou muito nisso”.

Um artista, três faces 

As facetas de Tim Maia são tantas que, para dar conta, o diretor convidou dois atores para interpretá-lo. “Se você olhar para o Tim Maia em todas suas fases, ele aparece três pessoas diferentes”, explicou Mauro. 

Responsável por viver Tim no auge da carreira, Babu Santana parece ter nascido para esse papel. “Meu trabalho foi facilitado pela caracterização”, disse, de forma modesta, o ator. “Fiquei livre para pensar no lado emocional”. Babu também soltou a voz em algumas cenas, revelando talento e certa semelhança com o timbre raro de Tim.

Dando rosto à fase da adolescência e da descoberta musical, Robson Nunes está levando muitas coisas de sua experiência neste trabalho. “Ganhei quinze quilos a mais”, brincou. “Fora isso, interpretar um cara que fez o que quis em vida, te faz repensar alguns princípios. Faz você querer se permitir mais”, refletiu.


O elenco conta ainda com atuações de Alinne Moraes, esposa do diretor, que vive a personagem Janaína (um híbrido de dois amores na vida de Tim Maia), e Cauã Reymond, que interpreta Fábio, músico que tocou com o artista e que opera como narrador de sua história.


(Karen Lemos - Portal RedeTV!)

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Alceu Valença recorre ao cinema para dar poesia ao cangaço de Lampião


Em A Luneta do Tempo, projeto que durou 15 anos para ser concluído, artista pernambucano une cordel à narrativa cinematográfica

Quando o pai Décio de Souza Valença morreu, Alceu Valença lembrou das histórias que ele lhe contava quando pequeno; eram histórias sobre um passado marcado por fábulas e sangue e que, de tão encantadoras, fizeram o artista sentar-se na frente do computador para escrever um projeto que durou 15 anos para sair do papel. A demora, entretanto, valeu a pena.

Ainda sem saber muito bem o que fazer com o que tinha escrito, Alceu levou sua saga para as telonas após receber um incentivo de Walter Carvalho, renomeado fotógrafo de longas como "Carandiru" e "Madame Satã". “Isso aqui dá um filme”, bradou ao ler os rascunhos de Alceu.

Com uma visão profissional e cheia de poesia, o cantor e compositor pernambucano faz sua estreia no cinema com "A Luneta do Tempo", exibido durante a 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O universo do longa-metragem diz tanto sobre Alceu quanto seu protagonista: Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.

“Eu vivi nesse mato aí, sou lá do Sertão de Pernambuco”, já chegou dizendo Alceu, em conversa com a Revista O Grito!, que é de São Bento do Una, onde parte das filmagens foram realizadas. Sem poupar cangaceiros, vaqueiros, cavalo marinho, violeiros, poesia, cordel, circo e outros personagens da herança cultural nordestina, Alceu narra uma história de vingança que atinge três gerações diferentes. “O filme traz questões, metáforas, como a metáfora da vida e do tempo. A questão do tempo para mim – passado, presente e futuro – é tudo agora”, pontuou.

Com essa linha de pensamento, Alceu narra o confronto entre Severo Brilhante (Evair Bahia) – braço direito do bando de Lampião (Irandhir Santos) e Maria Bonita (Hermila Guedes) – e Antero Tenente (Aramis Trindade) pelas caatingas do Nordeste, bem como seus desdobramentos no futuro. Há, ainda, histórias paralelas, como a do poeta Severino Castilho que escreve um cordel a respeito de um encontro de Lampião e Maira Bonita no paraíso.

No elenco, além de nomes conhecidos do cinema nacional, como os já citados Irandhir e Hermila, Alceu também trouxe seus filhos, Ceceu, Juliano e Rafael, e amigos próximos, como os músicos Charles Teony e Ari de Arimatéia. “A escolha de atores foi muito natural, da forma como gosto. Veio quem estava perto de mim”, contou o diretor. Natural também foi o casamento entre música e cinema em "A Luneta do Tempo". Não estamos falando apenas da trilha sonora, escrita, claro, por Alceu. Os diálogos e boa parte dos sons, como tiros e passos, são todos ritmados como em uma sinfonia ou, melhor dizendo, como em um conto de cordel.

“Por ter tido essa ideia de fazer um musical, eu peguei todas as falas do roteiro e mostrei para os atores como fazer. Não fiz com a intenção de que eles me imitassem, mas queria que eles entendessem o tempo das falas, já que o filme foi todo feito em cima da música”, explicou Alceu, que tomou esse cuidado para que os atores soubessem usar pausas durante as rimas. “Não queria cansar o público”, pontuou.


Aos 68 anos, sendo 45 dedicados à música, Alceu tirou de letra a produção da trilha sonora (cerca de 80 músicas foram feitas para o filme). O mesmo não aconteceu com a direção, que necessitou de estudo, empenho e muita força de vontade para que a estreia fosse magistral.

“Dizem que o pessoal de cinema faz bullying com quem não é da área” declarou em tom bem humorado. “Então, fiz algumas aulas com Alessandra Alves, professora de cinema. Mas como eu não queria que meu filme fosse parecido com o de outras pessoas, fui estudar por mim mesmo; comecei a ver muitos filmes – alguns bons, outros ruins – e reparar na linguagem cinematográfica de cada um deles”, recordou o artista, que fez questão de participar de todo o processo para dar uma personalidade única ao seu projeto. “Nunca me curvei à indústria da música; com a indústria do cinema não seria diferente. Não faço nada por encomenda, respeito quem faz, mas eu não funciono dessa maneira. Queria fazer um filme meu. Pode ser ruim, pode ser o que for, mas é meu”.

Além de dirigir, Alceu também atua no longa-metragem na pele do palhaço Véio Quiabo; é uma atuação inspirada, revelando um talento do artista para a comédia. Não foi a primeira vez que Alceu mostrou seu lado ator. Em 1997 ele interpretou o próprio Lampião na novela "Mandacaru" ao lado de Daniela Mercury como Maria Bonita. Foi naquela época, inclusive, que Alceu guardou a roupa do cangaceiro como lembrança do trabalho que realizou na televisão. Mal sabia que ele que, anos depois, Lampião voltaria a cruzar seu caminho como nos versos do cordel de Severino Castilho: “Pela luneta do tempo, eu serei ressuscitado”, avisa o cangaceiro.

(Karen Lemos - Revista O Grito!)

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Exposição de Salvador Dalí mostra várias faces do artista catalão


Saindo do Rio de Janeiro, onde fez mais de um milhão de espectadores, a exposição Salvador Dalí – que reúne a maior retrospectiva do artista catalão que já passou pelo Brasil – chega a São Paulo no Instituto Tomie Ohtake.

Até o dia 11 de janeiro de 2015, o público poderá conferir obras provenientes de dois dos maiores colecionadores do pintor: Fundação Gala-Salvador Dalí e Museu Reina Sofia, ambos na Espanha. Diferente da temporada carioca, a exposição de São Paulo não terá obras do Museu Salvador Dalí, da Flórida; em contrapartida, outras raridades estarão disponíveis, como é o caso do valioso óleo sobre madeira “O espectro do sex-appeal” (1934), um dos grandes destaques da exposição na opinião de Carolina de Angelis, do núcleo de pesquisa e curadoria do Instituto.

“A obra é pequena, mas é de grande importância”, ressaltou em conversa com a Revista o Grito! durante a abertura do evento para convidados. “Quem conhece Dalí, reconhece suas características nessa obra: paisagem mineral, tons terrosos e uma figura meio monstruosa e meio humana que revela um medo da sexualidade, da libido, muito abordada por ele em sua arte”.

“O espectro do sex-appeal” está exposta entre outras 23 pinturas, 135 trabalhos entre desenhos e gravuras, 40 documentos, 15 fotografias e quatro filmes em um conjunto que demorou cinco anos para ser concebido. Dessa forma, o espectador terá contato com a produção de Dalí desde os anos 1920 até seus últimos trabalhos, o que torna possível a percepção de sua evolução técnica, suas influências e suas referências. 

Para Carolina, a amplitude alcançada pela curadoria mostra o quão versátil era a arte de Dalí. “A exposição não traz uma faceta específica dele”, explicou. “Não enfatizamos o Dalí pintor; o mostramos também como cineasta, como pesquisador – ele foi um grande pesquisador da ciência, da religião e da arte, estudando a holografia e buscas por terceiras dimensões na pintura – e também na literatura, cuja contribuição na área recebeu um grande enfoque nessa temporada”.

Dalí ilustrou de Dom Quixote a Alice 

De fato, há uma parte significativa da exposição dedicada à parceria entre Dalí e a literatura. Essa fatia do conjunto é uma grande atração para o público, já que a maioria conhece as histórias de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway, entre outros. Dalí fez gravuras para edições desses livros notórios, o que vai aumentar ainda mais o interesse do espectador.

“Além disso, há obras que abordam temas universais como a busca da pessoa amada, o existencialismo humano, dificuldades de se relacionar, e também temas despertam nossa curiosidade, como os sonhos e a psicanálise”, detalhou Carolina. Para ela, a figura excêntrica do artista também foi uma forma de parecer mais atrativo aos olhos de seu público. “A construção do personagem dele mostra muito isso. Ele estava preocupado em criar uma imagem que fosse muito divulgada e, dessa forma, aproximar as pessoas para que elas conhecessem suas obras”, explicou.

Contribuição no cinema 



A sétima arte também foi de interesse para o artista. É de grande estima, por exemplo, a parceria cinematográfica entre Dalí e o diretor surrealista Luís Buñel (1990 – 1983), que resultou nas obras O Cão Andaluz (1929) e A Idade do Ouro (1930), cujos excertos também estão expostos no Instituto.

Outra rica parceria se deu com o encontro do pintor com Alfred Hitchcock (1899 – 1980) em Quando Fala o Coração (1945), longa que apresenta cenas de sonhos desenhadas por Dalí. “Dalí era a melhor pessoa para realizar meus sonhos, é assim que os sonhos deveriam ser”, chegou a declarar Hitchcock ao comentar sobre o filme. Há ainda uma animação feita especialmente para a Disney, chamada Destino, que começou a ser pensada em 1945 e só terminou, proporcionalmente falando, em tempos recentes, no ano de 2003. O curta animado é uma verdadeira brincadeira entre aspectos provenientes do universo ímpar e singular do pintor.

Para finalizar, ainda é possível acessar uma obra interativa que, dado a sua complexidade, é necessário enfrentar um pouco de fila para dela usufruir. Trata-se de uma escultura de um enorme rosto em que se pode sentar-se na boca (que, na realidade, é um sofá) e tirar uma foto de dentro do rosto frente a um espelho – um recurso perfeito em tempos de selfies.

(Karen Lemos - Revista O Grito!)

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Festival celebra os 20 anos do Manguebeat no coração de São Paulo


Mundo Livre S/A

Há quem diga que nada fez – literalmente – tanto barulho nos últimos 20 anos na música brasileira do que o Manguebeat, movimento cultural surgido no Recife na década de 1990. Celebrar, então, as duas décadas do surgimento do gênero é uma responsabilidade e tanto que foi assumida pelo Festival Caranguejando, uma parceria do CCBB de São Paulo com a Baluarte Cultura.

Em um palco erguido em plena Praça do Patriarca, no coração do centro da capital paulista, oito artistas se reuniram para comemorar a data entre os dias 11 e 12 de outubro – um final de semana com direito a clima parecido com o do berço do Manguebeat, em que a máxima ficou entre os 30 graus.

No sábado, a banda paulistana Isca de Polícia abriu o evento convidando o carioca Serjão Loroza para o palco e, em seguida, um dos percussores do movimento, a Mundo Livre S/A, dividiu o espaço com Pedro Luís. Já no domingo foi a vez da banda Paraphernalia começar o dia com a brasiliense Ellen Oléria como convidada; na sequência, os recifenses do Mombojó fizeram sua homenagem na companhia do cantor Curumin.

Curadora do evento, Monica Ramalho explicou a diversificada seleção de artistas. “Queríamos uma banda seminal do Manguebeat, outra que demonstrasse que esse gênero continua vivo e ainda achamos interessante mostrar que o movimento também circula pelo país, pegando artistas do eixo Rio/São Paulo, sempre com convidados interessantes para fazer um tributo que não fosse óbvio”, ressaltou em conversa com a Revista O Grito!.

Primeiro dia: a autoestima de olhar o próprio umbigo 

Além de se apresentar no festival com a banda Isca de Polícia – que acompanhou a carreira de Itamar Assumpção (1949 – 2003) – Paulo Lepetit também assinou a direção musical do evento e, durante esse processo, ficou surpreso com as semelhanças de sonoridade e crítica social de Pernambuco com a vanguarda paulista. “Para o repertório, procurei músicas ‘irmãzinhas’, que se encaixavam pelo assunto ou pelo groove”, ressaltou Paulo, que recebeu Serjão Loroza, do Monobloco, no palco. “O Manguebeat mostrou autoestima ao olhar para o próprio umbigo e mostrar que o Brasil também é universal”, elogiou o cantor.

O show começou om um ‘mashup’ de “Não Há Saídas”, da Isca de Polícia, com “A Cidade”, da Nação Zumbi, provando que o discurso entre as duas bandas ultrapassa fronteiras. Músicas pré-Manguebeat, como “Papagaio do Futuro”, de Alceu Valença, e “Vendedor de Caranguejo”, de Gordurinha (1922 – 1969), também tiveram vez no roteiro.

Foi justamente com a canção “Manguebit”, que abre o primeiro disco "Samba Esquema Noise", que Fred 04 e a Mundo Livre S/A deram início ao tributo a uma história em que eles próprios ajudaram a escrever. “Passa um filme na minha cabeça”, definiu Fred, em conversa com O Grito!. “Eu cresci em uma geração que tinha várias ideias bacanas, mas que precisava se mandar, porque o Recife e o Nordeste viviam uma situação econômica e cultural de estagnação”, recordou. “Hoje, vivemos uma situação oposta; as novas bandas de Recife têm uma responsabilidade grande, porque o grau de interesse agora é maior”.


Mombojó

Após apresentarem outros trabalhos do grupo, como “Pastilhas Coloridas”, “O Mistério do Samba” e “Meu Esquema”, a Mundo Livre S/A ainda convidou Pedro Luís e presenteou o músico com uma nova roupagem para seu sucesso “Caio no Swing”. “Gostei muito da versão batizada de Manguebeat para essa música. Só vou tocar essa daqui pra frente”, brincou Pedro. “Esse gênero é de uma linguagem que tem muita personalidade. Fico honrado de ter sido chamado para fazer parte de um evento que celebra algo tão importante para a música”, concluiu o músico, que ainda teve o privilégio de dividir os vocais com Fred na música “Samba Makossa”, de Chico Science (1966 – 1997).

Segundo dia: mangue de formação 

Por ser tratar de uma banda instrumental, os músicos da Paraphernalia se preocuparam, principalmente, em pincelar canções do gênero que fossem melhor executadas na formação instrumental. “O forte do Manguebeat é o ritmo, a levada; e foi dessa forma que mostramos nossa versão e como enxergamos o movimento”, declarou Donatinho, tecladista do conjunto. Nada melhor do que abrir a apresentação com “Quilombo Groove”, uma das faixas do segundo disco de trabalho da Nação Zumbi e que explora muito bem o instrumental.

Com Ellen Oléria, o Paraphernalia trouxe voz para músicas representativas do Manguebeat, como “Mormaço” e “Blunt of Judah”, da Nação Zumbi, e “Cuba” e “Bob”, de Otto. “Sou muito influenciada pelo movimento. Em meu último disco gravei ‘Anunciação’, do Alceu Valença, já estava bebendo nessa fonte”, pontuou Ellen.

O último show do evento contou com uma banda representativa do gênero e um artista contemporâneo que recebeu influências da época em que o Manguebeat começava a ganhar seu espaço no mercado fonográfico. “Tenho 38 anos, portanto eu cresci sob essa atmosfera [de expansão do movimento]. Lembro que eu saia para curtir e o som do Manguebeat era sempre muito presente; fez parte da minha formação cultural”, explicou Curumin em entrevista a reportagem.

No palco, o paulistano e os músicos do Mombojó abriram o leque para vários artistas do movimento. Teve um pouco de tudo: “Computadores Fazem Arte”, da Nação Zumbi, “Dias de Janeiro” e “Ciranda de Maluco”, de Otto, “Coqueiros”, da banda Eddie, e “Punk Rock Hardcore”, do Devotos, além de “Casa Caiada”, “Pro Sol” e “Deixe-se Acreditar” do próprio Mombojó. “É uma honra poder tocar todas essas músicas sendo um nome que também representa esse movimento”, afirmou Marcelo Machado, guitarrista da banda. “Foi um show de fãs para seus representantes”, concluiu.

(Karen Lemos - Revista O Grito!)

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Uma conversa com Walter Carvalho: “minha obra principal é a próxima”


Foto: Carol Andrewsk

Com a fotografia assinada em mais de 70 produções, Walter Carvalho recebe uma merecida mostra com os principais filmes de sua carreira reunidas em A Luz (Imagem) de Walter Carvalho, em cartaz no Caixa Belas Artes de São Paulo até 15 de outubro.

Em um bate papo aberto ao público que contou também com a presença do cineasta Beto Brant (com quem trabalhou em "Crime Indelicado") e da jornalista Maria do Rosário Caetano, Walter falou da honra de ser homenageado e de poder fazer um balanço de sua trajetória em seus 35 anos – completos em 2014 – como fotógrafo de cinema. “Vendo novamente todos esses filmes reunidos, me lembrei de uma metáfora oriental. O camponês japonês sempre planta seu arroz de costas para o terreno vazio e de frente para a plantação, pois a preocupação não é com o que falta plantar, mas se o que está sendo feito está correto. Essa mostra fez com que o virasse para trás e pensasse isso”, resumiu Walter durante a conversa com o público.

“É algo curioso demais. Descobri que meu trabalho em alguns filmes significava uma coisa antes e agora significa outra. Alguns filmes eu até não entendia e, agora, consigo entender. Tem sido estimulante”.

Entre longas e curtas-metragens e alguns projetos para a televisão, a mostra acabou por traçar um panorama do cinema brasileiro dos últimos 40 anos por reunir obras conhecidas desse período da produção nacional como "Central do Brasil", "Carandiru", "Madame Satã", "Cazuza, O Tempo Não Para", "Lavoura Arcaica", "Amarelo Manga", "Janela da Alma", além de contemplar filmes dos mais diversos diretores como Walter Salles, Sandra Werneck, Ruy Guerra, Cláudio Assis, Julio Bressane, Karim Ainouz, entre muitos outros.

“Costumo dizer que minha obra principal é a próxima. Sou um mutante. Tendo dirigido a fotografia de filmes de diretores de várias origens, mais velhos ou mais novos do que eu, tive a possibilidade de trabalhar com a descoberta do criativo. Cinema você faz para ver como fica e você só descobre o que é quando acaba”, ressaltou.

O Nordeste nunca te deixa

Nascido em João Pessoa, na Paraíba, Walter se envolveu com o Cinema Novo e teve seu destaque a partir da Retomada. Embora atualmente more no Rio de Janeiro, sempre faz visitas a terra natal. “Existe um sistema de visão onde o objeto mais distante é o que te acompanha mais. Repare quando você está na estrada: a montanha lá no horizonte nunca te deixa, mas o poste ao lado passa tão rápido que você mal consegue vê-lo. Isso é o que acontece com o Nordeste dentro de mim – está longe, mas nunca me deixa”, declarou.

Em um desses retornos às suas origens, Walter teve a alegria de assinar a fotografia de uma das grandes obras do cinema da retomada: "Central do Brasil", do xará Walter Salles. “Uma das maiores felicidades para mim foi ter sido chamado para fazer esse filme. Na história, o personagem busca seu pai no sertão nordestino e, assim como ele, eu também estava em busca de alguma coisa, algo que eu introduzi no filme do Walter [Salles] ao voltar àquele lugar”, recordou. “Depois que ‘Central’ foi lançado, alguém me perguntou que filtro eu usei na fotografia do filme. Que filtro eu usei? Eu usei meu pai, o nordeste, a cor, a terra, o céu, enfim, não tem importância. Filtro é apenas um acessório, a fotografia do filme é muito maior do que a gente pode imaginar”.

Outra parceria no cinema também proporcionou um feliz reencontro de Walter com suas raízes. Durante o Festival de Brasília no ano em que "Baile Perfurmado", de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, foi exibido, Walter conheceu o irreverente Cláudio Assis no banheiro. Lá, os dois trocaram figurinhas e fecharam trabalhar juntos em um piloto para a televisão sobre o rio São Francisco (o projeto em questão era "Opara", de 1999). Ao viajarem para Recife para filmar, Cláudio mostrou a Walter sua ideia para o curta-metragem "Texas Hotel". A partir daí, surgiu uma bem sucedida parceria entre os dois que resultou nas obras "Amarelo Manga", "Baixio das Bestas" e "Febre do Rato". “Agora a gente deu uma parada, é que nem casamento sabe”, riu Walter ao ser questionado a respeito de sua ausência na direção de fotografia de "Big Jato", novo longa de Cláudio.

Estudos sobre a sujeira

Foi com Cláudio Assis que Walter provou não ter medo de ousar. A fotografia escura dos filmes do diretor pernambucano são tão únicas quanto a fotografia suja de "Cazuza, O Tempo Não Para", de Sandra Werneck. A ‘sujeira’, aliás, ele conta, foi totalmente proposital. “A ideia surgiu quando li alguns livros sobre Cazuza escritos por sua mãe, Lucinha Araújo. Descobri que Cazuza gostava de fotografia e gostava de ser fotografado, então sugeri fazermos uma fotografia como se fosse o próprio fotografando: de uma forma ‘errada’, amadora, mas, justamente por isso, com muito amor”, contou Walter que, neste longa, deu oportunidade para seu filho, Lula Carvalho, seguir seus passos. Hoje, Lula é também um renomado fotógrafo de cinema cujo último trabalho foi em "As Tartarugas Ninjas", de Michael Bay. “Na época do ‘Cazuza’ eu dizia no ouvido dele: ‘Você não está empunhando uma câmera, mas uma guitarra desafinada”, recordou, aos risos. Mesmo com uma fotografia fora dos padrões, “Cazuza” fez mais de três milhões de espectadores, provando que os ‘riscos’ assumidos por Walter desde o início valeram a pena.

Há muitos exemplos como esses na filmografia de Walter. E sempre haverá, já que estamos falando de um fotógrafo incansável no auge de seus 67 anos. Este ano, ele concluiu "O Rebu", minissérie para a televisão cuja fotografia foi muito elogiada pela crítica, está lançando seu documentário "Brincantes", sobre o músico pernambucano Antonio Nóbrega, enquanto prepara outro filme batizado de "Um filme de Cinema” e deve ainda lançar um livro intitulado "Contrastes Simultâneos". Mesmo depois de muito trabalho, ele continua na ativa – e não dá sinais de que irá parar.

“Sempre digo que fotografia não se aprende, fotografia se pratica. Se eu descobri que aprendi e sei fotografar, minha vida ficará sem sentido, porque eu sei, oras! Qual é a graça?”, brincou ao abrir a mostra em sua homenagem.

(Karen Lemos - Revista O Grito!)

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Exposição de fotos inéditas traz a figura humana por trás da artista Frida Khalo


Encontradas em um banheiro da Casa Azul (residência na qual morou no bairro de Cocoyacán, na Cidade do México) e guardadas com muito zelo e apreço, as fotografias de Frida Kahlo são tão reveladoras quanto as pinturas que a imortalizaram como um dos grandes nomes da arte hispânica.

Reunidas na exposição Frida Kahlo – as suas fotografias que está rodando o mundo, os registros fotográficos chegam pela primeira vez no Brasil no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, e mostram uma faceta curiosa e até inédita, mesmo se tratando de uma mulher que nunca temeu se expor.

“São retratos intimistas que possibilitam que o público vivencie as emoções de Frida nas fotos, isso trouxe algo a mais para esta exposição”, explica Estela Sandrini, diretora cultural do museu que está celebrando o grande sucesso da mostra: mais de 90 mil pessoas já conferiram a exposição (em uma média de 30 mil pessoas por mês); por conta disso, a exibição foi prorrogada e poderá ser visitada até o dia 30 de novembro.

“O curioso é que essa coleção foi exposta sem saber ao certo como o público iria vê-la. Poderia até passar despercebida, mas acreditamos na proposta, apostamos em seu sucesso e deu certo”, ressaltou Sandrini, que apontou a história de vida de Frida – que sofreu um grave acidente aos 18 anos, sua postura diante de tanto sofrimento e da superação ao fazer da dor uma arte como razões para o êxito da mostra.

São 241 imagens divididas em seis seções que tratam de aspectos importantes da trajetória da artista, principalmente porque Frida teve contato com a fotografia quase que a vida toda: ela foi retratada desde a infância por seu pai e pelo avô materno (que eram fotógrafos), por amigos profissionais como a alemã Gisèle Freund e o húngaro Nickolas Muray e também por sua paixão pelo autorretrato – bastante abordada em seus quadros – uma ‘mania’ que herdou do próprio pai. Como nunca foram exibidas antes, muitas dessas fotografias são inéditas – o que garante algumas gratas surpresas. “Existe um registro de Diego Rivera (famoso pintor mexicano e grande amor da vida de Frida) que ela guardou com a marca de um beijo. Os dois tiveram um casamento aberto bastante conturbado e, mesmo assim, Frida sempre teve uma paixão por ele, uma paixão que nunca morreu”, destacou Estela Sandrini.


Saiba mais sobre as seções da mostra:

Origens – Os Pais 
A seção destaca a família de Frida; são registros antigos – porém bem preservados – que mostram os avós maternos da pintora e seus pais Matilde Calderón e Guillermo Kahlo.

Casa Azul 
Aparecem aqui os primeiros registros fotográficos de Frida que, ainda pequena, posava para as lentes de seu pai. Há também retratos de reuniões familiares e entre amigos que aconteciam na Casa Azul – onde hoje funciona o Museu Frida Kahlo.

Corpo Acidentado
A mais dolorida e, sobretudo, mais surpreendente seção da mostra. Traz imagens da época do acidente que sofreu em 1925 quando o ônibus em que viajava se chocou com um bonde. Na tragédia, Frida sofreu diversas fraturas, passou por muitas intervenções cirúrgicas (35 no total) e precisou permanecer imóvel durante muito tempo em sua cama. No leito da dor, a artista posou para Nickolas Muray durante seu período de recuperação.

Amores 
Espaço dedicado às paixões de Frida como amigos íntimos, familiares e amantes. Há registros curiosos, como uma fotografia em que a artista aparece aos beijos com um rapaz fardado cuja identidade não é divulgada. Diego Rivera, claro, surge em várias imagens ao lado de declarações de sua companheira. “Na minha vida tive dois acidentes, num deles um bonde me atropelou… O outro acidente é Diego”, pontuou Frida em uma de suas citações.

Fotografia 
Trata-se de um numeroso arquivo reunido em vida que se estende a raridades como cartões de visita do século XIX, imagens assinadas por grandes nomes da fotografia, como Man Ray, e retratos atribuídos a Frida que revelam seu talento também na arte fotográfica.

Luta Política 
A sexta e última seção da exposição aborda o lado político de Frida, que era comunista. As imagens, na verdade, são recordações de Diego que colecionava registros sobre o tema, como o cotidiano de Berlim e Rússia no período de existência da União Soviética e retratos de líderes e pensadores marxistas como Lenin, Stalin e Trotsky (este último, vale lembrar, teve um rápido envolvimento com Frida na ocasião em que morou na Casa Azul).

Além de expor a artista e a figura por trás da artista, “Frida Kahlo – as suas fotografias” salienta a importância de uma contribuição cultural sem preço, que flertou com surrealismo e a vanguarda, sugando elementos folclóricos dos astecas e de indígenas mexicanos, e que agora está eternizada não somente em quadros, mas também na fotografia – ferramenta mais efetiva contra o esquecimento. “A exposição é uma oportunidade para conhecer Frida da forma como ela mesma se via – ela se mostrou por inteira nessa exposição”, concluiu Sandrini.

(Karen Lemos - Revista O Grito!)