segunda-feira, 28 de julho de 2014

Noite de prêmios da sexta edição do Festival de Cinema de Paulínia

Camilo Cavalcante, diretor de "A História da Eternidade", é premiado em Paulínia

A História da Eternidade”, de Camilo Cavalcante, foi o grande vencedor da sexta edição do Festival de Cinema de Paulínia. A premiação aconteceu na noite deste domingo (27) no teatro municipal da cidade.

“Esse filme fala de amor, foi feito com amor e encontrou muito amor aqui em Paulínia”, declarou o diretor pernambucano ao subir ao palco para receber o troféu de melhor filme e melhor direção.

Os prêmios de ator e atriz também ficaram para o longa-metragem. Irandhir Santos, que vive Joãozinho na ficção, foi agraciado por sua atuação. Em uma decisão inédita, as três atrizes principais do filme foram premiadas: Zezita Matos, Marcélia Cartaxo e Débora Ingrid dividiram a honra. “É uma emoção muito grande receber este prêmio em nome de minhas companheiras”, disse Zezita.

Marcello Novaes, um dos astros de “Casa Grande”, foi considerado o melhor ator coadjuvante dos filmes que passaram pelo festival. Por conta de compromissos profissionais, ele não pode estar presente no evento. Clarissa Pinheiro, também de “Casa Grande”, levou o troféu de atriz coadjuvante na pele de uma surpreendente empregada doméstica.

O grande homenageado da noite foi Cacá Diegues por seu conjunto de obra e sua significativa contribuição para o cinema brasileiro. “Quando você começa a receber homenagens, é um sinal de que você está velho”, brincou o cineasta, arrancando risos da plateia. “Mas vou decepcioná-los, porque não vou pedir minha aposentadoria ainda. Meu grande amor pelo cinema me faz continuar a fazer filmes", pontuou.

Confira todos os vencedores: 

Longa-metragem: 
Melhor filme: “A História da Eternidade”
Melhor direção: Camilo Cavalcante, de “A História da Eternidade”
Melhor atriz: Zezita Matos, Marcélia Cartaxo e Débora Ingrid, de “A História da Eternidade”
Melhor ator coadjuvante: Marcello Novaes, de “Casa Grande”
Melhor atriz coadjuvante: Clarissa Pinheiro, de “Casa Grande”
Melhor figurino: “Sangue Azul”
Melhor trilha sonora: “Sinfonia da Necrópole”
Melhor direção de arte: “Boa Sorte”
Melhor som: “Castanha”
Melhor montagem: “Aprendi a Jogar com Você”
Melhor fotografia: “Sangue Azul”
Melhor roteiro: “Casa Grande” 

Curta-metragem:
Melhor filme: “O Clube”
Melhor direção: “O Clube”
Melhor roteiro: “Edifício Tatuapé Mahal”
Prêmio especial do júri: “Bom Comportamento”

Escolha do público: 
Longa-metragem: “Boa Sorte”
Curta-metragem: “O Clube”

Prêmios da crítica: 
Longa-metragem: “A História da Eternidade”
Curta-metragem: “O Clube”

(Karen Lemos - Portal RedeTV!)

"A História da Eternidade" surpreende com Sertão real, duro, mas também belo


Longe dos avanços tecnológicos e do crescimento vertical visto nas grandes cidades do país está Santa Fé, um pequeno vilarejo a 60 quilômetros de Petrolina. Lá, Joãozinho tenta fazer sua arte, sempre vigiado de perto por moradores tradicionalistas da vila. Enquanto isso, Alfonsina sonha em ver o mar e Das Dores ainda se castiga por um desejo sexual reprimido.

Três histórias paralelas que ocorrem no mesmo lugar dão conta de abrir o leque da representação do Sertão nordestino – nem sempre apresentado com devida franqueza pelo cinema brasileiro – no longa-metragem "A História da Eternidade", exibido na noite de sábado (26) no Festival de Cinema de Paulínia.

Criador do projeto “Cinema Volante Luar do Sertão”, que leva o audiovisual para o Sertão, o diretor Camilo Cavalcante não poderia ter encontrado lugar mais adequado para abordar questões que presenciou enquanto viajava por muitos vilarejos castigados pela seca.

“O filme ajuda a perceber o quanto deste milagre econômico no Brasil é, na verdade, uma farsa. Estamos vivendo um desenvolvimento mentiroso”, afirmou o cineasta em entrevista coletiva no evento. “Prédio alto em Recife não é desenvolvimento. Existe uma confusão de que desenvolvimento é obra e nunca pensam no resultado disso”.

A falta de avanço, no entanto, traz relações mais honestas e diretas, segundo Camilo, ainda que elas sejam traçadas pelo único orelhão existente em Santa Fé. “Não chegou o celular ainda lá. Esse Nordeste onde não tem modernidade alguma é real e concreto”, ressaltou.

"A História da Eternidade" nasceu há 12 anos de um projeto que se iniciou com uma curta-metragem de mesmo nome. Durante todo esse tempo, Camilo criou dogmas e não abriu mão deles até a conclusão do filme. Uma das “teimosias” do cineasta se revelou como um dos momentos mais belos do filme.

A câmera não se move até que Joãozinho, o artista citado no início do texto e brilhantemente interpretado por Irandhir Santos, dança embalado por “Fala”, do Secos & Molhados, diante de um vilarejo conservador, chocando com tamanha ousadia. A partir daí, tudo passa a rodar em travellings. Durante a cena, a plateia de Paulínia aplaudiu, por três vezes, a beleza da sequência.

“Fiquei com receio de que os primeiros 50 minutos do filme se tornassem chatos por não ter nenhum movimento de câmera. Mas, valeu a pena. O resultado ficou potente e, quando a câmera roda, o público voa junto em uma sensação libertária”, definiu Camilo.

Este não foi o único ponto alto do filme, que também emocionou com o desejo de Alfonsina (Débora Ingrid) em finalmente conhecer o mar – ainda que de forma simbólica. Alfonsina, aliás, parece ser uma das poucas moradoras do vilarejo que consegue se livrar dos paradigmas do Sertão ancestral. Das Dores (vivida pela prestigiada atriz do teatro paraibano Zezita Matos) ainda precisa se autoflagelar logo após folhear uma revista pornográfica trazida por seu neto (Maxwell Nascimento, de Querô) vindo de São Paulo para se esconder no vilarejo após envolver-se com o crime na capital paulista.

Mesmo cercado por ótimas atuações do grande elenco, é mesmo Irandhir Santos quem rouba a cena. O ator, que não pode estar presente na coletiva, teve a genialidade de sua criação para o personagem de Joãozinho dissecada pelo diretor.

“Irandhir sempre mergulha fundo nas propostas”, afirmou Camilo. “Para o personagem, que é um artista epilético, ele se atentou aos detalhes e bordou uma uma camisa com nomes de artistas epiléticos conhecidos, além de ter criado um manto feito com caixas de remédios para tratar a doença”. O manto, aliás, está presente na cena em que Joãozinho dança ao som da voz de Ney Matogrosso.

A trilha é também um show a parte. Além de surpresas como “Forever”, do grupo Pholhas, e “Foi Você”, composição de Raul Seixas na voz e no ritmo brega de Marcio Greyck, “A História da Eternidade” conta com composições de Dominguinhos (1941 – 2013) e de Zbigniew Preisner, parceiro do diretor polonês Krzysztof Kieslowski (1941 – 1996).

(Karen Lemos - Revista O Grito!)

Lírio Ferreira filma paixão proibida entre irmãos em "Sangue Azul"


Sem produzir um longa-metragem desde 2005 e longe da ficção desde 2009, o pernambucano Lírio Ferreira estava sentindo falta de algo. “Queria ter gente se bulindo na minha frente de novo”, riu o cineasta ao enumerar os motivos que o levou a realizar "Sangue Azul", seu novo trabalho cuja estreia aconteceu na noite de sexta-feira (25) no Festival de Cinema de Paulínia, no interior de São Paulo, e foi dedicada à Ariano Suassuna (1927 – 2014).

“Eu tinha um desejo de filmar alguma coisa assim depois de tanto tempo fazendo documentários”, acrescentou Lírio, cujos últimos trabalhos foram "O Homem que Engarrafava Nuvens", sobre o compositor Humberto Teixeira, e "Cartola – Música para os Olhos", que foca na vida e obra de um de nossos mais célebres sambistas.

O diretor retorna à sua velha poesia cinematográfica – aquela que marcou o cinema brasileiro e trouxe destaque à produção pernambucana com "Baile Perfumado" em parceria com Paulo Caldas – ao contar a história de Zolah (Daniel de Oliveira), artista de circo que deixou a ilha na qual morava para ganhar o mundo se apresentando como o homem bala da trupe. Seu retorno à terra natal traz sombras do passado, entre elas, uma paixão proibida que nutre por sua irmã Raquel (vivida por Caroline Abras).

Não é um filme fácil. Indigesto em alguns momentos e altamente erótico em outros, poucos espectadores – desavisados sobre o tema do filme – levaram suas crianças e, no meio da sessão, deixaram a sala muito antes de seu término. Foram exceções. Grande parte do público permaneceu na sala praticamente lotada e aplaudiu a obra logo após sua projeção.

O cineasta Lírio Ferreira

A desistência de algumas pessoas da plateia já era algo esperado na visão do cineasta. “Fazer cinema é uma atividade de risco, é o sair da zona de conforto”, explicou. “Jogo minhas cartas e tento fazer com que façam sentido com o que propus no roteiro”.

Protagonista de grande parte das cenas mais quentes, Daniel de Oliveira saiu em defesa da obra: “As cenas foram colocadas no filme de forma bonita e natural. Em outros filmes que eu fiz, eu senti algo mais pesado. O Lírio é muito delicado para mostrar as coisas”, explicou o ator que, em 2009, gravou cenas de incesto entre pai e filho para A Festa da Menina Morta de Matheus Nachtergaele.

“Esse lugar vai me deixar louco” 

A ilha de Fernando de Noronha foi escolhida como cenário da trama. Suas belezas contrastam com os dramas de seus moradores e visitantes. “Esse lugar vai me deixar louco”, chega a dizer um dos artistas do circo no longa-metragem.

A forma como o local é apresentado é uma das mais belas já realizadas pelo cinema. O filme começa em preto e branco (quase temos a impressão que será assim ao longo da projeção), porém, com a explosão do canhão e o voo do homem bala, tudo ganha cores: o circo, a lona, a plateia e, em cenas posteriores, as árvores, a areia e o mar de Fernando de Noronha.

“Tinha um receio de filmar no paraíso e deslumbrar logo de cara”, explicou Lírio, que criou um artifício para não entregar logo os pontos. “Pensei em uma maneira de filmar os 15 minutos iniciais sem deixar o espectador inebriado com as imagens lindas da ilha”. A sequência veio de lembranças que Lírio guardou na mente. “Acho que vi isso acontecendo em Ivan, o Terrível, de [Sergei] Eisentein’”, recordou. Muitas das cenas foram pensadas assim, resgatando ricas referências de sua memória. “São os caboclos que descem”, brincou Lírio ao ser questionado sobre o assunto.

Sobre o tipo de arte que produz, Lírio foi enfático ao ressaltar sua preocupação (ou falta dela) com a obra viva e aberta. “Eu gosto de fazer um cinema solto”, definiu. “Talvez seja mais arriscado, mas gosto de deixar aberto, com buracos no meio, sem costurar, sem portas fechadas, sem certeza absoluta. Dá para assistir 'Sangue Azul' daqui 10 anos e perceber novas coisas”, pontuou.

"Sangue Azul" ainda traz em seu elenco Ruy Guerra, Paulo César Pereio, Milhem Cortaz e Matheus Nachtergaele em ótimas atuações coadjuvantes, além da premiada em Cannes Sandra Corveloni, que interpreta a mãe dos irmãos, responsável pela separação prematura de seus filhos ainda na infância. Vale destaque também a participação especial da cirandeira Lia de Itamaracá, que emociona ao cantar rodeada pelos personagens em um momento chave do filme.

(Karen Lemos - Revista O Grito!)

Deborah Secco traz o debate da AIDS ao cinema: "O tema banalizou"


Ao ler os versos do conto "Frontal com Fanta", de Jorge Furtado, Deborah Secco se viu diante da oportunidade que esperou chegar em seus 26 anos de carreira como atriz, que inclui prestigiados trabalhos na televisão e no cinema.

Quando descobriu, através de uma amiga, que Carolina Jabor - filha de Arnaldo Jabor que estreia em seu primeiro longa-metragem de ficção - iria dirigir "Boa Sorte", filme baseado no conto, ela deixou a vaidade de lado e, mesmo com seu vasto currículo, pediu para fazer um teste com a intenção de convencer a diretora a escalá-la como Judite, protagonista da história.

"Eu li o conto e fiquei louca pela Judite", declarou Deborah em entrevista nesta sexta-feira (25) durante o Festival de Cinema de Paulínia, onde o longa foi exibido na noite anterior e arrancou muitos aplausos do público. "Quando soube que Carolina iria dirigi-lo, eu precisava de uma chance. Eu cheguei a falar para minha amiga: 'a atriz desse filme sou eu! Ela precisa me chamar'", recordou, aos risos.

Não precisou de muito para fazer com que a diretora acreditasse que era ela quem tinha que dar vida a personagem principal da história. "A força de vontade dela em fazer esse trabalho me impressionou muito", afirmou Carolina.

Dessa forma, Deborah ganhou o papel de uma mulher que colhe os frutos de uma vida regada a drogas e sexo. Internada em uma clínica, acaba conhecendo João (vivido por João Pedro Zappa), com quem vive um surpreendente amor. Completam ainda o elenco Gisele Fróes, Felipe Camargo e Cássia Kis Magro em ótimas atuações, e Fernanda Montenegro, sempre encantadora, no papel da avó de Judite.

Temática relevante 

Não é só de história de amor que vive "Boa Sorte". Entre suas abordagens, estão duas que, para o elenco, são tão relevantes quanto um romance que desabrocha de forma inesperada em um ambiente inóspito. Primeiro, o filme lida com a procura, cada vez mais preocupante, dos jovens por medicamentos. "Os jovens estão buscando isso muito cedo, mas eu acho importante lidarmos com a dor. Aprendemos muito com ela", opinou Deborah.

É a personagem da atriz, inclusive, que abre discussão para o segundo tema de maior importância do longa. A AIDS. Portadora do vírus HIV, Judite chega em um momento oportuno para se discutir o assunto. "Tive uma preocupação ao falar disso porque muitos jovens hoje agem como se a doença tivesse cura e não tem", ressaltou Deborah. "As taxas de mortalidade vem aumentando e, no Brasil, o risco de contaminação está crescendo (cresceu 11% segundo último relatório feito pela ONU)", destacou. "A doença ainda mata, ainda é cruel e ainda gera preconceito. Essa geração de jovens não viu de perto as perdas que a AIDS causou. A discussão está banalizada e eu fico lisonjeada de levantar essa bandeira de novo".


 João Pedro Zappa e Deborah Secco na coletiva de "Boa Sorte" 

A doença em questão precisava ser retratada, também, no físico da atriz. Para tanto, Deborah emagreceu 11 quilos para conquistar o aspecto abatido que precisava em sua Judite. Embora a aparência raquítica impressione, esse não foi o ponto alto de sua preparação para o filme.

"Não teve essa relevância toda como a imprensa colocou", pontuou. "Me disponibilizar fisicamente foi difícil sim, mas não foi o mais sacrificante". Para ela, transbordar a alegria de viver em uma personagem cuja própria vida castigou, foi de longe mais penoso. "Eu trouxe a morte para o físico, mas tive que trazer a vida para o espírito", explicou.

Novos rumos 

Como começou a atuar muito cedo, aos oito anos de idade, foi difícil para Deborah conduzir a carreira de forma autoral, escolhendo seus papéis e trilhando um caminho que gostaria de seguir artisticamente. "Não era bem isso o que eu queria, mas foi ótimo chegar até aqui", ressaltou.

Estabilizada financeiramente, a atriz pretende explorar rumos mais desafiadores, ainda que isso coloque em jogo o que conquistou até o momento. "Não foi uma carreira errada, foi certa, mas agora quero algo diferente. Quero poder escolher as mulheres que vou viver", concluiu.

(Karen Lemos - Portal RedeTV!)

terça-feira, 22 de julho de 2014

Filme inédito com José Wilker abrirá 42º Festival de Cinema de Gramado


"Isolados", produção inédita e último trabalho para os cinemas de José Wilker, abrirá a 42º edição do Festival de Cinema de Gramado, que começa no dia 8 de agosto e vai até o dia 16 do mesmo mês na cidade da serra gaúcha.

Além do ator, morto em abril deste ano e que já integrou a curadoria e apresentou edições do festival, o elenco também traz Bruno Gagliasso e Regiane Alves interpretando os personagens da ficção.

Com direção de Tomas Portella, "Isolados" conta a história de um jovem psiquiatra que se apaixona por uma ex-paciente. Juntos, decidem viajar para uma região de montanhas em busca de certa tranquilidade, quebrada por uma série de assassinatos que acontecem no local. O longa é mais um exemplo da aposta do cinema brasileiro no gênero suspense.

Homenageados e destaques 

Além do filme de abertura, o Festival de Gramado também divulgou as personalidades que serão homenageadas no evento. Rodrigo Santoro será contemplado com o troféu Cidade Gramado, Flávio Migliaccio receberá o troféu Oscarito, Walter Carvalho - que já assinou a fotografia ou a direção de mais de 100 produções - vai ser homenageado com o Troféu Eduardo Abelin, enquanto que o ator franco-argentino Jean Pierre Noher será agraciado com o Kikito de Cristal.

A programação deste ano traz diversos destaques como "A Despedida" com Juliana Paes, "Infância" com Fernanda Montenegro, "Luneta do Tempo" com direção de Alceu Valença e Irandhir Santos vivendo Lampião, além do documentário "Esse Viver Ninguém me Tira" assinado por Caco Ciocler.

(Karen Lemos - Portal RedeTV!)

quarta-feira, 2 de julho de 2014

O novo Cinema Pernambucano ganha sua maior mostra em São Paulo


Até o dia 10 deste mês, o CCBB de São Paulo exibe O Novo Cinema Pernambucano – uma retrospectiva da retomada do cinema pernambucano no Brasil, pontuada por "Baile Perfumado", de 1997, dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas.

A pluralidade deste cinema, cuja merecida visibilidade é muito contestada, é apresentada em 16 longas-metragens e 13 curtas-metragens, entre ficção e documentário, assinados por prestigiados nomes do cinema produzido em Pernambuco. Tendo como plano de fundo ou muitas vezes mergulhando de cabeça nas histórias de uma sociedade que ainda traz resquícios de uma era patriarcal e que sofre com problemas como violência, urbanização desenfreada e desordenamento imobiliário, tais filmes não encontram dificuldade em surpreender e conquistar seu espectador.

Foi assim com Marina Pessanha, curadora da mostra que se encantou com a cinematografia pernambucana ainda na adolescência. “Fui percebendo como em quase todos os filmes vindos de Pernambuco havia uma ousadia estética e temática”, contou Marina à Revista O Grito! “Este cinema é, para mim hoje, o mais interessante que vem sendo produzido no Brasil”, acrescentou.

Marina fez uma seleção de filmes produzidos no Estado nos últimos dezessete anos. Obras conceituadas como "Amarelo Manga", de Cláudio Assis, e "Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho, foram contempladas, mas não só. Produções pouco exibidas, ou que passaram apenas em festivais de cinema (caso da maioria dos curtas-metragens) entraram na seleção para que o cinéfilo tivesse a chance de assistir a algumas obras pela primeira vez na tela do cinema.

“Os documentários, ao meu ver, são menos difundidos que as ficções”, declarou Marina, que selecionou preciosidades como "Avenida Brasília Formosa", "Doméstica" – ambos de Gabriel Mascaro – e "Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas", de Paulo Caldas e Marcelo Luna, “E, finalmente, os curtas dos diretores mais consagrados e dos novos diretores, que são filmes que nunca entraram em cartaz”, disse ainda a curadora da mostra que traz curtas poucos difundidos como "Soneto do Desmantelo Blue", de Cláudio Assis e "Clandestina Felicidade", de Marcelo Gomes. "Recife Frio", hit em festivais, de Kleber Mendonça Filho, também está presente.

Baile Perfumado

Da retomada até aqui

Embora ‘nascidos’ no mesmo Estado, os filmes da cinematográfica pernambucana não seguem uma lógica linear. Com linguagens, temática e abordagens diferentes, fica difícil traçar pontos comuns, a não ser pelo fato de boa parte dessas obras colecionar prêmios e passagens por festivais e eventos de cinema no mundo – como Cannes, Veneza, Berlim, Sundance – e no Brasil – Gramado, Paulínia, Brasília, mostras do Rio de Janeiro e São Paulo são alguns exemplos.

Essa credibilidade foi conquistada desde a retomada com "Baile Perfumado", embora o roteirista do filme, Hilton Lacerda, não veja a questão por este ângulo. “Marca um momento muito importante do cinema brasileiro, e não de uma possível retomada pernambucana”, afirmou em entrevista à reportagem. “Devemos lembrar que, quando ‘Baile Perfumado’ foi lançado no Festival de Brasília de 1996, a produção cinematográfica estava bastante reduzida”, recordou. “O momento era oportuno”.

Em suma, "Baile Perfumado" escancarou à inquietação dos realizadores pernambucanos na época, mas qual é a sua verdadeira importância até os dias de hoje? “Creio que a maior herança, além da sua originalidade e o diálogo com o universo musical, foi impor uma forma de produção; inverter a lógica produtiva de outras cinematografias e apostar no risco narrativo”, afirmou.

Também como roteirista, Hilton deixou sua marca através da riquíssima parceria com o cineasta Cláudio Assis, contemplado na mostra com os seguintes filmes: "Amarelo Manga", "Baixio das Bestas" e "Febre do Rato".

“Cláudio é uma pessoa cheia de desejos e vontades e, de certa maneira, eu contribuo na articulação dos pensamentos dele”, resumiu Hilton. “Que ele é uma pessoa de excessos, é fato. Mas tem uma porção de gentileza muito interessante com ele. E acredito que é essa mistura, essa contradição, quem melhor revele nossa longa relação”, definiu ainda.

Tatuagem

Seu mais recente trabalho – desta vez como diretor, "Tatuagem", colhe até agora frutos de todo esse empenho dos realizadores de Pernambuco. Além de sucesso de público e crítica, ganhou a simpatia da capital, Recife, onde ficou em cartaz no Cinema São Luiz por 20 semanas e atingiu recorde de espectadores. Foram mais de seis mil pessoas na histórica sala da Rua da Aurora.

“Fico muito envaidecido com o resultado, com o impacto que o filme alcançou”, pontuou. “E espero que esse momento não seja o fim de nossas ambições, mas o início de uma nova investida. Não estamos sozinho nessa caminhada. Outras cinematografias têm apostado na ousadia de produção e de temática para mostrar que é possível pensar o cinema em vários níveis de complexidade”, concluiu Hilton, que aposta em uma mudança nas políticas de exibição e distribuição para colocar, cada vez mais, o cinema pernambucano no ‘mapa’ do circuito nacional.

Ganhando público 

O sucesso de filmes como "Tatuagem" e "O Som ao Redor", este último indicado pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil no Oscar deste ano (ficou apenas na indicação), chamou atenção de um público que já olhava com simpatia para este cinema.

O Som Ao Redor

Em uma sessão da mostra, na exibição de "Eles Voltam", de Marcelo Lordello, espectadores revelaram sua admiração e curiosidade diante de um cinema que, não é exagero dizer, desponta como o mais autoral da produção nacional.

“A particularidade do cinema pernambucano contrasta com qualquer outra cinematografia. E isso me agrada muito, porque é um olhar diferente sobre o Brasil”, opinou o historiador Leonardo Carmo, que antes de "Eles Voltam" havia assistido ao documentário "Domésticas", de Kleber Mendonça Filho. “É um tipo de cinema que batalha por uma linguagem afinada com a realidade do Brasil atual”, comentou ainda.

Ao invés de elogios, o professor José Cabral – assíduo cinéfilo e admirador do cinema pernambucano – chamou atenção novamente para a questão da visibilidade. “Está há anos luz da merecida. Seu público ainda é extremamente reduzido, infelizmente”, disse, como quem espera que a mostra ajude a mudar um pouco este cenário.

(Karen Lemos - Revista O Grito!)