segunda-feira, 28 de julho de 2014

"A História da Eternidade" surpreende com Sertão real, duro, mas também belo


Longe dos avanços tecnológicos e do crescimento vertical visto nas grandes cidades do país está Santa Fé, um pequeno vilarejo a 60 quilômetros de Petrolina. Lá, Joãozinho tenta fazer sua arte, sempre vigiado de perto por moradores tradicionalistas da vila. Enquanto isso, Alfonsina sonha em ver o mar e Das Dores ainda se castiga por um desejo sexual reprimido.

Três histórias paralelas que ocorrem no mesmo lugar dão conta de abrir o leque da representação do Sertão nordestino – nem sempre apresentado com devida franqueza pelo cinema brasileiro – no longa-metragem "A História da Eternidade", exibido na noite de sábado (26) no Festival de Cinema de Paulínia.

Criador do projeto “Cinema Volante Luar do Sertão”, que leva o audiovisual para o Sertão, o diretor Camilo Cavalcante não poderia ter encontrado lugar mais adequado para abordar questões que presenciou enquanto viajava por muitos vilarejos castigados pela seca.

“O filme ajuda a perceber o quanto deste milagre econômico no Brasil é, na verdade, uma farsa. Estamos vivendo um desenvolvimento mentiroso”, afirmou o cineasta em entrevista coletiva no evento. “Prédio alto em Recife não é desenvolvimento. Existe uma confusão de que desenvolvimento é obra e nunca pensam no resultado disso”.

A falta de avanço, no entanto, traz relações mais honestas e diretas, segundo Camilo, ainda que elas sejam traçadas pelo único orelhão existente em Santa Fé. “Não chegou o celular ainda lá. Esse Nordeste onde não tem modernidade alguma é real e concreto”, ressaltou.

"A História da Eternidade" nasceu há 12 anos de um projeto que se iniciou com uma curta-metragem de mesmo nome. Durante todo esse tempo, Camilo criou dogmas e não abriu mão deles até a conclusão do filme. Uma das “teimosias” do cineasta se revelou como um dos momentos mais belos do filme.

A câmera não se move até que Joãozinho, o artista citado no início do texto e brilhantemente interpretado por Irandhir Santos, dança embalado por “Fala”, do Secos & Molhados, diante de um vilarejo conservador, chocando com tamanha ousadia. A partir daí, tudo passa a rodar em travellings. Durante a cena, a plateia de Paulínia aplaudiu, por três vezes, a beleza da sequência.

“Fiquei com receio de que os primeiros 50 minutos do filme se tornassem chatos por não ter nenhum movimento de câmera. Mas, valeu a pena. O resultado ficou potente e, quando a câmera roda, o público voa junto em uma sensação libertária”, definiu Camilo.

Este não foi o único ponto alto do filme, que também emocionou com o desejo de Alfonsina (Débora Ingrid) em finalmente conhecer o mar – ainda que de forma simbólica. Alfonsina, aliás, parece ser uma das poucas moradoras do vilarejo que consegue se livrar dos paradigmas do Sertão ancestral. Das Dores (vivida pela prestigiada atriz do teatro paraibano Zezita Matos) ainda precisa se autoflagelar logo após folhear uma revista pornográfica trazida por seu neto (Maxwell Nascimento, de Querô) vindo de São Paulo para se esconder no vilarejo após envolver-se com o crime na capital paulista.

Mesmo cercado por ótimas atuações do grande elenco, é mesmo Irandhir Santos quem rouba a cena. O ator, que não pode estar presente na coletiva, teve a genialidade de sua criação para o personagem de Joãozinho dissecada pelo diretor.

“Irandhir sempre mergulha fundo nas propostas”, afirmou Camilo. “Para o personagem, que é um artista epilético, ele se atentou aos detalhes e bordou uma uma camisa com nomes de artistas epiléticos conhecidos, além de ter criado um manto feito com caixas de remédios para tratar a doença”. O manto, aliás, está presente na cena em que Joãozinho dança ao som da voz de Ney Matogrosso.

A trilha é também um show a parte. Além de surpresas como “Forever”, do grupo Pholhas, e “Foi Você”, composição de Raul Seixas na voz e no ritmo brega de Marcio Greyck, “A História da Eternidade” conta com composições de Dominguinhos (1941 – 2013) e de Zbigniew Preisner, parceiro do diretor polonês Krzysztof Kieslowski (1941 – 1996).

(Karen Lemos - Revista O Grito!)

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