Membros do Partido Nazista no Brasil (Foto: Reprodução)
O cenário paradisíaco de São Francisco do Sul, no litoral de Santa Catarina, pouco combina com as atrocidades de um regime tirano. A ilha, no entanto, esconde vestígios da boa relação com o Brasil e a Alemanha Nazista às vésperas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Naquela ocasião, nazistas estiveram no país e negociaram a construção de uma estrada e de uma base militar no município com aval do governo de Getúlio Vargas, que somente no fim da guerra enviou tropas brasileiras para combater a Alemanha no conflito mais letal da História.
A ilha ainda guarda vestígios desta relação pouco conhecida, mas cujas consequências perduram até hoje, causando prejuízos ao meio ambiente e também à população de São Francisco do Sul, como mostra uma série de reportagens de Sandro Barbosa, do Jornal da Band.
As obras e os danos que sobrevivem ao tempo
Uma das consequências desta aliança entre Brasil e a Alemanha Nazista só é possível ver do alto, mas os impactos são sentidos pelos moradores da ilha até hoje. Em São Francisco do Sul, o regime de Adolf Hitler realizou obras de aterro do Canal do Linguado para a construção de uma linha de trem e de uma estrada - a BR-280 - que serviria para escoar material bélico em troca da instalação de uma montadora alemã de veículos.
A linha de trem e a estrada cruzam a Baía da Babitonga, um santuário ecológico formado por 24 ilhas, onde centenas de espécies encontram refúgio para se reproduzir. Por meio de um decreto, Vargas autorizou as obras de aterro e a ligação com o mar foi interrompida.
Foto: Reprodução
Imagens aéreas mostram que a construção provocou um grande dano ambiental: de um lado da baía, há água; do outro, entretanto, apenas barro e sujeira, impedindo a reprodução de espécies e também a atividade de pescadores que antes trabalhavam na região.
A ilha estratégica
Além da linha de trem e da estrada, os nazistas também ergueram em São Francisco do Sul uma base militar para que navios e submarinos alemães recebessem combustível e armamento.
Fotos da época mostram, inclusive, dirigíveis alemães sobrevoando o lugar onde seria construída a base militar, mais especificamente na ilha de Rita, que pertence ao município. Por lá, ainda é possível ver dutos, embora já enferrujados pela ação do tempo, que revelam planos da Alemanha Nazista para abastecer sua frota naval.
Em outra imagem de arquivo, o então presidente Getúlio Vargas foi fotografado na ilha de Rita, deixando clara a sua importância estratégica. Vargas esteve algumas vezes no local, visitando as obras e examinando as instalações, concluídas em 1940.
Foto: Reprodução
“Há muitos indícios provando que havia uma relação política amistosa entre Vargas e o regime nazista como, por exemplo, cartas entre Vargas e Adolf Hitler em que o brasileiro chamava o ditador de ‘bom e fiel amigo’”, conta a professora Ana Maria Dietrich, que estudou essa aliança durante 20 anos.
Os impactos e o pedido de reparação
Os projetos nazistas no Brasil, principalmente o aterro do canal do Linguado, trouxeram impactos no meio ambiente e também para os moradores da ilha. O fechamento da ligação com o mar aumentou também a concentração de dejetos da indústria, que tem forte presença na região.
Ao logo dos anos, muito material tóxico, como metais pesados, foi depositado dentro do estuário sem o tratamento prévio. “Alguns ensaios demonstram concentrações de cádmio, zinco, cobre, chumbo, mercúrio, manganês, e esses elementos começam a trazer problemas para as pessoas, principalmente as que se alimentam de peixes e crustáceos daqui”, explica Tarcísio Possamai, professor de geologia marinha.
O vice-prefeito de São Francisco do Sul, o médico pediatra Walmor Berreta Júnior, diz que está preocupado principalmente com a incidência de câncer. “Existem estudos científicos comprovados de referência internacional dizendo que isso aí realmente acarreta malefícios à saúde, principalmente do ponto de vista oncológico [câncer].”
Um grupo multidisciplinar - formado pelas universidades de São Paulo (USP), a Federal do ABC (UFABC), a Univille e a Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, além da Procuradoria Geral da República, a Advocacia Geral da União e a prefeitura de São Francisco do Sul – tenta mudar este cenário e cobra do governo alemão a reparação do desastre ambiental.
“O fechamento do canal do linguado foi em 1933, portanto, 85 anos já se passaram e nada foi feito. O que a gente pretende agora é, quem sabe, mudar essa realidade de forma que a gente possa dar às futuras gerações uma condição melhor de saúde e de ambiente”, ressalta Renato Gama Lobo, prefeito do município.
Até hoje, o governo alemão só considerou indenizar atos que feriram os direitos humanos e foram cometidos contra pessoas e propriedades, mas nunca um desastre ambiental como crime de guerra.
“Se eles não reconhecerem sua responsabilidade, São Francisco do Sul, Santa Catarina e o Brasil vão encontrar meios no direito internacional para solucionar uma controvérsia que existe, que é a falta de cooperação dos alemães para nos ajudar a encontrar uma solução para um problema que eles também são responsáveis por terem causado”, acrescenta a professora de direito internacional Maristela Basso.
O objetivo é aproveitar que o governo federal pretende duplicar a BR-280 para reabrir o canal do linguado, sem contaminar ainda mais as águas.
Em nota, o consulado da Alemanha no Brasil informou que o aterro do linguado foi uma decisão do governo brasileiro e que a obra ocorreu em data consideravelmente anterior à Segunda Guerra Mundial e com a finalidade de fornecer produtos para uma fábrica de armamentos brasileira. Por isso, é completamente claro que a responsabilidade fica somente com as autoridades brasileiras.
(Karen Lemos - Portal da Band)
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