sexta-feira, 15 de junho de 2018

Da luta contra ditadura à camisa 'coxinha' da CBF: como a política influencia a torcida na Copa

Nos protestos contra a presidente Dilma, em 2016, muitos usaram a camisa da CBF (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Marcos Alvarez tinha apenas 7 anos em 1970, mas lembra-se muito bem de um costume de sua família naquela época: não torcer pela Seleção Brasileira nas Copas do Mundo. Apesar da pouca idade, quando garoto Marcos gostava de ouvir os debates políticos que permeavam as reuniões familiares; discussões que enalteciam as ideias de esquerda e rechaçavam o então governo, naquela época comandado pelo general Médici, no auge da repressão da ditadura militar.

“Minha família, que sempre foi de esquerda, tinha essa coisa de não torcer pelo Brasil por causa da ditadura, que naquela época havia abraçado a Seleção Brasileira”, lembra Alvarez, hoje professor universitário e torcedor da Inglaterra. “Eu me lembro de um dos primeiros jogos que assisti, Brasil e Inglaterra na Copa de 70, e gostei muito dos ingleses; até hoje é a seleção pela qual eu torço”, diz ele ao Portal da Band.

A relação entre o então regime militar e a Confederação Brasileira de Desportos (CDB), hoje Confederação Brasileira de Futebol (CBF), nunca foi muito clara, mas alguns indícios chegaram a levantar suspeitas de sua existência, como a troca do técnico João Saldanha, militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro), por Zagallo pouco antes de a Seleção desembarcar no México, de onde sairia com o título.

“Existia um acordo racional, entre aqueles que combatiam diretamente o regime, de não torcer pela Seleção por achar que isso favoreceria o governo”, lembra Cláudio Zaidan, comentarista esportivo da Rádio Bandeirantes. Esse sentimento foi potencializado após a mudança de técnico, que preocupou a militância que lutava contra a ditadura na ocasião. Segundo Zaidan, não é possível afirmar, porém, que essa troca se deu por razões estritamente políticas.

“Nos amistosos, [antes da estreia na Copa de 70], a Seleção caiu de rendimento e, para o governo, era interessante ter o time indo bem; se Saldanha continuasse com os bons resultados que apresentou nos jogos eliminatórios, o fato de ele ser comunista talvez fosse tolerado”, ressalta o comentarista.

Para o professor Marcos Alvarez, porém, a situação do país foi determinante em outras Copas também, pelo menos em seu círculo de amigos. “Na Copa de 1982, eu tinha uma amiga na faculdade que admirava Leon Trotsky [intelectual marxista da antiga União Soviética] e torcia contra o Brasil na esperança de que a Seleção perdesse e isso despertasse algo que acabaria em uma revolução no País”, lembra. “Sempre achei isso meio ingênuo, mas até hoje alguns grupos políticos fazem essa vinculação mais direta com o futebol.”

A Copa do Mundo de 2014, que aconteceu no Brasil, é outro exemplo dessa influência política na percepção do evento pelos brasileiros. Antes de seu início, protestos ganharam as ruas pelo País contra gastos para sediar o Mundial em meio a uma recessão econômica com consequências que perduram até hoje. A frase “não vai ter Copa” marcou a ocasião.

“Quando o País está deprimido emocionalmente, [quando] há um desgaste, uma depressão e descrença no Estado e nas instituições, muita gente acaba enxergando a Seleção como uma expressão de tudo isso, até porque o torcer é emocional, não é uma coisa racional”, pontua Zaidan.
Como exemplo mais atual, o comentarista esportivo cita ainda o uso da camisa da CBF nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT). “Agora [a camisa] é vista como uma posição política, embora ela seja usada por décadas sem nenhuma associação do tipo. Mas, como o debate político no Brasil não é profundo, sempre estamos sujeitos a esses simbolismos frágeis.”

Uma camisa para torcer

Frágil ou não, o símbolo que se tornou a camisa da CBF após os protestos pelo impeachment de Dilma afetaram a relação de Viviane Cubas com a Copa do Mundo. “Diferente de outras Copas, essa é a primeira em que eu não comprei nada [para torcer] e não organizei nada para assistir aos jogos”, relata. “E um pouco disso é devido ao momento de crise política que estamos vivendo. Uma vitória do Brasil pode significar um ponto positivo para o governo, uma apropriação maior desse símbolo que hoje, para mim, remete às manifestações. Se antes era uma camisa que me dava orgulho, agora eu olho e me sinto mal.”

Viviane não está sozinha nessa posição. Pela internet, principalmente nas redes sociais, camisas alternativas estão sendo oferecidas para quem quer torcer, mas não quer vestir a camisa da CBF. “Acho muito bacana ter opções para quem quer torcer, embora também considere arriscado usar algumas camisas, porque há pessoas que ficam agressivas quando encontram alguém com posições políticas contrárias, mas, em nome da liberdade de expressão, tudo é válido”, observa Vivi.

Foi para torcer, e também para protestar, que Aline* decidiu confeccionar camisas especiais para esse Mundial. A peça mistura a criação da designer Luísa Cardoso, que elaborou a camisa vermelha com o escudo da CDB de um lado e, do outro, um dos símbolos do Comunismo, a foice e o martelo, com a frase “é golpe no Brasil” na parte de trás.

Foto: Arquivo pessoal

“A ideia começou em uma mesa de bar com amigos. Queríamos curtir a Copa, mas por causa do estigma deixado pelos protestos pelo impeachment - cujo resultado não concordamos -, ninguém queria usar a camisa da CBF e isso causou um desânimo geral”, contou Aline, que não quis se identificar depois que a CBF notificou a designer Luísa Cardoso sobre a proibição da venda de produtos que levem o nome da instituição.

Para “animar” essa torcida, ela formou um grupo nas redes sociais para receber pedidos dos amigos, e de amigos desses amigos, e passou a confeccionar a camisa para quem estiver interessado. A demanda, porém, cresceu de forma inesperada. “Criei esse grupo há quase duas semanas e já recebi 110 pedidos”, conta. Aline, que já trabalhou com estamparia, não lucra com a produção das camisas, que é feita por uma empresa do ramo. “Eu só repasso a demanda para eles e entrego as camisas para quem comprou. Sou apenas a ponte.”

Uma das “clientes” de Aline, inclusive, está indo para a Rússia neste sábado, 16, a tempo de ver a estreia da Seleção Brasileira, no jogo contra a Suíça no domingo, 17, com a camisa vermelha.

Outra camisa que tem atraído os torcedores que não concordam com as manifestações do impeachment incluem as cores verde e amarelo, mas em vez do escudo da CBF traz a frase “é golpe” como se fosse um grito de “gol” estampada. A bióloga Bruna de Oliveira foi uma das que adquiriram a peça pela internet.

Foto: Reprodução

“Eu sempre gostei da Copa por causa do clima que contagia as pessoas e pelos eventos que acontecem para assistir aos jogos; também gosto do tema verde e amarelo que toma conta do País nessa época, mas está difícil usar a camisa da CBF por aí. Eu não quero correr o risco de ser confundida com alguém que está pedindo intervenção militar ao invés de estar torcendo pela Seleção”, diz Bruna à reportagem. “Quando eu vi essa camisa, achei a ideia genial e mandei fazer, com algumas amigas. Dessa forma, a gente não vai deixar de curtir a Copa esse ano.”

* Nome alterado a pedido da fonte

(Karen Lemos - Portal da Band)

sábado, 9 de junho de 2018

Ilha guarda segredos de aliança entre Brasil e a Alemanha Nazista

Membros do Partido Nazista no Brasil (Foto: Reprodução)

O cenário paradisíaco de São Francisco do Sul, no litoral de Santa Catarina, pouco combina com as atrocidades de um regime tirano. A ilha, no entanto, esconde vestígios da boa relação com o Brasil e a Alemanha Nazista às vésperas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Naquela ocasião, nazistas estiveram no país e negociaram a construção de uma estrada e de uma base militar no município com aval do governo de Getúlio Vargas, que somente no fim da guerra enviou tropas brasileiras para combater a Alemanha no conflito mais letal da História.

A ilha ainda guarda vestígios desta relação pouco conhecida, mas cujas consequências perduram até hoje, causando prejuízos ao meio ambiente e também à população de São Francisco do Sul, como mostra uma série de reportagens de Sandro Barbosa, do Jornal da Band.

As obras e os danos que sobrevivem ao tempo

Uma das consequências desta aliança entre Brasil e a Alemanha Nazista só é possível ver do alto, mas os impactos são sentidos pelos moradores da ilha até hoje. Em São Francisco do Sul, o regime de Adolf Hitler realizou obras de aterro do Canal do Linguado para a construção de uma linha de trem e de uma estrada - a BR-280 - que serviria para escoar material bélico em troca da instalação de uma montadora alemã de veículos.

A linha de trem e a estrada cruzam a Baía da Babitonga, um santuário ecológico formado por 24 ilhas, onde centenas de espécies encontram refúgio para se reproduzir. Por meio de um decreto, Vargas autorizou as obras de aterro e a ligação com o mar foi interrompida.

Foto: Reprodução

Imagens aéreas mostram que a construção provocou um grande dano ambiental: de um lado da baía, há água; do outro, entretanto, apenas barro e sujeira, impedindo a reprodução de espécies e também a atividade de pescadores que antes trabalhavam na região.



A ilha estratégica


Além da linha de trem e da estrada, os nazistas também ergueram em São Francisco do Sul uma base militar para que navios e submarinos alemães recebessem combustível e armamento.

Fotos da época mostram, inclusive, dirigíveis alemães sobrevoando o lugar onde seria construída a base militar, mais especificamente na ilha de Rita, que pertence ao município. Por lá, ainda é possível ver dutos, embora já enferrujados pela ação do tempo, que revelam planos da Alemanha Nazista para abastecer sua frota naval.

Em outra imagem de arquivo, o então presidente Getúlio Vargas foi fotografado na ilha de Rita, deixando clara a sua importância estratégica. Vargas esteve algumas vezes no local, visitando as obras e examinando as instalações, concluídas em 1940.

Foto: Reprodução

“Há muitos indícios provando que havia uma relação política amistosa entre Vargas e o regime nazista como, por exemplo, cartas entre Vargas e Adolf Hitler em que o brasileiro chamava o ditador de ‘bom e fiel amigo’”, conta a professora Ana Maria Dietrich, que estudou essa aliança durante 20 anos.


Os impactos e o pedido de reparação


Os projetos nazistas no Brasil, principalmente o aterro do canal do Linguado, trouxeram impactos no meio ambiente e também para os moradores da ilha. O fechamento da ligação com o mar aumentou também a concentração de dejetos da indústria, que tem forte presença na região.

Ao logo dos anos, muito material tóxico, como metais pesados, foi depositado dentro do estuário sem o tratamento prévio. “Alguns ensaios demonstram concentrações de cádmio, zinco, cobre, chumbo, mercúrio, manganês, e esses elementos começam a trazer problemas para as pessoas, principalmente as que se alimentam de peixes e crustáceos daqui”, explica Tarcísio Possamai, professor de geologia marinha.

O vice-prefeito de São Francisco do Sul, o médico pediatra Walmor Berreta Júnior, diz que está preocupado principalmente com a incidência de câncer. “Existem estudos científicos comprovados de referência internacional dizendo que isso aí realmente acarreta malefícios à saúde, principalmente do ponto de vista oncológico [câncer].”

Um grupo multidisciplinar - formado pelas universidades de São Paulo (USP), a Federal do ABC (UFABC), a Univille e a Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, além da Procuradoria Geral da República, a Advocacia Geral da União e a prefeitura de São Francisco do Sul – tenta mudar este cenário e cobra do governo alemão a reparação do desastre ambiental.

“O fechamento do canal do linguado foi em 1933, portanto, 85 anos já se passaram e nada foi feito. O que a gente pretende agora é, quem sabe, mudar essa realidade de forma que a gente possa dar às futuras gerações uma condição melhor de saúde e de ambiente”, ressalta Renato Gama Lobo, prefeito do município.

Até hoje, o governo alemão só considerou indenizar atos que feriram os direitos humanos e foram cometidos contra pessoas e propriedades, mas nunca um desastre ambiental como crime de guerra.

“Se eles não reconhecerem sua responsabilidade, São Francisco do Sul, Santa Catarina e o Brasil vão encontrar meios no direito internacional para solucionar uma controvérsia que existe, que é a falta de cooperação dos alemães para nos ajudar a encontrar uma solução para um problema que eles também são responsáveis por terem causado”, acrescenta a professora de direito internacional Maristela Basso.

O objetivo é aproveitar que o governo federal pretende duplicar a BR-280 para reabrir o canal do linguado, sem contaminar ainda mais as águas.


Em nota, o consulado da Alemanha no Brasil informou que o aterro do linguado foi uma decisão do governo brasileiro e que a obra ocorreu em data consideravelmente anterior à Segunda Guerra Mundial e com a finalidade de fornecer produtos para uma fábrica de armamentos brasileira. Por isso, é completamente claro que a responsabilidade fica somente com as autoridades brasileiras.

(Karen Lemos - Portal da Band)

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Orquídea ajuda prevenção em região de maior incidência de câncer de útero

Agentes de campanha de saúde levam a flor para mulheres em comunidades do Pará (Foto: Divulgação)

Uma orquídea está servindo como um importante lembrete na prevenção do câncer de colo de útero para mulheres da região Norte do Brasil, onde o risco estimado para a doença é 60% mais alto do que no resto do País.

Adaptada para o clima da região amazônica, a planta floresce a cada 12 meses, avisando que é hora de realizar o Papanicolau, exame responsável por detectar lesões que podem evoluir para este tipo de câncer.

Com a ação, agentes de saúde esperam reduzir a incidência da doença, que é de 25,62 casos a cada 100 mil mulheres na região Norte. Em todo o Brasil, o risco estimado é de 15,43/100 mil, segundo relatório do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Para a enfermeira epidemiologista Maria Beatriz Kneipp, a discrepância de porcentagem está relacionada a uma somatória de fatores.

“A região Norte tem uma característica diferenciada do resto do País. Tem a questão da extensão de densidade demográfica e também de nível educacional mais baixo. O câncer de colo de útero também está relacionado com os problemas de desenvolvimento socioeconômico da região, que pode ser visto, por exemplo, na dificuldade das mulheres em ter acesso ao exame”, explica a especialista ao Portal da Band.

A última pesquisa nacional sobre o tema, elaborada em 2013, mostra que o percentual de mulheres que fazem o exame Papanicolau regularmente na região é de 75%; outras 12% relataram jamais ter realizado a avaliação médica. “Dessas mulheres, algumas disseram que não acharam necessário fazer o exame, outras afirmaram ter vergonha e teve ainda quem respondeu nunca ter sido orientada a fazer o Papanicolau. É preciso, então, identificar e trabalhar essas questões que aumentam os riscos da doença”, acrescenta Kneipp.

Flor da Vida

Foto: Divulgação

Com base nesses dados que preocupam as autoridades de saúde, foi criada a campanha Flor da Vida, idealizada pela Ogilvy Brasil para o Hermes Pardini com apoio da Secretaria da Saúde do Governo do Pará. Três mil agentes de saúde, envolvidos no projeto, se dividem na entrega das flores, na promoção de eventos e de aulas educativas sobre o tema.

A orquídea usada na ação é um híbrido de cattleya, desenvolvida pelo orquidófilo Sergio Barani, que tem mais de 50 anos de experiência na área. “Através de cruzamentos, conseguimos criar esse híbrido que floresce uma vez por ano, alertando as mulheres que chegou a hora de fazer o exame ginecológico. Também será possível reproduzir [a orquídea] aos milhares por clonagem”, diz Barani no vídeo institucional da campanha.

Foto: Divulgação

Apesar do ciclo de 12 meses da planta, o exame de Papanicolau pode ser realizado em até três anos, com exceção de mulheres que têm problemas de imunidade, como portadoras do vírus HIV, que precisam fazer a avaliação médica anualmente.

Infraestrutura regional e tratamento da doença


O foco da campanha Flor da Vida está justamente na prevenção por ser a forma mais efetiva de reduzir a incidência do câncer de colo de útero. O exame Papanicolau pode ser realizado em qualquer centro de saúde. Há, inclusive, unidades fluviais que atendem comunidades mais afastadas. “Esse exame identifica lesões pré-malignas que podem ser retiradas em um ambulatório sem nem precisar de internação. A lesão é removida e a mulher vai para casa no mesmo dia”, esclarece a epidemiologista Maria Beatriz Kneipp à reportagem.

Já os procedimentos médicos para combater o câncer já evoluído implicam em uma logística bem mais complicada. “Para um tratamento com quimioterapia ou radioterapia, a paciente pode ter que se dirigir até outra cidade. Em alguns Estados, como Amapá ou Roraima, esse tipo de tratamento é feito só nas capitais”, ressalta. “Existe, portanto, essa preocupação com o deslocamento e também com a realidade de algumas mulheres, que têm casa e filhos para cuidar e nem sempre conseguem fazer o tratamento até o final.”

Mesmo sendo um tipo de tumor com potencial alto de prevenção e cura, principalmente se diagnosticado precocemente, o câncer de colo de útero matou 800 mulheres na região Norte em 2016 segundo dados do Ministério da Saúde. Para Kneipp, é possível diminuir os números de mortalidade e também de casos em que o câncer se desenvolve.

Na região Sudeste, por exemplo, a incidência desse tumor é de 9,97 a cada 100 mil mulheres. “Vemos, portanto, que é possível reduzir os riscos para a doença e, por essa razão, tentamos sempre buscar alternativas e estratégias com esse propósito”, conclui a especialista.

(Karen Lemos - Portal da Band)