Foto: Arquivo pessoal
Artista circense com carreira internacional, Pablo Dias Bessa Martins encontra-se longe do picadeiro, onde costuma a chamar atenção pela presença de palco e habilidade nos malabares e acrobacias. Atualmente ele está preso no Complexo Penitenciário de Gericinó (Bangu), para onde foram transferidos os detidos de uma megaoperação da Polícia Civil do Rio de Janeiro contra milicianos.
Além de Pablo, outras 158 pessoas foram presas no último dia 7 em um show de pagode que aconteceu em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio. Segundo a polícia, o evento foi organizado por um grupo de milicianos que utilizava o local como uma espécie de quartel general. Testemunhas dizem, porém, que o show era aberto ao público, foi divulgado pelas redes sociais, e muitos dos alvos não têm ligação comprovada com a milícia.
“O Pablo nunca se envolveu com coisa errada. A comunidade em peso conhece o trabalho dele, sabe da sua índole. [A prisão] foi como um soco. Todo mundo está indignado”, relata Jessica, mulher de Pablo, em entrevista ao Portal da Band.
Assim como o marido, Jessica é artista de circo. Eles se conheceram nas oficinas de artes circenses da Acaps (Ação Comunitária de Apoio Psicossocial), organização não-governamental que oferece também oficinas de dança, capoeira e reforço escolar para jovens de comunidades do Rio de Janeiro.
Foi lá que Pablo teve sua formação artística e, como retribuição, atuou como professor voluntário em algumas ocasiões. “Quando volta para o Brasil, após temporadas de apresentações na Europa, ele traz materiais caríssimos, como malabares, pernas-de-pau, monociclo, e doa para o projeto. Ele também ministra aulas e compartilha suas experiências com nossos alunos, que têm o Pablo como um exemplo, uma referência positiva na comunidade”, conta Jonathan Rodrigues, presidente da Acaps e amigo de infância.
Além da ONG, Pablo também fez capacitação profissional na Unicirco, projeto do ator Marcos Frota, que, segundo Jonathan, abriu as portas para uma atuação no exterior. Atualmente, o artista é contratado pela Up Leon, companhia brasileira que tem parceria com empresas que organizam espetáculos na Alemanha, Finlândia e Suécia, país para onde o brasileiro tem viagem marcada no próximo dia 24 para mais uma temporada de apresentações. Familiares e amigos de Pablo temem que a prisão impeça que ele viaje e cumpra sua agenda profissional.
30 minutos de troca de tiros
Foi para comemorar o sucesso na carreira, e também para marcar a despedida antes de mais uma temporada fora do Brasil, que Pablo, sua mulher, um primo e amigos foram ao show de pagode em Santa Cruz. “A gente viu a propaganda desse evento no Facebook e resolveu ir para celebrar a viagem dele”, lembra Jessica. Por volta das 3h, relata ela, teve início uma confusão e troca de tiros no portão do local. “Foram uns 30 minutos de tiro”, disse.
“Depois, chegaram policiais se identificando, falando de uma denúncia sobre pessoas armadas no local. As mulheres puderam sair, mas os homens tiveram que ficar. Disseram que eles seriam encaminhados para a Cidade da Polícia só para uma averiguação de antecedentes criminais. Como o Pablo não tem passagem pela polícia, eu nem me preocupei. Fui para casa e fiquei esperando. Até hoje, ele não voltou”. O primo de Pablo e um amigo dele também foram presos.
Foto: Polícia Civil do Rio de Janeiro
Jessica chegou a levar documentos e o contrato do marido com a Up Leon na Cidade da Polícia, mas, segundo seu relato, foi ignorada. Mesmo após a transferência para Bangu, ela ainda não conseguiu contato com ele.
Habeas corpus indeferido
O defensor público Ricardo André de Souza tentou tirar Pablo Martins da prisão, mas o habeas corpus do artista circense, bem com de outros 21 clientes, foram indeferidos. “O caso dele conta com uma farta documentação que não só comprova o vínculo de prestação de serviços em uma agência de artistas como também faz link com um trabalho em outros países”, conta o defensor à reportagem.
Souza tem outros casos bem parecidos com o de Pablo nas mãos. “Diversos outros detidos comprovam vínculo empregatício e nenhum antecedente criminal. Há motoristas de ônibus, vendedores de loja, garis e até professor universitário.”
O defensor aguarda uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o habeas corpus de um de seus clientes para analisar o que poderá ser feito agora. “Dependendo da postura da Corte, vamos levar os outros habeas corpus para lá. Se não der resultado, o próximo passo é ir para o Supremo Tribunal Federal (STF)”, explica.
De acordo com informações da Polícia Civil na época da operação, os presos desse caso respondem pelos crimes de constituição de milícia privada e porte de arma de fogo de uso restrito. Na operação, foram apreendidas ainda 24 armas (fuzis, pistolas e revólveres), granada, 76 carregadores e 1.265 munições, além de 11 carros roubados. Na troca de tiros, quatro pessoas morreram.
O Portal da Band tentou contato com a Polícia Civil para esclarecimentos do caso Pablo Martins. Até o fechamento desta matéria, não houve resposta.
Febre e perguntas sobre o pai
Nos primeiros dias após a prisão de Pablo, seu filho de dois anos teve uma forte febre. “Levei ele para ser examinado e a médica disse que ele não tinha nada. Quando contei o que tinha acontecido, a doutora me explicou que poderia ser emocional”, recorda Jessica.
Foto: Arquivo pessoal
Embora Pablo fique meses fora do país a trabalho, a ausência do pai tem sido percebida de forma diferente pelo menino. “Ele não para de perguntar pelo Pablo. Ele fala ‘cadê o papai para brincar de circo comigo?’ Eu digo que ele está trabalhando, não consigo contar a verdade, até porque toda essa história é injusta, mentirosa. Mas acho que no fundo ele entende o que está se passando, e isso me dói muito. O Pablo é uma grande referência para nosso filho.”
“Eu só espero que meu marido saia limpo desta situação, que reconheçam que foi um erro prender ele. Quero meu marido sem manchas em sua dignidade, e livre para ir e voltar de qualquer país que ele quiser ou precisar. Lá fora ele sempre foi muito bem tratado. Não é justo que ele passe por toda essa humilhação no país onde nasceu”, lamenta.
(Karen Lemos - Portal da Band)
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