quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Cerca de 5% dos presos não retornam das saídas temporárias

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Jonathan Pereira do Prado deveria ter se apresentado ao Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de São José do Rio Preto, em São Paulo, em março. Cumprindo pena por furto, ele havia sido beneficiado por uma medida conhecida como saída temporária, um dos programas de reinserção social do sistema penitenciário brasileiro.

Como não retornou ao CPP, Jonathan se tornou foragido da Justiça. No dia 1º deste mês, ele combinou uma falsa carona com a jovem Kelly Cadamuro, que foi assaltada, violentada e morta com socos e estrangulamento.

A brutalidade do crime alimenta a polêmica que já existe em relação ao benefício das saídas temporárias.

Os números mostram, porém, que a maioria dos beneficiados cumpre as regras da medida que, segundo um especialista da área, pode, sim, ser positiva, mas é preciso aplicá-la de forma correta para que o resultado seja ainda mais eficaz no processo de ressocialização.

Dados


Segundo dados divulgados pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), 96,11% dos beneficiados retornaram da saída de Páscoa em 2017; já o índice de retorno da saída de Dia das Mães deste ano foi de 96,74%.

Em um comparativo com os últimos dez anos, esta porcentagem continua alta. Em média, 94,51% dos detentos que saíram para a Páscoa retornaram para a penitenciária entre 2006 e 2016.


Na saída temporária de Dia das Mães, a média do índice de retorno neste mesmo período é de 95,14%.


Em ambos os casos, a porcentagem de beneficiados que não retornaram ao sistema prisional não chega a 5,2%.

Pequenos testes


A saída temporária é concedida para presos em regime semiaberto, que tenham cumprido um sexto da pena (ou um quarto da pena em caso de reincidência) e apresentado bom comportamento dentro da penitenciária. São cinco saídas ao ano (Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia das Crianças e Natal/Ano-Novo) que podem durar até sete dias.

Para Rogério Cury, especialista em Direito Penal, o programa pode funcionar para medir o progresso do detento em sua reinserção. “O benefício funciona como pequenos testes de convívio em sociedade. O preso sairá da cadeia um dia, então essa é uma forma gradual de ele ir ganhando liberdade”, define em conversa com o Portal da Band.

Com a saída temporária, explica Cury, o detento pode começar a montar uma estrutura para sua nova vida. “Ele pode, por exemplo, ir fazendo contatos para conseguir um emprego quando sair da cadeia ou buscar alguém que possa ajudá-lo ou dar apoio enquanto ele tenta se reerguer”, exemplificou.

O especialista diz ainda que o Estado “apenas encarcera”, e não dá “condições mínimas” para que o preso seja ressocializado. O benefício, portanto, poderia proporcionar alguma oportunidade de futuro. “É preciso ter cuidado com o processo de reinserção social; temos que tratar esse assunto de maneira adequada e rígida, porque sem condições dignas, ele vai voltar para a delinquência”, ressalta.

Os detentos que não retornam para a cadeia após a saída temporária automaticamente perdem o direito ao benefício e são reconduzidos ao regime fechado.

Já os números sobre reincidência criminal - quando um novo crime é cometido - são vagos. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) reuniu várias pesquisas; uma delas mostra que a média nacional gira em torno de 70%, mas, devido a escassez de trabalhos de estudo sobre o tema, os dados ainda são imprecisos.


O advogado observa, no entanto, que independentemente da porcentagem, reincidentes criminais provam que o processo de reinserção de presos precisa ser aprimorado.

Descrença


Quando um preso que ganha saída temporária volta a cometer delitos, ou então autores de crimes que causaram comoção nacional - como Suzane Richthofen ou Anna Carolina Jatobá - recebem esse benefício, ocorre uma descrença em sua eficácia.

A morte da jovem Kelly Cadamuro, que citamos no início da matéria, fez com que um abaixo-assinado virtual fosse criado contra a saída temporária, por exemplo. Até o fechamento desta reportagem, mais de 40 mil pessoas haviam assinado a petição.

Monitoramento

Para combater casos como o de Jonathan Pereira do Prado, o especialista Rogério Cury sugere mais fiscalização para o benefício, e não a extinção dele, visto que a porcentagem de retorno é muito maior e pode trazer bons resultados para a reinserção social.

“Toda saída temporária tem que ter monitoração eletrônica do preso através da tornozeleira. O problema é que muitos Estados brasileiros, inclusive em São Paulo - que possui a maior população carcerária do país - sequer concedem esse aparelho”. Entre os motivos deste problema estão falta de verba ou demora na licitação para solicitar o equipamento.

Foto: Akira Onuma/Ascom Susipe

Cury explica que, com a tornozeleira eletrônica, a polícia poderia facilmente encontrar o preso que não retornou da saída temporária e impedi-lo, dessa forma, de voltar a cometer crimes.

Gastos

O advogado sustenta ainda que investir em monitoramento é até uma solução mais barata. “O preso mal ressocializado, que volta a cometer crimes, gera gastos com operação policial para prendê-lo, delegado para investigá-lo, além do processo judicial do caso que envolve promotor, defensor público e juiz. O custo de um delito é sempre maior, e o Estado ainda paga indenização das vítimas de presos reincidentes.”

Isso sem contar o valor que o Estado voltará a desembolsar com o detento que retorna ao sistema carcerário. Em novembro do ano passado, durante um encontro de secretários de Segurança Pública, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, afirmou que um preso custa R$ 2,4 mil mensais (média nacional) - 13 vezes mais do que um estudante no Brasil.

Apesar da observação feita pela presidente do STF, a Câmara dos Deputados aprovou no dia 9 um projeto de lei que endurece as regras da saída temporária, ampliando ainda mais o tempo e o dinheiro gasto com o encarceramento.

Pelo texto aprovado, o juiz de execução penal só concederá a autorização se o detento tiver, além de bom comportamento, cumprido no mínimo um sexto da pena se for primário na condenação e metade da pena se for reincidente. A autorização judicial também não pode ser superior a quatro dias, podendo ser renovada por mais uma vez no ano.

“Dessa forma, vamos continuar rasgando dinheiro, porque seguimos não investindo em maneiras eficazes de colocar um preso em liberdade”, resume Cury.

(Karen Lemos - Portal da Band)

Nenhum comentário: