sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Desaposentados podem ter prejuízos após decisão do Supremo Tribunal Federal

Especialista recomenda que beneficiários aguardem a publicação da decisão antes de recorrerem (Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini)

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar inconstitucional a desaposentação traz prejuízos a todos os aposentados que continuam trabalhando, avalia o especialista em direito previdenciário André Luis Domingues Torres.

Para o advogado, a Corte “não cumpriu seu papel de guardiã da Constituição e dos direitos sociais”. “A real situação dos brasileiros é que não se consegue sobreviver só com a aposentadoria. Por essa razão, recorre-se a uma complementação de renda que vem através da desaposentação”, explica ao Portal da Band.

O recurso nada mais é do que continuar trabalhando mesmo após ter dado entrada na aposentadoria. O aposentado continua contribuindo para a Previdência Social e, quando o benefício for mais vantajoso, ele pede um novo cálculo que levará em conta a idade e o tempo de contribuição.

Com a decisão do Supremo, porém, essa contribuição acaba não sendo mais tão conveniente. “Na verdade, deixa de ser uma contribuição e passa a ser mais um tributo que o brasileiro vai pagar”, elucida Torres. “O entendimento que a Corte teve é que essa colaboração é para a coletividade, isto é, quem trabalha, contribui para quem está aposentado.”

Meu benefício pode ser reduzido?

O novo cálculo de aposentadoria era feito, até então, através de liminares. O julgamento do STF fez com que essas liminares perdessem a sua validade, o que pode trazer arrependimentos para quem optou pela desaposentação.

“Essa pessoa pode voltar para a renda inicial que ela recebia quando propôs a ação de desaposentação”, explica o advogado. Por exemplo, um aposentado que recebia R$ 2 mil, e passou a receber R$ 4 mil com a revisão do benefício, deve voltar a embolsar somente a metade do dinheiro.

Isso só poderá acontecer, no entanto, quando a decisão do STF for publicada, o que deve ocorrer a partir de janeiro do ano que vem.

Após essa data, serão apresentados ainda os embargos de declaração, para solucionar pontos não esclarecidos. A presidente da Suprema Corte, a ministra Cármen Lúcia, afirmou que as decisões serão tomadas "caso a caso".

Preciso devolver o valor da segunda aposentadoria?

Se o cenário parece ruim, pode ainda piorar. A advogada-geral da União Grace Mendonça já sinalizou que o governo estudará se os desaposentados devem devolver os valores que receberam com a nova aposentadoria.

Torres não acredita que isso seja improvável, já que a decisão do STF “abriu as portas” para essa possibilidade. “No nosso entendimento, essa verba é de caráter alimentar, ou seja, não há a necessidade da devolução. Mas, se o STF se posicionar de forma contrária a isso, [o aposentado] vai ter que devolver [o dinheiro]”.

Ainda será decidido como essa cobrança – caso ela aconteça – será feita. Segundo o advogado, há várias formas de isso ser feito, que vão desde a cobrança no montante da aposentadoria até de forma administrativa, que desconta até 30% do benefício.

Voltamos ao exemplo do aposentado que, com a decisão do STF, pode voltar a receber R$ 2 mil. Mesmo com a pensão reduzida, ele ainda será cobrado em até 30% - no modelo administrativo – se o governo decidir que ele deve restituir os valores da segunda aposentadoria.

O que fazer agora?

Independente das futuras decisões do judiciário, uma coisa é certa: não existe a possibilidade de parar com a contribuição. “Quem tem carteira assinada é um segurado obrigatório, isso quer dizer que é exigido que ele contribua para a Previdência. Só uma legislação nesse sentido poderia mudar esse cenário”, explica o sócio do Crivelli Advogados Associados.

Torres recomenda ainda para os leitores que estão nessa situação que esperem a publicação da decisão do STF e a análise dos embargos de declaração antes de entrar com recurso. “É preciso também aguardar que os processos que já estão em andamento terminem nas instâncias em que estiverem. Depois disso, um advogado vai avaliar a melhor estratégia jurídica para o seu caso.”

(Karen Lemos - Portal da Band)

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Coletivos estudantis querem formar profissionais que saibam lidar com a diversidade

Cézar, Vitor, Deivid e Leonardo são da geração de estudantes que quer mais visibilidade às minorias (Foto: Portal da Band)

Receber a alcunha de “destruidores da tradição da universidade” diz muito sobre a necessidade dos grupos de militância dentro dos espaços acadêmicos. Ainda mais quando a “tradição” está relacionada à exclusão social, piadas preconceituosas e ações de violência, como as que são vistas em tradicionais festas universitárias ou nos batismos dos calouros.

“Criamos um coletivo porque queríamos que os bichos [como também são chamados os calouros] fossem recepcionados melhor do que nós fomos”, explica Leonardo Alvim, do Coletivo de Diversidade do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP).

Um dos participantes da segunda edição da Semana da Diversidade da Escola Politécnica, o estudante de licenciatura lembrou as festas de batismo do curso, na qual muitos calouros recebiam apelidos humilhantes ou pejorativos e tinham que correr, dentro de sacos de batata, e mergulhar em uma caixa cheia de água para “formalizar” o ingresso no curso. 

Os grupos de militância, em sua opinião, contribuem para a formação de um ambiente mais agradável, principalmente para as minorias.

O evento foi organizado pela Frente PoliPride, outro coletivo voltado para a comunidade LGBT, que atua dentro de um cursos mais tradicionais da USP. “Nossa intenção é também quebrar o estereótipo da engenharia como um curso para homens, heterossexuais e cisgêneros (quem se reconhece com o gênero designado no nascimento). Somos muito mais do que isso”, descreve Cezar Vieira, estudante da Escola Politécnica e membro da PoliPride.

Além dos muros da universidade

A visibilidade que toda a militância traz dentro de um ambiente acadêmico é tão importante quanto a que é aplicada fora dos muros da universidade. Para Deivid Déda, do Coletivo da Faculdade de Medicina da USP (Mosaico), ter conhecimento e respeito pela diversidade vai muito além de aceitar um beijo gay em uma festa tradicional do curso.

“É entender que o LGBT existe e que tem uma saúde a ser tratada”, exemplifica. “Nas aulas, sempre falamos de medicina em termos heteronormativos e a saúde da mulher é totalmente voltada para a reprodução. Mas e a saúde dos transexuais? E a saúde da mulher lésbica? Os médicos mal sabem orientá-las sobre como se protegerem na hora do sexo.”

Vitor Piazzarollo, do Coletivo LGBT da Faculdade de Direito (SanFran), partilha da mesma opinião. “Estamos formando advogados e juízes que vão trabalhar, por exemplo, com a resignação de nomes sociais para transexuais. É um processo difícil, a lei é vaga nesses casos, então vai muito de acordo com as convicções do juiz. Um juiz que teve mais contato com essas pessoas em um ambiente acadêmico tende a ter mais cuidado com elas; não as deixam desamparadas”, pontua Vitor, que cita o grupo de estudos sobre auxílio jurídico para trans, que o coletivo criou dentro do curso, como uma ferramenta que transforma o olhar que se tem dessa população.

Ajuda mútua entre coletivos

Há cerca de 10 anos, um gay assumido na faculdade era a grande piada do curso. De 2012 para cá, essa realidade está cada vez mais distante com o surgimento de inúmeros grupos que discutem as políticas afirmativas para negros, mulheres, LGBTs, entre outros. Com isso, esse debate avançou muito – e em pouco tempo.

Uma das razões do êxito desses coletivos é que eles mutuamente se apoiam e se ajudam. “Partilhamos de uma espécie de realidade conjunta. Todos nós temos a luta pela igualdade em comum”, diz Cézar, da Frente PoliPride.

“Teve um caso de estupro no Instituto de Química no qual nós, que representamos também o curso da engenharia química, ajudamos a desenvolver ações em repudio ao estupro por lá”, detalhou.

Reflexo na sociedade

Para Cézar, a universidade pública reflete em alguns pontos o que somos enquanto sociedade. “Muita gente chega aqui vindo de comunidades ou escolas conservadoras. Aqui, elas têm a oportunidade do primeiro contato com a diversidade.”

“Por isso é tão necessário ter esse esforço de trazer para cá um debate que é negligenciado lá fora”, observa o estudante de medicina Deivid Déda. “Precisamos pensar nos problemas tanto em nossa realidade social quanto na profissional.”

Vitor Piazzarollo ressalta que, mesmo quem não está inserido na comunidade LGBT, pode ter uma influência na vida dessas pessoas. “E prejudicá-las, se tomarmos decisões carregadas de preconceitos. Cito como exemplo a lei do divórcio. Até pouco tempo atrás, a mulher precisava provar que sua honra estava sendo ferida para que o divórcio fosse aceito. Hoje, com o debate feminista em voga, a lei foi alterada.”

As mudanças que transformam a própria sociedade também começam a ser notadas no campo acadêmico. “Antes, se dois homens se beijassem em uma festa universitária, eles levavam latas de cerveja na cabeça, empurrões ou até socos. Isso acontece menos agora porque existe a resistência da militância. Também vejo isso acontecendo com as mulheres, que não aceitam mais o assédio dentro das universidades”, pontua o estudante de direito.

A militância não precisa partir somente dos grupos organizados em torno de uma causa. “É possível fazer sua parte mantendo o respeito e, se possível, repreendendo preconceitos”, aconselha Cezar Vieira, que também menciona a aceitação de grupos minoritários em ciclos de convivência, como o estudantil. “Não dá para falar de diversidade na universidade sem que essas pessoas estejam, de fato, presentes na universidade”, enfatiza o aluno da Escola Politécnica, que não deixa de destacar a importância das cotas e dos programas de ingresso ao ensino superior, como o Fies, ProUni, Sisu, entre outros.

(Karen Lemos - Portal da Band)

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Hillary e Trump discordam sobre temas essenciais para os EUA no terceiro debate presidencial


Os candidatos à presidência dos Estados Unidos, a democrata Hillary Clinton e o republicano Donald Trump, se encontraram pela terceira e última vez na Universidade de Nevada, em Las Vegas, no debate desta quarta-feira (19). Sem apertarem as mãos no início do encontro, eles se atacaram por diversas vezes ao comentarem temas importantes para o país, como a questão da imigração.

O plano já conhecido de Trump em levantar um muro separando o país do México, a fim de evitar o ingresso de imigrantes ilegais, foi questionado. “Precisamos ter fronteiras sólidas; temos milhares entrando aqui com drogas na maior facilidade. Os policiais de fronteira querem fronteiras mais firmes. Precisamos desse muro. Há muitos ‘hombres’ [homens, em espanhol] ruins aqui e serão expulsos”, afirmou o magnata.

Já Hillary citou uma mulher que ela conheceu cuja preocupação é que seus pais, mexicanos, sejam deportados. “Essas pessoas trabalham duro, fazem de tudo para ter uma boa vida e eu não quero dividir famílias. Meu plano inclui uma gestão nas fronteiras e deportar pessoas que são violentas. Somos uma nação de imigrantes e de lei, podemos agir de acordo com isso.”

A democrata falou ainda que pretende tirar os ilegais das sombras e colocá-los na economia do país. Por fim, ela provocou o adversário. “O Donald sabe disso muito bem porque ele usou imigrantes ilegais para construir a Trump Tower; não vamos deixar os empregadores explorarem os imigrantes ilegais como ele fez.”

Trump desconversa sobre resultado de eleição

Questionado se aceitaria ou não o resultado desta eleição nos Estados Unidos, que - segundo o republicano - está sendo articulada para favorecer sua adversária - Trump preferiu se esquivar da pergunta.

"Vou responder isso na hora. Por enquanto vou manter o suspense", afirmou, deixando em aberto a possibilidade de recusar a decisão das urnas, caso seja derrotado.

Rússia e armas nucleares


A questão de uma possível cyber-espionagem feita pela Rússia para influenciar as eleições também foi levantada no debate. Ao falarem do presidente russo Vladmir Putin, os dois se provocaram. “Putin não respeita Obama e nem Hillary”, atacou Trump. “É porque Putin prefere ter uma marionete nas mãos”, respondeu a democrata.

Trump disse ainda que o presidente russo é mais inteligente do que sua adversária, porque ele tem coragem de tomar decisões difíceis, como a que envolve as forças militares na Síria. Hillary falou então sobre armamento militar e citou as armas nucleares que o país possui. “Pensar que devemos usar essas armas só porque nós as temos, como Trump pensa, é horrível. Muitas pessoas que têm acesso aos códigos nucleares já disseram que jamais confiariam esses códigos a Trump”, afirmou Hillary.

Misoginia

Mais uma vez os escândalos de misoginia e assedio sexual envolvendo Donald Trump virou tema de discussão no debate. Trump voltou a negar as histórias. “Essas mulheres queriam seus 15 minutos de fama ou então receberam dinheiro da campanha de Hillary para me difamar. Eu nem pedi desculpas para a minha mulher, porque eu não fiz nada”, defendeu-se.

O mediador do debate chegou a questionar Hillary sobre os casos de escândalos sexuais envolvendo o marido dela, o ex-presidente Bill Clinton, mas ela fugiu da pergunta e atacou o adversário. “Quando Donald negou que fez o que fez com as mulheres, ele negou dizendo que elas não eram bonitas suficientes. Ele acha que menosprezar as mulheres faz com que ele seja maior”, disse a democrata.

Estado Islâmico e Síria

Outro ponto essencial que está sendo debatido nos Estados Unidos é a questão do terrorismo envolvendo o grupo extremista Estado Islâmico e a Síria, país imerso em guerra civil. Para Trump, o ditador sírio Bashar al-Assad é “mais inteligente e rígido do que Barack Obama”. “Ele se aliou a Rússia e ao Irã, que hoje é um país poderoso. Enquanto isso, nós apoiamos os rebeldes, que nem sabemos ao certo quem são. Claro que o Assad é ruim, mas sem ele pode ficar ainda pior”, declarou o magnata.

Trump ainda culpou Hillary pela atual situação no país. “Se ela tivesse feito algo [como secretária de Estado], a situação lá poderia ser diferente. Foi ela quem causou essa onda migratória. São dezenas de milhares de refugiados sírios vindo para os EUA que, provavelmente, são aliados do Estado Islâmico. Será o maior cavalo de Troia da história.”

Já Hillary lembrou da foto do menino sírio ferido dentro de uma ambulância em Aleppo (“essa imagem me assombra até hoje”, disse) para falar do problema. “Não vou fechar as portas. Isso não resolve nossos problemas com o terrorismo. Precisamos trabalhar com os islâmicos contra a radicação. Alguns deles são norte-americanos. O atirador de Orlando nasceu no Queens, onde Trump nasceu, inclusive. É preciso deixar bem claro o que é essa ameaça e como vamos enfrentá-la”, concluiu a secretária.

Porte de armas

A segunda emenda da Constituição americana garante aos cidadãos o direito de portar arma. Hillary afirmou que entende e respeita essa tradição. “Mas creio que devemos regulamentar isso. São 33 mil pessoas que morrem todos os anos por causa de armas, muitas delas, crianças. Precisamos ter checagens mais rígidas, acabar com as lacunas que existem nessas checagens. Essa reforma não entrará em conflito com a segunda emenda”, garantiu a democrata.

Trump, por sua vez, que confirmou que recebe apoio da Associação Nacional do Rifle (NRA), disse que vai trabalhar pela defesa da segunda emenda. “Temos Chicago como exemplo. A legislação lá é das mais restritas e a violência com armas lá ocorre em maior número do que qualquer outra cidade.” 

Aborto

Os candidatos voltaram a discordar quando o assunto levantado foi o aborto, que é legalizado no país. Trump quer indicar ministros para a Suprema Corte que são contrários ao aborto. “Acho um absurdo arrancar o bebê do útero”, disse.

Hillary, porém, vai defender que essa opção seja da mulher. “É uma decisão muito pessoal e difícil que a mulher precisa tomar em termos de saúde. Nós fomos longe demais para retroceder agora. Não acho que o governo deva interferir.”

Comparações

O magnata voltou a provocar a democrata ao questioná-la sobre o que teria feito em 30 anos na política. “Você não fez nada”, criticou Trump. Hillary fez, então, uma comparação da trajetória dos dois candidatos. “Enquanto eu trabalhei com crianças negras, você foi processado por discriminação racial. Enquanto eu trabalhava a favor dos direitos humanos, você estava xingando uma miss universo. Enquanto eu trabalhei supervisionando a operação que localizou o Bin Laden, você estava dando festas.”

Trump, por fim, rebateu. “Eu estava administrando uma empresa fantástica, que lucra bilhões. Se eu tocar esse país como toquei minha empresa, esse país vai te dar muito orgulho.”

As últimas pesquisas eleitorais, divulgadas pelas CNN e NBC News, mostram Hillary na frente. Na da CNN, a democrata tem 47% das intenções de voto, e Trump, 39%; na sondagem da NBC News, feita com eleitores latinos, 67% declaram voto em Hillary, e só 17% no candidato republicano. As eleições norte-americanas acontecem no dia 8 de novembro.

(Karen Lemos - Portal da Band)

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Projeto fotográfico traz um novo olhar às favelas do Rio

Alguns lutam com outras armas, diz a legenda da fotografia que está sendo compartilhada na internet (Foto: Anderson Valentim)

Desde quinta-feira (13) uma foto impactante está circulando as redes sociais. Na imagem, moradores do Morro do Turano, na zona norte do Rio de Janeiro, seguram instrumentos musicais enquanto cobrem os rostos com as camisetas que vestem.

O registro é uma crítica à visão negativa que se tem das comunidades e também um recado sobre o quanto a arte pode ser transformadora na vida de uma pessoa.

Foi o que aconteceu com o autor da foto, Anderson Valentim. A música e a fotografia trouxeram novas perspectivas para o morador do Morro do Borel, local onde foi criado junto com a irmã pela mãe viúva e empregada doméstica.

“Se tivesse mais arte em nosso país, as coisas seriam diferentes”, relata Anderson ao Portal da Band. “Foi a arte que me salvou; graças a ela, hoje eu faço faculdade e vivo meus sonhos”, acrescenta o estudante do quarto ano da graduação de design gráfico.

Favelagrafia

Anderson é um dos fotógrafos que participam do projeto Favelagrafia, um incentivo da secretaria municipal de Cultura do Rio com patrocínio da NBS Rio+Rio. Ao todo, são nove profissionais com a tarefa de registrar nove favelas da cidade. 

“O projeto surgiu de um incômodo que diz respeito à imagem da favela. Quase sempre é uma imagem estereotipada, que envolve referências ao tráfico de drogas, às armas, a algo perigoso. Só que esse retrato não é o retrato que existe na mente das pessoas que moram nas comunidades”, conta Aline Pimenta, diretora do NBS Rio+Rio, à reportagem.

“O Favelagrafia vem desse desejo de trazer um novo olhar sobre essas comunidades”, acrescenta. “E chegamos a conclusão de que quem tem legitimidade para trazer esse novo olhar é o morador da favela”.

Na cidade brasileira com o maior percentual de pessoas que moram em favelas (cerca de 22%), os fotógrafos têm como missão registrar o dia a dia deles, as paisagens que encontram, os moradores com quem dividem a rotina. “Algo que venha com a alma junto”, resume Aline.

O trabalho de Anderson, aliás, é uma síntese desse ideal. “A foto que eu fiz foi um grito de resistência”, definiu o fotógrafo. “O que sai do morro é só coisa ruim, mas acontece que isso representa 10% do que há no morro. Os outros 90% são as histórias espetaculares que você encontra aqui; exemplos de gratidão, como minha da mãe mesmo. Graças ao esforço dela, que criou sozinha eu e minha irmã, nós conseguimos cursar uma faculdade hoje. Tem muita coisa boa no morro, através desse projeto foi possível retratar isso.”

Talento sob holofotes

Todos os participantes do Favelagrafia tiveram um workshop sobre fotografia antes de começar a trabalhar. A vocação deles, porém – ressalta Aline Pimenta – só foi aprimorada. “O olhar deles ficou mais apurado desde o início do projeto [em julho] porque eles começaram a exercitar mais a fotografia. O talento, porém, eles já tinham; o que fizemos foi só jogar um holofote em cima disso.”

As próximas etapas do projeto incluem agora uma exposição com algumas fotos selecionadas, um livro a ser publicado e um site que ainda será lançado. Tudo isso no mês de novembro. “Depois disso, o projeto vai continuar existindo”, conta Aline. “Os fotógrafos continuam livres para atuar e, futuramente, queremos auxiliá-los para que atuem como um coletivo profissional. A ideia é que eles tenham condições de trabalhar profissionalmente e viverem da fotografia.”

(Karen Lemos - Portal da Band)

domingo, 9 de outubro de 2016

Machismo, terrorismo e imigração dominam segundo debate das eleições norte-americanas


O segundo debate presidencial entre os candidatos Hillary Clinton e Donald Trump, que aconteceu neste domingo (9) na Universidade de Washington, teve um clima ainda mais tenso com a pressão em cima do republicano sobre os comentários machistas que fez em uma antiga entrevista, que veio à tona um mês antes das eleições.

O debate, que desta vez contou com perguntas dos eleitores presentes, começou com uma professora questionando o exemplo que os candidatos dariam para as crianças do país. Logo surgiu o assunto sobre as falas misóginas do republicano.

“Aquilo foi uma conversa de vestiário, privada, entre quatro paredes”, definiu Trump. “Não me orgulho disso, já pedi desculpas, mas acho que há coisas maiores e importantes acontecendo; o Estado Islâmico decapitando pessoas, guerras acontecendo, uma carnificina no mundo inteiro.”

O candidato ainda disse que sempre teve muito respeito pelas mulheres, e Hillary reagiu. “O que ouvimos Donald dizer sobre as mulheres é o que ele realmente pensa”, disse. “Vimos isso durante toda a campanha. Ele também falou contra os afro-americanos, imigrantes, latinos, pessoas deficientes, muçulmanos e tantos outros.”

Trump contra-atacou citando quatro mulheres - e inclusive levando-as para a plateia - que acusaram o marido da democrata, o ex-presidente Bill Clinton, de abuso sexual. “Jamais na história política desse país alguém foi tão agressivo com relação às mulheres”, afirmou o magnata.

Hillary não comentou as acusações, mas citou uma fala da primeira-dama Michelle Obama. “Quando eles derem um golpe baixo, você vai por cima”, disse, arrancando aplausos, e acrescentando que não é apenas um vídeo que paira sobre a campanha de Trump.

“Ele não pede desculpas a ninguém que ofende. Não pediu desculpas à família de Khizr Khan (militar muçulmano morto no Iraque), não pediu desculpas ao juiz federal de Indiana que ele afirmou não ser confiável por ser mexicano, nem à repórter que ele envergonhou em plena rede nacional e nem a Obama, de quem duvidou ter nascido nos Estados Unidos”, completou Hillary.


Terrorismo e crise migratória

Uma eleitora quis saber a opinião dos candidatos sobre o preconceito com os muçulmanos. Para Trump, a islamofobia existe e é um grande problema no país. “Gostando ou não, esse problema existe”, declarou. “Eu quero ter certeza de que os muçulmanos denunciem [casos de terrorismo]; Há sempre uma razão para tudo e, se os muçulmanos não fizerem denúncias, vai ficar difícil”.

Clinton, por sua vez, lamentou o que chamou de “comentários que dividem” o país e citou Muhammad Ali como exemplo de verdadeiro muçulmano. “Minha visão para os EUA é de que todos tenham um lugar para poder trabalhar duro e contribuir para a comunidade. Entrar nessa demagogia de Trump é ser míope diante do problema; precisamos dos muçulmanos para trabalhar contra o terrorismo; eu quero derrotar o Estado Islâmico em uma coalização com países muçulmanos. Não estamos em guerra contra o Islã; as falas de Trump, aliás, favorecem os terroristas”, comentou Hillary.

Uma das jornalistas que mediava o debate perguntou, então, ao magnata sobre sua política de proibir a entrada de muçulmanos no país. “Ninguém sabe quem eles são”, respondeu o republicano. “Obama quer aumentar a entrada deles nos EUA, será o maior cavalo de Troia da história. Não quero centenas de milhares de pessoas da Síria que não conheço e não sei se gostam ou não do meu país. Temos muito imigrantes ilegais criminosos aqui. Hillary não quer fazer isso, mas eu vou deportar todos eles.”

Hillary lembrou da foto do menino de quatro anos ferido após um bombardeio em Aleppo. “Existem crianças sofrendo com essa guerra. Não estamos carregando a carga que a Europa está carregando. Faremos uma triagem dura, mas é importante ter uma política que não proíba as pessoas por causa da religião delas.”

E-mails e wikileaks

Trump aproveitou escândalos envolvendo Hillary para atacá-la. O republicano disse que a adversária também deve desculpas e explicações sobre os 33 mil e-mails que ela apagou quando era secretária de Estado e falou que vai empossar um ministro da Justiça especialmente para o caso dela, caso seja eleito presidente.

“Foi um erro ter usado uma conta pessoal de e-mail [para o trabalho], eu não faria isso de novo, peço desculpas. Quero lembrar, porém, que em um ano de investigação, não encontraram nenhuma informação sigilosa que possa ter parado em mãos erradas. Agora, é bom saber que um temperamento como o seu não está à frente da nossa lei”, respondeu Hillary ao republicano. Trump provocou e disse que, se isso fosse a realidade, ela estaria presa.

Outro escândalo foi o vazamento do Wikileaks sobre discursos pagos da democrata. A candidata falou que as informações estão descontextualizadas e alertou para a série de hackeamentos feito pela Rússia com a intenção, segundo ela, de influenciar as eleições a favor de Trump. “Talvez porque Trump concorde com as coisas que Putin [presidente russo] faz ou porque quer fazer negócios em Moscou; eu realmente não sei.”

Respeito

No primeiro debate, Trump e Hillary apertaram as mãos no início e no final do encontro. Desta vez, não houve cumprimentos, apenas um mais contido no encerramento do debate.

O claro aumento de tensão entre os dois foi notado pelos eleitores. Um deles pediu até para que os candidatos falassem algo que fosse “respeitoso” um ao outro, o que gerou risos na plateia.

Respondendo primeiro, Hillary afirmou que admira muito os filhos de Trump. “Eles são hábeis e comprometidos, um reflexo de Donald. Posso não concordar com muita coisa que ele diz, mas respeito esse fato.”

Já Trump afirmou que não concorda com os objetivos pelos quais a democrata luta, mas que ela é uma “lutadora que não desiste nunca”. “É uma ótima característica”, definiu. “E agradeço o elogio aos meus filhos, não sei se foi sincero, mas tenho muito orgulho deles.”

Análise

Para a ex-correspondente nos Estados Unidos Patrícia Campos Mello, Trump conseguiu se salvar dos escândalos que o aguardavam neste debate. “Acho que ele foi suficiente para não acabar com a própria campanha. Ele não mostrou arrependimento e ainda dobrou a aposta, discutindo coisas importantes para os eleitores dele.”

O jornalista norte-americano Matthew Shirts concordou. “Foi surpreendente. O Trump se saiu melhor do que no outro debate. Em relação à Hillary, acho que houve um empate.”

Por fim, Solange Reis, coordenadora do observatório político dos EUA, analisou que Trump teve um bom começo de debate, mas depois derrapou. “Ele estava terrivelmente despreparado para assuntos que ele não tem conhecimento, como política externa.”

(Karen Lemos - Portal da Band)

sábado, 8 de outubro de 2016

Cidade goiana elegeu um vereador, mas terá cinco

O mandato coletivo da esquerda para a direita: professor Sat, Laryssa Galantini, Ivan Anjo Diniz, João Yuji e Luís Paulo Nunes (Foto: Divulgação)

Nas eleições municipais de 2016, mais de 25 milhões de eleitores brasileiros se abstiveram de registrar seu voto em todo o País. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram ainda que os votos brancos, nulos e ausências nas urnas “venceram” o primeiro turno para a prefeitura de dez capitais, sendo que no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte esse número foi maior do que os votos obtidos pelos dois candidatos que, agora, disputam o segundo turno.

A insatisfação diante da velha política no Brasil também incomodou alguns candidatos que disputaram o pleito deste ano. Entusiasta da política desde criança, e contagiado com o apelo por mudanças que despontou nas manifestações de junho de 2013, quando morou em São Paulo, João Yuji retornou para Alto Paraíso, em Goiás, querendo sugerir algo novo.

A partir de 2014, ele começou a desenvolver um formato para um mandato coletivo, convidando pessoas de diferentes expertises para dividirem as tarefas e atender as demandas do município. “Nossa ideia é descentralizar o poder legislativo. É uma articulação em longo prazo, que, das câmaras municipais, queremos levar até o Congresso Nacional”, explica João ao Portal da Band.

Na cidade com cerca de quatro mil votantes, a ideia agradou, e João – candidato formalmente registrado – venceu as eleições pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN), apresentando uma proposta diferente.

Junto com João, que cuidará da parte jurídica, trabalham no mandato Ivan Anjo Diniz (cultura), Laryssa Galantini (ambiente), Luís Paulo Nunes (turismo e comércio) e professor Sat (educação). “Estamos buscando ainda alguém que trabalhe na área da saúde”, disse Yuji.

Salário e novos membros

A novidade levantou algumas dúvidas em Alto Paraíso. Alguns questionaram como o grupo faria com relação ao salário que o mandato de um homem só receberia. Para isso, o coletivo registrou em cartório um acordo e o divulgou para os eleitores. O artigo 12 do acordo diz, por exemplo, que o subsídio do vereador “será de propriedade do coletivo, que somente poderá aplicar tais valores em assuntos de interesse comum do Município”.

Ou seja, o honorário de R$ 5 mil que um vereador da cidade recebe será destinado ao munícipio. “Todos do grupo vão trabalhar de forma voluntária. Toda vez que chegar o dinheiro do mês, vamos nos reunir e discutir de que forma ele será aplicado. É por isso que, quem quiser entrar no grupo, precisa realmente querer e assinar esse acordo”, explica João.

Sim, o mandato está aberto para adesão de novos membros, mas, para tanto, é preciso passar por um período de experiência e conseguir uma aprovação unânime. “Se uma pessoa do grupo não concordar com a entrada de uma nova pessoa, está vetado”, acrescenta o vereador eleito.

Existe ainda a possibilidade de expulsão, se assim o grupo desejar. João conta ainda que, embora as decisões sejam do coletivo, a opinião do eleitorado vai pesar. “Nossa ideia é estar perto do eleitorado, queremos que ele esteja lá conosco nas sessões da Câmara, mostre suas demandas e se aproxime; o nosso trabalho tem que ser feito com transparência.”

Uma política nova (e menos partidária)

Primeiro a abraçar a causa e a integrar o mandato coletivo, o turismólogo Ivan Anjo Diniz não é filiado a nenhum partido político; nem ele, e nem os outros membros do mandato – com exceção de João, claro, que precisava de uma legenda para se lançar candidato. “Não acreditamos muito nesse sistema que está aí. A ideia do mandato coletivo é suprapartidária e reúne pessoas de diferentes ideologias”, detalha.

Uma das coisas que atraiu Ivan para o projeto, além desse compromisso mais político, porém menos partidiário, foi a ideia de priorizar o comunitário, deixando de lado o “ego” e a “personalização” no Legislativo. O turismólogo acredita que as abstenções cada vez maiores nas eleições mostram que a política não pode estacionar.

 “A Câmara [Municipal de Alto Paraíso] era bem conservadora antes, agora tem mais jovens lá querendo fazer algo novo ali, abertos para propostas, com interesse em ajudar. Acho que estamos construindo um novo momento político”, disse ao Portal da Band.

Dos nove vereadores que lá trabalham, apenas um permanece após as eleições de 2016. “Isso mostra que a própria população buscou essa renovação. Ninguém aguentava mais continuar como estava.”

Ações e projetos

Antes mesmo de assumir o mandato em 2017, o coletivo já começa, em 18 de dezembro, a realizar mutirões por Alto Paraíso para agradecer os votos que recebeu. Os mutirões vão, inclusive, continuar acontecendo a partir do ano que vem para que se verifiquem as demandas – como limpeza e reformas – de cada bairro da cidade.

Outra preocupação do grupo é como a questão da segurança é vista pelo olhar político. “O nosso viés não é policialesco. Quando pensamos em segurança, temos que pensar em trabalhar com a infância e a juventude e na criação de oportunidades”, exemplificou Ivan.

Outras áreas de atenção serão educação, cultura, turismo, saúde e a veia mais forte do coletivo, o meio ambiente. “Com o dinheiro que vamos receber através do mandato do João queremos, por exemplo, investir nas nascentes no entorno da cidade, fazer uma brigada voluntária na época do fogo e atuar com educação ambiental em diversos problemas que temos na cidade”, conta a bióloga Laryssa Galantini à reportagem.

“Por sermos um grupo muito unido, acredito que conseguiremos alcançar nossos objetivos com a comunidade local, bem como formar uma rede com interessados em fazer outros mandatos coletivos com o nosso modelo em outros municípios”, completou a bióloga, que define as expectativas para o início do mandato como as melhores possíveis.

“O apoio que estamos recebendo não só dos moradores de Alto Paraíso, mas também do Brasil todo, tem nos fortalecido muito, nos motivado cada dia mais a trabalhar voluntariamente e a acreditar que estamos no caminho certo”, finaliza Laryssa.

(Karen Lemos - Portal da Band)