Cézar, Vitor, Deivid e Leonardo são da geração de estudantes que quer mais visibilidade às minorias (Foto: Portal da Band)
Receber a alcunha de “destruidores da tradição da universidade” diz muito sobre a necessidade dos grupos de militância dentro dos espaços acadêmicos. Ainda mais quando a “tradição” está relacionada à exclusão social, piadas preconceituosas e ações de violência, como as que são vistas em tradicionais festas universitárias ou nos batismos dos calouros.
“Criamos um coletivo porque queríamos que os bichos [como também são chamados os calouros] fossem recepcionados melhor do que nós fomos”, explica Leonardo Alvim, do Coletivo de Diversidade do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP).
Um dos participantes da segunda edição da Semana da Diversidade da Escola Politécnica, o estudante de licenciatura lembrou as festas de batismo do curso, na qual muitos calouros recebiam apelidos humilhantes ou pejorativos e tinham que correr, dentro de sacos de batata, e mergulhar em uma caixa cheia de água para “formalizar” o ingresso no curso.
Os grupos de militância, em sua opinião, contribuem para a formação de um ambiente mais agradável, principalmente para as minorias.
O evento foi organizado pela Frente PoliPride, outro coletivo voltado para a comunidade LGBT, que atua dentro de um cursos mais tradicionais da USP. “Nossa intenção é também quebrar o estereótipo da engenharia como um curso para homens, heterossexuais e cisgêneros (quem se reconhece com o gênero designado no nascimento). Somos muito mais do que isso”, descreve Cezar Vieira, estudante da Escola Politécnica e membro da PoliPride.
Além dos muros da universidade
A visibilidade que toda a militância traz dentro de um ambiente acadêmico é tão importante quanto a que é aplicada fora dos muros da universidade. Para Deivid Déda, do Coletivo da Faculdade de Medicina da USP (Mosaico), ter conhecimento e respeito pela diversidade vai muito além de aceitar um beijo gay em uma festa tradicional do curso.
“É entender que o LGBT existe e que tem uma saúde a ser tratada”, exemplifica. “Nas aulas, sempre falamos de medicina em termos heteronormativos e a saúde da mulher é totalmente voltada para a reprodução. Mas e a saúde dos transexuais? E a saúde da mulher lésbica? Os médicos mal sabem orientá-las sobre como se protegerem na hora do sexo.”
Vitor Piazzarollo, do Coletivo LGBT da Faculdade de Direito (SanFran), partilha da mesma opinião. “Estamos formando advogados e juízes que vão trabalhar, por exemplo, com a resignação de nomes sociais para transexuais. É um processo difícil, a lei é vaga nesses casos, então vai muito de acordo com as convicções do juiz. Um juiz que teve mais contato com essas pessoas em um ambiente acadêmico tende a ter mais cuidado com elas; não as deixam desamparadas”, pontua Vitor, que cita o grupo de estudos sobre auxílio jurídico para trans, que o coletivo criou dentro do curso, como uma ferramenta que transforma o olhar que se tem dessa população.
Ajuda mútua entre coletivos
Há cerca de 10 anos, um gay assumido na faculdade era a grande piada do curso. De 2012 para cá, essa realidade está cada vez mais distante com o surgimento de inúmeros grupos que discutem as políticas afirmativas para negros, mulheres, LGBTs, entre outros. Com isso, esse debate avançou muito – e em pouco tempo.
Uma das razões do êxito desses coletivos é que eles mutuamente se apoiam e se ajudam. “Partilhamos de uma espécie de realidade conjunta. Todos nós temos a luta pela igualdade em comum”, diz Cézar, da Frente PoliPride.
“Teve um caso de estupro no Instituto de Química no qual nós, que representamos também o curso da engenharia química, ajudamos a desenvolver ações em repudio ao estupro por lá”, detalhou.
Reflexo na sociedade
Para Cézar, a universidade pública reflete em alguns pontos o que somos enquanto sociedade. “Muita gente chega aqui vindo de comunidades ou escolas conservadoras. Aqui, elas têm a oportunidade do primeiro contato com a diversidade.”
“Por isso é tão necessário ter esse esforço de trazer para cá um debate que é negligenciado lá fora”, observa o estudante de medicina Deivid Déda. “Precisamos pensar nos problemas tanto em nossa realidade social quanto na profissional.”
Vitor Piazzarollo ressalta que, mesmo quem não está inserido na comunidade LGBT, pode ter uma influência na vida dessas pessoas. “E prejudicá-las, se tomarmos decisões carregadas de preconceitos. Cito como exemplo a lei do divórcio. Até pouco tempo atrás, a mulher precisava provar que sua honra estava sendo ferida para que o divórcio fosse aceito. Hoje, com o debate feminista em voga, a lei foi alterada.”
As mudanças que transformam a própria sociedade também começam a ser notadas no campo acadêmico. “Antes, se dois homens se beijassem em uma festa universitária, eles levavam latas de cerveja na cabeça, empurrões ou até socos. Isso acontece menos agora porque existe a resistência da militância. Também vejo isso acontecendo com as mulheres, que não aceitam mais o assédio dentro das universidades”, pontua o estudante de direito.
A militância não precisa partir somente dos grupos organizados em torno de uma causa. “É possível fazer sua parte mantendo o respeito e, se possível, repreendendo preconceitos”, aconselha Cezar Vieira, que também menciona a aceitação de grupos minoritários em ciclos de convivência, como o estudantil. “Não dá para falar de diversidade na universidade sem que essas pessoas estejam, de fato, presentes na universidade”, enfatiza o aluno da Escola Politécnica, que não deixa de destacar a importância das cotas e dos programas de ingresso ao ensino superior, como o Fies, ProUni, Sisu, entre outros.
(Karen Lemos - Portal da Band)
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