segunda-feira, 5 de novembro de 2012
Laurence, prazer!
Laurence Alia é um premiado professor que leciona sobre os grandes pensadores da nossa história. Enquanto encanta sua sala e aumenta sua popularidade na escola, ele imagina como a vida de, por exemplo, Marcel Proust – escritor francês homossexual - deve ter sido difícil no século passado por conta de sua sexualidade. “Eles teriam desejado viver em nossos dias”, diz ao concluir mais um dia de trabalho.
A declaração é feita mais pela vontade que Laurence tem em que acreditar que a modernidade está ao seu lado. Mas não está.
Logo percebermos que o protagonista não é um professor qualquer. Há um certo incômodo visível nele, que o faz pausar para reflexão durante suas palestras e, mostrando indícios mais claros do que veremos no filme, o faz colocar clipes nos dedos para que pareçam com as unhas de uma mulher.
“Laurence Anyways” começa dez anos antes do protagonista tomar uma grande decisão. Em 1990 ele resolve se assumir da forma como é: uma mulher presa no corpo de um homem. Não acompanhamos o drama da auto-aceitação que, aquela altura, se supõe, já está superada.
Ao anunciar a ‘novidade’, o que ele ouve como resposta é o cortante grito da repulsa da sociedade que ele imaginava que o aceitaria. Sua namorada é a primeira a receber a notícia – com choque, claro. A princípio, ela aceita, mas depois que a situação começa a pesar, ela foge. Com sua mãe, cuja relação já se estabelece fria para o espectador, acontece o parecido.
A linguagem deste longa-metragem chama atenção. O tema é abordado de forma sensível e, em alguns momentos, parece que entramos em um vídeo-clipe (a trilha sonora é excelente, com bandas como Visage), por vezes beira o experimentalismo, usado de forma frequente em sequências chaves de tensão, alívio e outras emoções.
Acompanhamos o início de tudo: a maquiagem, as roupas de mulher, os brincos e as perucas. A experiência mais radical acontece quando ele dá sua primeira aula vestido como uma professora. Sentimos todo o constrangimento do personagem diante da classe calada. Uma aluna faz uma pergunta frívola sobre sua disciplina, quebrando o momento de tensão pré-estabelecido.
Depois dessa experiência, ele se sente mais seguro com relação à sua realidade – pura ilusão. A escola o rejeita e Laurence perde o emprego. Estaria ele no século passado, assim como Proust? Antes de deixar o emprego, ele escreve com giz na sala dos professores: Ecce Homo - palavras que Pôncio Pilatos teria dito, em latim, ao apresentar Jesus Cristo aos judeus de acordo com o evangelho.
Adaptando-se a nova vida, o personagem começa a escrever um livro de poemas e continua lutando contra seus algozes; um deles personalizado naqueles figurões de bar, em quem acaba dando e de quem recebe uma bela surra. Nesse momento, Laurence é acolhido por outro transexual, que o ajuda e o abriga em sua casa com uma família bem inusitada. Com a intensificação de seus dramas, ele passa a se aproximar mais da mãe, quebrando o gelo que existe entre eles.
Ao mesmo tempo em que a mãe vai aceitando o filho, Laurence finaliza seu livro e segue para o Canadá em busca de sua namorada, o grande amor de sua vida. Casada e com um filho, ela deixa claro que seus sentimentos pelo namorado do passado vão além da aparência física dele (que já colocou silicone nas mamas a essa altura) ao receber uma cópia do livro e convidá-lo a sua casa.
Essa paixão, que nunca morre e quase tudo supera, é o foco do filme, e não a crise com a sexualidade como pensamos a princípio. Uma das cenas mais bonitas do filme é quando o casal viaja até Ilha Negra, local que volta e meia aparece na obra como sendo o objeto de desejo turístico do casal. Ao chegarem à ilha, uma chuva de roupas femininas cai sobre os dois. Extremamente poético.
É um bom filme, porém, longo. São quase três horas de uma história que poderia ser contada em uma hora e meia ou duas horas no máximo. “Laurence Anyways” peca pelo excesso de explicação. Nem tudo precisa de justificativa. A magia do cinema é simples.
(Karen Lemos)
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