domingo, 6 de novembro de 2011

Transgêneros em um cinema mais perto de você



Ao longo das décadas, o cinema seguiu investigando essa questão; a princípio, ou de forma tímida ou escrachada – com uma inclinaçãozinha para o humor sarcástico (caso de ‘Glen ou Glenda’ do nosso amigo Ed Wood). Perto dos anos 2000, a coisa começou a ficar séria. Quem, na década de 50 (finalzinho da Era de Ouro de Hollywood), imaginaria que uma atriz levaria o Oscar por sua atuação como uma trans nas telonas? Pois bem, isso aconteceu em 1999 quando Hilary Swank levou a estatueta dourada por ‘Meninos Não Choram’.

Um tempo depois, em 2005, ‘Transamérica’ também colocou sua protagonista, Felicity Huffman, como uma das favoritas do ano de 2006 na competição mais prestigiada do cinema. Quanto avanço, não?

Sejamos francos, já era tarde. Porém, mais tarde ainda é essa questão chegar somente agora, no ano de 2011, causando muito rebuliço em uma sociedade ainda opressora e que transborda de pré-conceitos, como o Irã. A reação não poderia ter sido outra com o lançamento de ‘Olhando Espelhos’, filme iraniano sobre uma jovem transgênera que bate de frente com a família e os falsos puritanos de seu país. Viajar para o exterior, na esperança de conseguir uma operação para mudar de sexo, é sua única solução – e o longa acompanha essa trajetória, sem fazer qualquer tipo de julgamento; apenas conta a história.

‘Olhando Espelhos’, que esteve na programação da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo deste ano, levantou uma questão interessante. A partir da revolução islâmica de 1979, a justiça iraniana classificou os transgêneros, transexuais e travestis no mesmo grupo dos gays e lésbicas; com isso, as leis que imperam dentro desse grupo passam a valer, também, para os novos integrantes. Entre as sentenças, estão sessões de torturas e penas de morte. As opções restantes são: manter segredo sobre sua sexualidade, fugir do país ou então enfrentar o veredicto.

Vemos que esse quadro vem mudando, mas, aos passos de formiga. Prova disso está na luta de Maryam Khatoon Molkara, primeira transexual assumida no Irã, que levantou uma campanha em prol do reconhecimento de quem sofre com a questão da sexualidade. Existe até mesmo um grupo filantrópico por ela criado, batizado de Fundação de Caridade Imã Khomeini, que faz empréstimos em até US$ 1.200,00 para ajudar no pagamento de operações de troca de sexo.

É uma batalha louvável em tempos em que Mahmoud Ahmadinejad, atual presidente do Irã, declarou que não existem homossexuais em seu país. Até porque, se existirem, o governo trata de interná-los até que possam encontrar a ‘cura para o problema’. Se não funcionar, 100 chibatadas podem resolver. Ainda não? Então, é caso perdido mesmo. O destino é a forca! Sim, infelizmente vemos homossexuais sendo assassinados pelas leis da justiça em pleno século XXI.

Entretanto, é interessante analisar o contraponto levantado por Maryam e seu embate que agora ganha reforço com o lançamento de ‘Olhando Espelhos’ em seu país. Através do cinema, a questão está sendo exposta, vista e poderá ser, de alguma forma, discutida.

É um grande passo, os tempos mudaram. Mas, deixando a hipocrisia de lado, ainda não é o suficiente para que filmes como ‘Olhando Espelhos’ não sejam encarados como filmes que falam sobre dramas e problemas de um transexual, e sim sobre a história de um ser humano que tenta se encontrar. Bom, mas esse conceito não existe lá, no Irã, nem aqui, no Brasil, e nem em nenhum outro lugar do mundo. E isso, sim, já é tarde.

(Karen Lemos - colaboração para 'Bota Dentro')

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