domingo, 15 de maio de 2011

Filme traz Murilo Rosa em desafio como morador de rua


Embaixo do Elevado Presidente Costa e Silva, na cidade de São Paulo, Otoniel Badaró acorda. Todo maltrapilho, ele corta sua barba muito espessa com uma tesoura e lava o rosto com água em um recipiente improvisado. Ele olha, reflexivo, ao redor e se dá conta de que não tem mais nada a perder - pois já perdeu tudo o que um dia já possuiu.

A história é o retrato do abismo de um metalúrgico de 38 anos de idade que, após perder seu trabalho, a família e sua dignidade, acaba sendo jogado para a margem da sociedade na capital paulista. Em estado lastimável, o ator Murilo Rosa nos mostra essa realidade em No Olho da Rua, novidade do cinema nacional que chega no próximo dia 13 e 20 de maio às telas de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente.

"Eu tinha vontade de fazer um filme sem final feliz. Sempre vemos finais felizes nos filmes e nem sempre na vida real acontece dessa forma, principalmente na história de uma pessoa que perde tudo. Alguns dão a volta por cima, mas outros, infelizmente, não conseguem. Essa é uma realidade que me interessava contar", declarou o ator a CARAS Online.

Além de uma preparação física, Murilo também se embrenhou no dia-a-dia dos trabalhadores metalúrgicos de São Paulo para tomar conhecido da rotina sofrível e do descaso que esses operários enfrentam. "Fui para as fábricas de metalúrgica; fiquei um tempo lá, aprendi a trabalhar e conheci muitas vidas, pessoas totalmente diferentes uma das outras, que a encaram as coisas de formas diversas. O Otto, meu personagem, não foi inspirado em nenhum deles, eu o criei a partir dessa vivência".

O declínio de Otto tem início após sua demissão na fábrica em que trabalha há 20 anos. Com um filho e uma mulher grávida para sustentar, ele entra em desespero, passa noites no bar para esquecer sua realidade e acaba na rua, depois que sua mulher resolve deixá-lo no momento em que ela dá à luz (Otto, inclusive, perde o nascimento de sua filha porque estava bebendo com amigos).

"Todo mundo já passou por uma experiência de dificuldade. Ficamos desestabilizados, não sabemos como agir, ficamos agressivos", resumiu o ator Eric Lenate, que vive Tiago, um dos amigos de Otto na trama. "A desigualdade social é só uma das camadas que o filme aborda. Tem várias outras, principalmente questões humanas. Os personagens estão sempre em conflito. Isso nos dá um cenário multifacetado incrível", acrescentou a atriz Gabriela Flores, que dá vida à Camila, mulher do protagonista.

No meio do caminho, o personagem de Murilo Rosa encontra o irreverente Algodão, carioca da periferia, apaixonado por cinema, que se muda para São Paulo em busca de oportunidades. Ao lado de Otto, cria um programa de denúncia, em uma rede de televisão pirata, em que a história do metalúrgico é contada. Algodão, vivido pelo ator Leandro Firmino (que interpretou o emblemático Zé Pequeno em Cidade de Deus) é um respiro para a trama. "O Algodão, na verdade, foi um grande presente. Assim como o Zé Pequeno. No entanto, os dois personagens são muito diferentes. Vejo o Algodão como uma pessoa super positiva e idealista", definiu.

Estreia no Sindicato

No Olho da Rua, vale destacar, teve sua pré-estreia realizada na Sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Nada mais apropriado para a ocasião. "Foi perfeito ter estreado no sindicato. Nós temos o cinema sobre a classe média fazendo muito sucesso, mas existem outras classes também nesse 'mexidão' da realidade brasileira", disse Pascoal da Conceição, que interpreta um líder sindicalista (e também pastor evangélico) no filme.

Quando começou a ser pensando, em 1999, a taxa de desemprego na época estava em 14%. Embora hoje, em 2011, essa porcentagem tenha caído para 7%, para o diretor do longa, Rogério Corrêa, o tema da desigualdade social ainda está em extrema evidência. "Eu queria discutir a história desse operário que tem porte físico e mental perfeito mas, ao ficar desempregado, tenta sobreviver em uma metrópole como São Paulo, em que você precisa de um trabalho decente senão você é jogado para a marginalidade. É uma crueldade do Estado e a sociedade, que são obrigados a dar suporte para que se viva dignamente neste país. E é isso que o filme fala", concluiu o cineasta.

(Karen Lemos - Portal Caras)

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