terça-feira, 3 de agosto de 2010
Sempre transgressor, Ney Matogrosso agora é ícone fashion
Convidado para abrir a edição 2010 do Ziguezague, evento de moda paralelo a São Paulo Fashion Week, Ney Matogrosso ficou espantado ao ver seu nome relacionado ao mundo de plumas e paetês. No entanto, o cantor vem aceitando melhor a ideia. Desde que foi chamado para cantar no desfile da Blue Man, no último Fashion Rio, Ney tem refletido e, com o tempo, vem encontrando semelhanças com sua performance extravagante no palco com as passarelas do universo da alta costura.
“Fiquei surpreso quando recebi o convite. Não sabia que meu nome era associado com moda. Depois notei que eu tenho mesmo essa relação com imagem, e eu acho ótimo que eu esteja provocando esses estímulos”, explicou em entrevista para o Famosidades.
O cantor subiu na passarela do Fashion Rio para cantar “Cuando Calienta el Sol”, rodeado por modelos musculosos e seminus.
“Esse lance do desfile da Blue Man me interessou muito, porque é uma mistura de moda, música e teatro. Acredito que as artes estão mesmo interligadas, e somente fui cantar por estar em outro ambiente. É claro que não sou modelo, e jamais cantaria vestindo uma sunga”, disse, afastando a ideia.
Em viagem remota ao passado, Ney vislumbrou sua adolescência, e se deu conta de que, em termos de estilo, sempre foi um ser transgressor, algo que acabou se estendendo para a carreira que já completa 36 anos.
“Sempre fui uma pessoa contrária a regras. Nos anos 1960, por exemplo, quando morava no Rio de Janeiro, eu gostava de andar de regata e tamanco de português. Faltavam me jogar pedras nas ruas e eu não entendia como, em uma cidade tão quente feito o Rio, os homens eram obrigados a andar de sapato fechado”, recordou.
Essa mentalidade de Ney se manteve até sua entrada no fenômeno Secos & Molhados, conjunto de rock brasileiro que abalou as estruturas do país em pleno regime militar na década de 70. Com a proteção de uma maquiagem facial, inspirada no teatro japonês Kabuqui, o cantor se esbaldou na liberdade de figurinos e interpretação.
Apresentava-se apenas com pedaços de pano e já investia no erótico. Elemento que passou a ser frequente ao longo da carreira. “A primeira vez que surgiu o erótico em meus shows foi no ‘Bandido’. Existia esse desafio na nudez e eu me perguntava: ‘Por que não posso mostrar?’. Então exacerbei mesmo, lambia salto de bota e trocava de tapa sexo, coberto apenas por um pequeno biombo, na frente de toda plateia”, afirmou.
O lado sexual aflorado artista, por vezes, invadia a vida pessoal. Ele conta que houve uma época em que não conseguia dormir se não fizesse sexo. O desejo era tanto, que se expandia até o público de seus shows.
“Eu olhava para a plateia e desejava, sabe? Queria fazer sexo com todo mundo que estava ali. Hoje em dia não tenho mais essa coisa louca. A plateia agora é uma pessoa que conheço há 36 anos e tenho toda intimidade do mundo”, contou.
Não é à toa que Ney tem fotos suas, um figurino, e um vídeo da época dos Secos & Molhados expostos da mostra “A Cidade do Homem Nu”, em cartaz no Museu da Arte Moderna de São Paulo. A exposição traz algumas obras de Flávio de Carvalho, artista plástico que escandalizou a sociedade dos anos 1950, ao sair pelas ruas usando uma saia.
O impacto é bem parecido com os shows de Ney Matogrosso, onde a transgressão é sempre bem vinda. Essa liberdade corporal o cantor atribui, em partes, ao figurino e alguns acessórios cênicos que lhe dão essa “coragem” para o desbunde.
“No show ‘Destino de um Aventureiro’, eu tinha umas orelhas de ouro que colocava na cabeça, e aquilo que dava uma força, um poder incrível”, confessou. Anos depois, em 1989, algo parecido aconteceu no palco. Ney estrelava um show que não tinha nome e, durante a entrevista, revelou algumas curiosidades da criação.
“Naquela época eu tomava Daime e, em um dos trabalhos, surgiu a imagem de um homem de crina de cavalo. Decidi então que faria uma peruca com crina de cavalo. Usei no show, e quando vestia aquilo, virava uma entidade latina, sabe? Eu era remetido para os Andes”, relembrou.
Os figurinos sempre tiveram peso nas apresentações do cantor, mesmo quando o extravagante e o brilho das fantasias estavam ausentes. Foi o que aconteceu com o show “Pescador de Pérolas”.
“Quando decidi fazer esse show, pensei: ‘Vou fazer tudo o contrário. Agora quero cantar músicas clássicas brasileiras, vestido de terno’. Embora eu usasse o terno como fantasia, aquilo dava um contraste”, explicou.
A empreitada deu certo, tanto que, hoje, Ney alterna apresentações mais intimistas entre mais elaboradas. A forma como isso funciona é emblemática. O artista conta que imagens para shows pulam aleatoriamente em sua cabeça, e há um segredo para captar tantas idéias.
“O que eu faço é liberar meu inconsciente para captar essas coisas. Estou sempre aberto, sempre recebendo informações, e quando elas vêem, eu anoto tudo, ou desenho, para não esquecer”, revelou.
Prestes a encarnar o Bandido da Luz Vermelha, personagem ícone do Cinema Marginal Brasileiro, Ney precisou de muita abertura do inconsciente para criar os arquétipos do seu bandido, que será estrela de “Luz nas Trevas”, continuação do clássico “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla.
“Quando Helena Ignez [viúva de Sganzerla e diretora do longa] me convidou fiquei surpreso! Aceitei na hora, depois fiquei um pouco assustado, já que se tratava de um ícone do cinema.”
Os medos, revela Ney, iam desde comparações com seu personagem ao clássico de 1968 até o receio de não ser um ator profissional. No entanto, quando soube que poderia expandir sua interpretação, o cantor entrou de cabeça no papel.
“Para a figura do Bandido, deixei a barba crescer, achei aquilo interessante e mostrei para Helena, que adorou. O figurino fui buscar em meu armário, pensando: ‘Que roupa um preso poderia usar?’ [risos]”, entregou.
Seja na passarela, na frente das câmeras ou mesmo no palco de casa de shows pelo mundo, Ney é um artista multifacetado, que surpreende em cada trabalho que realiza. Inovar é um verbo que o cantor adora colocar em prática na carreira, e ele explica o porquê:
“Nunca estou satisfeito, sempre quero mais. Só que esse meu pensamento é um pouco egoísta, porque não faço isso pensando no meu público, e sim no meu próprio prazer em cima do palco. É algo que me mantém interessado e, dessa certa forma, talvez eu possa me manter interessante também”.
(Karen Lemos - Famosidades / MSN Brasil)
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