quarta-feira, 18 de agosto de 2010

"Ironweed", por Babenco e Kennedy


“Ironweed” foi palco para um debate rico, realizado na última quarta-feira, 11, na Livraria da Vila Lorena, em São Paulo. Hector Babenco e William Kennedy, responsáveis pela difusão da história indigesta, se encontraram e fizeram do final daquela tarde fria paulistana uma reunião entre amigos.

Babenco, cineasta argentino radicado no Brasil, indicado ao Oscar por “O Beijo da Mulher Aranha” (1987), e Kennedy, repórter investigativo que fez uso de sua experiência para escrever romances (mais de dez obras publicadas), participaram da Pós-FLIP, organizada para quem perdeu as palestras de Paraty.

Não são poucos os motivos de “Ironweed” ter demorado a alcançar sua glória. A trama não cai na aceitação de qualquer um mesmo. Até o Prêmio Pulitzer, que recebeu em 1984 pela obra em questão, foram muitas reviravoltas. Mendigos, depressivos, alcoólatras, adoecidos, loucos, além de corrupção e violência, são alguns dos elementos que permeiam a escrita de Kennedy.

Todo esse universo acabou conquistando um jovem cineasta, que na época mal sabia ler inglês, mas foi cativado por um livro, disposto na biblioteca de um amigo que fora visitar.

“Foi o primeiro livro em inglês que li. Na época, só lia autores estrangeiros quando traduzidos para o espanhol ou português. Lembro-me de ler três ou quatro páginas de ‘Ironweed’, e ser tomado pelo livro. Em cada capítulo, ficava fisgado pela dimensão poética dos personagens, era algo, até então, desconhecido para mim”, conta Babenco.

Os personagens no qual o cineasta de refere, Francis Phelan e Helen Archer, são dois moradores de rua, alcoólatras e iludidos. Vivem embriagados para tentar esquecer traumas do passado. Francis, como exemplo, lida com a sombra da morte do filho, provocada por ele ao deixa-lo cair no chão quando ainda bebê.

Helen é uma pianista que caiu na decadência após ter experimentado fama e reconhecimento durante anos. Os dois personagens se envolvem e, em dado momento, precisam retornar à sanidade, já que Helen apresenta uma saúde frágil e necessita da ajuda do companheiro.

Na adaptação de Babenco, o elenco escalado é estelar. Jack Nicholson é Francis e Phelan, e Meryl Streep, Helen Archer. Embora toda adaptação cinematográfica jamais será fiel a sua obra original, Kennedy conta que ficou satisfeito com o resultado que viu nas telas.

“Perdemos algumas boas histórias, por conta do tempo no cinema; mas ganhamos muito com a interpretação dos atores [Nicholson e Streep]”, acrescenta.

O autor ainda detalhou algumas alterações que algumas especificidades das personagens perderam, quando levadas ao cinema. “O Francis deveria ser quase um cadáver, e Jack chegou com uma pança enorme no filme. Já Meryl, que no livro tinha uma barriga quase de grávida, estava muito longe daquela descrição”.

A imagem dos atores, no entanto, acabou sendo fixada na cabeça do escritor. “No meu próximo livro, que estou escrevendo, o personagem de Francis volta, e só o consigo imaginar o Jack ao pensar nele”, diz Kennedy.

Vagabundos demais

“Ninguém quer Nicholson e Streep sem lar e alcoólatras [risos]”, começa dizendo Babenco, ao questionado sobre as dificuldades de se levar uma história tão densa às telas. “A América não gosta de ver e de mostrar a própria miséria. É um tema [sobre os desabrigados] conhecido por lá, mas que simplesmente não se fala”, pontua.


Já difícil de emplacar nos cinemas, Kennedy, então, sentiu dificuldade maior ainda dentro do universo conservador da literatura no tempo em que tentou lançar “Ironweed”. O livro foi recusado treze vezes por conta do seu conteúdo. “Tinha vagabundo demais, pediram para tirar alguns deles” ri Kennedy. As situações adversas, no processo de publicação, não eram raras. Editores “presenteados” com o manuscrito de “Ironweed” foram demitidos, existe até a história macabra de um publicador que faleceu no metrô, dias antes de dar uma resposta para o conto de Kennedy.

Para Babenco, não somente o autor sofreu. “Ironweed” para os cinemas foi lançado em uma época de crise financeira mundial, em meados dos anos 90. Babenco contou que o filme sofreu com o saldo negativo arrecadado. “Ninguém [cineastas e seus projetos] saiu naquela época, foi uma catástrofe. Não teve o sucesso nem perto do que eu imaginava”.

Aposta

Em 1986, quando conheceu Hector e firmou a parceria para adaptação de “Ironweed”, Kennedy escrevia seu quarto livro. O escritor divide que, da parceria profissional, surgiu uma brincadeira entre os dois. Eles apostaram quem iria terminar o trabalho primeiro: Hector, seu filme, ou então Kennedy, que estava finalizando uma nova obra.

O prêmio, combinado entre ambos, era uma caixa de vinho e outra com charutos cubanos, embora Kennedy não fumasse.“Bom, ele ganhou”, disse melancólico o escritor, apontando para o cineasta, arrancando risos de Hector, ao lado, e da plateia presente.

Questão de estilo

“Percebi que estava imitando tantos outros escritores que admirava, e agregando aqueles estilos à minha escrita. Estou roubando Kafka! Pensei, comigo. Resolvi, então, me livrar de todos aqueles jeitos de escrever, e tudo o que sobrou, virou meu estilo próprio”, revela Kennedy, em tom irônico.

A busca por um estilo nunca foi obsessão de Kennedy, que encontrou sua escrita quando parou de procurá-la. A visão de Babenco é parecida, embora com um forte instinto artístico sobrepondo uma preocupação mais estética.


“É como perguntar a um jogador de futebol como ele faz um gol”, conta Babenco entre risos. “Se ele souber como fez, não funciona mais”.

“Nunca terminei a escola. O que eu fiz foi ler muito, perguntar muito, mentir muito, até que chegou o momento em que eu precisava provar que era capaz de algo. Quis fazer o que outros já fizeram, para dizer se gostava ou não”, diz o cineasta que, assim, chegou ao cinema.

“Fiz um curta, chamando ‘Natal em São Paulo’. O fotógrafo que trabalhava comigo perguntou: ‘que lente você quer?’. Eu olhei e respondi; ‘Porquê? Você tem várias lentes?’ [risos]. Eu não tinha ideia de como fazer aquilo, nunca tive saco com equipamento. Só coloquei o olho no buraco e encontrei o jeito de captar o que eu achava certo”, conta.

Para manter sua arte, mais instintiva do que técnica, Babenco tem macetes que inclui não ir ao cinema, por exemplo, para não poluir seu olhar de improviso. “Percebi que quanto mais informação recebia, mais perdia o meu olhar. Não quero fazer nada do outro, quero fazer o que eu gosto”, conclui.

(Por Karen Lemos)

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