Exposição na Escola São Paulo celebra aniversário da cidade com raio-X da Augusta
O mapa exposto na parede traça o caminho que vai desde a rua Martins Fontes até a Estados Unidos. A trilha já é bem conhecida pela maioria dos paulistanos, que recebem de presente, em comemoração ao aniversário da metrópole, uma visão criativa e sedutora de uma personagem que, se não fosse por sua existência, São Paulo seria parcialmente diversificada, como é da forma que conhecemos hoje.
Através de fragmentos da realidade urbana vivida na Rua Augusta, a exposição “2346”, em cartaz até o mês de abril na Escola São Paulo, traz à tona alguns mistérios que permeiam o universo habitado por todo tipo de gente. As disparidades, que tanto atraem os paulistanos e turistas - que chegam de todos os cantos imagináveis, viraram tema de análise.
O recorte da região foi feito todo pensado artisticamente, e envolveu recursos como instalações de vídeos, depoimentos em áudio, e fotos impressas com momentos dos frequentadores e suas experiências vividas ao extremo.
“A escolha da rua acontece, principalmente, por seus contrastes, que acabam servindo como uma amostra da enorme diversidade presente em São Paulo. Além disso, a Augusta permite enxergar nuances e diferenças que nem sempre os moradores da cidade percebem”, explica o grupo LAT-23, formado pelos artistas Cláudio Bueno, Denise Agassi, Marcus Bastos e Nacho Durán.
Algumas dessas nuances citadas pelo grupo, aparecem como pequenas representações da rua. Para ficarmos em um só exemplo, vale destacar as diferenças socioeconômicas encontradas a poucos metros de distância ao longo da Augusta. Em uma loja refinada no bairro Jardins, um relógio de marca pode chegar a custar R$ 12.000 mil, enquanto que, na mesma calçada, em direção ao centro da cidade, o objeto na versão genérica pode ser adquirido por cerca de 15,00 reais.
Rua sem face
A pretensão do grupo, no entanto, não é definir um rosto para a rua. Assim como a cidade que a abriga, a rua é tão diversa, que chega a ser impossível encontrar um elemento único que a represente. Apenas uma das muitas facetas de São Paulo, a Augusta torna-se, nas palavras dos artistas, uma rua “descarada”.
“Se o nosso mapa, assumidamente, não dá conta nem das nuances da Rua Augusta, qualquer sugestão de representação de uma metrópole, seria inútil”, esclarecem.
Pensando dessa forma, porém, podemos afirmar justamente o contrário: que a Augusta seria, na verdade, um espaço de muitas faces, desde que se questione o que seria da Augusta sem a existência das inúmeras pessoas que por ela passam, fazem histórias acontecerem, e ajudam na construção de sua emblemática imagem – que agora virou tema de exposição.
“Claro que o papel dos moradores é sempre importante para pensar uma rua, mas no caso de uma rua pública, como é a Augusta, a dimensão social, coletiva, o comércio, o lazer, os fluxos, enfim, toda essa gama de manifestações acaba interferindo na forma de olhar para aquele espaço”, conta o grupo.
Outro ponto ressaltado pelos artistas como um possível atrativo de paulistanos para a Augusta, diz respeito à revitalização que a rua passou nos últimos anos, seduzindo populares de todos os gostos e tipos. Para reforçar a ideia, o grupo citou a questão, levantada por Ale Youssef - sócio da casa noturna Studio SP (que vara madrugadas apinhada de gente) localizada, obviamente, na Augusta - de que a rua seria o exemplo de crescimento urbano através de iniciativas da própria comunidade local.
“Também é um lugar que ganhou uma importância recente por ter se transformado em um exemplo espontâneo de reurbanização da cidade”, complementam os expositores.
Coleta de dados
Em cerca de um mês, foram coletadas diversas informações sobre o universo urbano da Rua Augusta. No decorrer da pesquisa, o grupo fez registros da região em fotos e gravações de vídeo, além de terem conversado com os muitos frequentadores do espaço, em busca de boas histórias.
“Fizemos expedições pela região, conversamos com pessoas na rua, fomos a delegacias, hotéis e bares”, conta o grupo que, durante o processo, realizou o mapeamento de dados, através de um aparelho GPS, para cartografar o espaço.
“O processo foi um pouco parecido com o de fazer um documentário, com a diferença importante que o material coletado não tinha como destino um todo fechado”, definem os artistas.
O resultado se deu em um conjunto de fragmentos da Augusta, por vezes na forma impressa, como em fotos e artes gráficas, ou visual, a exemplo das instalações audiovisuais presentes na exposição.
A funcionária Débora, que trabalha na recepção da Escola São Paulo, achou diferente e interessante a exposição em seu ambiente de trabalho. Uma das obras, um retrato da violência e da loucura - muito presente na realidade da Augusta, despertou seu interesse.
"Essa foto, em particular, me chamou atenção”, disse, apontando para um retrato de uma perna tatuada com o desenho de um revólver, batizado de “Tiros e engarrafamentos”. Abaixo da imagem, palavras juntapostas (dando a ideia de continuidade) revelam uma, das tantas histórias que foram testemunhadas pela rua. “Quando você lê o texto, dá para imaginar a pessoa falando tudo isso, achei incrível”.
Para se chegar no resultado que tanto agradou Débora, o LAT-23 trabalhou em cima de um leque de opções para compor as obras da exposição, como lâminas de papel, adesivos, e claro, muita análise e criatividade.
“Cada elemento utilizado dizia respeito à forma e à mídia que consideramos mais adequada para contar aquela parte da história”, complementam os integrantes do LAT-23.
Mapeamento Online
Um dos atrativos da exposição – e também do grupo – é o conceito artístico através do mapeamento digital. A ideia mistura pesquisa de campo de um determinado lugar, feita através do registro de coordenadas geográficas e coleta de dados da região, com as artes plásticas que resultam em obras para a exposição.
Esse tipo de intervenção tornou-se comum após o advento de ferramentas digitais que captam informações de satélites para dar dimensão ao espaço físico habitado por nós aqui na Terra. Exemplos dessas ferramentas podem ser encontradas no serviço do Google Maps, e no cada vez mais popular GPS, parceiro inseparável de motoristas de grandes cidades (como São Paulo).
“2346” completa uma trilogia de mapeamento online iniciada pelo grupo com “Coexistências”, projeto gráfico em que os artistas fizeram uso da bandeira da Palestina, sobrepondo-a em uma representação virtual de Higienópolis, bairro tipicamente judeu da capital paulistana.
Outro espaço da metrópole também virou alvo da criatividade do grupo em “Kandinsky by Perdizes”. Como o próprio nome já diz, a exposição trazia o bairro de Perdizes, zona oeste da capital, sob o manto simbólico do quadro Composition VIII, do pintor russo do século XX Wassily Kandinsky.
O conjunto dessas obras tenta buscar, nas palavras do LAT-23, diversos pontos de vista sobre a cidade de São Paulo. Compostas artisticamente pela cartografia abstrata, as representações dos bairros destacam não apenas a diversidade local, mas também formam um retrato de seus habitantes.
“Ao contrário de uma resposta concisa sobre a cidade, o público vai se deparar com fragmentos. Talvez estes fragmentos o façam se sentir ainda mais pertencente a esta realidade ou, poderá lhe causar estranhamento diante de um lugar novo. São Paulo é assim mesmo, maior do que ela própria”, finalizam os expositores.
Confira algumas curiosidades da Augusta, reunidas em “2346”:
- 3 litros de cachaça por dia em uma esquina de bar
- 57 camisinhas por noite em um hotel de segunda categoria
- 30 maços de cigarro vendidos por dia em uma banca de jornal
- 804 ocorrências de furto entre os meses de janeiro e maio de 2009
“2346” - Grupo LAT-23
De 25 de janeiro a 1º de Abril
Segunda à sexta das 9h às 20h / Sábados: das 9h às 18h
Escola São Paulo
R. Augusta, 2239 – São Paulo / SP
Tel. 11 3060.3636
info@esccolasaopaulo.org
(Por Karen Lemos - O Estado RJ)
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