quarta-feira, 18 de abril de 2018

Família pede liberação de artista circense preso em operação contra milícia

Foto: Arquivo pessoal

Artista circense com carreira internacional, Pablo Dias Bessa Martins encontra-se longe do picadeiro, onde costuma a chamar atenção pela presença de palco e habilidade nos malabares e acrobacias. Atualmente ele está preso no Complexo Penitenciário de Gericinó (Bangu), para onde foram transferidos os detidos de uma megaoperação da Polícia Civil do Rio de Janeiro contra milicianos.

Além de Pablo, outras 158 pessoas foram presas no último dia 7 em um show de pagode que aconteceu em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio. Segundo a polícia, o evento foi organizado por um grupo de milicianos que utilizava o local como uma espécie de quartel general. Testemunhas dizem, porém, que o show era aberto ao público, foi divulgado pelas redes sociais, e muitos dos alvos não têm ligação comprovada com a milícia.

“O Pablo nunca se envolveu com coisa errada. A comunidade em peso conhece o trabalho dele, sabe da sua índole. [A prisão] foi como um soco. Todo mundo está indignado”, relata Jessica, mulher de Pablo, em entrevista ao Portal da Band.

Assim como o marido, Jessica é artista de circo. Eles se conheceram nas oficinas de artes circenses da Acaps (Ação Comunitária de Apoio Psicossocial), organização não-governamental que oferece também oficinas de dança, capoeira e reforço escolar para jovens de comunidades do Rio de Janeiro.

Foi lá que Pablo teve sua formação artística e, como retribuição, atuou como professor voluntário em algumas ocasiões. “Quando volta para o Brasil, após temporadas de apresentações na Europa, ele traz materiais caríssimos, como malabares, pernas-de-pau, monociclo, e doa para o projeto. Ele também ministra aulas e compartilha suas experiências com nossos alunos, que têm o Pablo como um exemplo, uma referência positiva na comunidade”, conta Jonathan Rodrigues, presidente da Acaps e amigo de infância.

Além da ONG, Pablo também fez capacitação profissional na Unicirco, projeto do ator Marcos Frota, que, segundo Jonathan, abriu as portas para uma atuação no exterior. Atualmente, o artista é contratado pela Up Leon, companhia brasileira que tem parceria com empresas que organizam espetáculos na Alemanha, Finlândia e Suécia, país para onde o brasileiro tem viagem marcada no próximo dia 24 para mais uma temporada de apresentações. Familiares e amigos de Pablo temem que a prisão impeça que ele viaje e cumpra sua agenda profissional.

30 minutos de troca de tiros

Foi para comemorar o sucesso na carreira, e também para marcar a despedida antes de mais uma temporada fora do Brasil, que Pablo, sua mulher, um primo e amigos foram ao show de pagode em Santa Cruz. “A gente viu a propaganda desse evento no Facebook e resolveu ir para celebrar a viagem dele”, lembra Jessica. Por volta das 3h, relata ela,  teve início uma confusão e troca de tiros no portão do local. “Foram uns 30 minutos de tiro”, disse.

“Depois, chegaram policiais se identificando, falando de uma denúncia sobre pessoas armadas no local. As mulheres puderam sair, mas os homens tiveram que ficar. Disseram que eles seriam encaminhados para a Cidade da Polícia só para uma averiguação de antecedentes criminais. Como o Pablo não tem passagem pela polícia, eu nem me preocupei. Fui para casa e fiquei esperando. Até hoje, ele não voltou”. O primo de Pablo e um amigo dele também foram presos.

Foto: Polícia Civil do Rio de Janeiro

Jessica chegou a levar documentos e o contrato do marido com a Up Leon na Cidade da Polícia, mas, segundo seu relato, foi ignorada. Mesmo após a transferência para Bangu, ela ainda não conseguiu contato com ele.

Habeas corpus indeferido

O defensor público Ricardo André de Souza tentou tirar Pablo Martins da prisão, mas o habeas corpus do artista circense, bem com de outros 21 clientes, foram indeferidos. “O caso dele conta com uma farta documentação que não só comprova o vínculo de prestação de serviços em uma agência de artistas como também faz link com um trabalho em outros países”, conta o defensor à reportagem.

Souza tem outros casos bem parecidos com o de Pablo nas mãos. “Diversos outros detidos comprovam vínculo empregatício e nenhum antecedente criminal. Há motoristas de ônibus, vendedores de loja, garis e até professor universitário.”

O defensor aguarda uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o habeas corpus de um de seus clientes para analisar o que poderá ser feito agora. “Dependendo da postura da Corte, vamos levar os outros habeas corpus para lá. Se não der resultado, o próximo passo é ir para o Supremo Tribunal Federal (STF)”, explica.

De acordo com informações da Polícia Civil na época da operação, os presos desse caso respondem pelos crimes de constituição de milícia privada e porte de arma de fogo de uso restrito. Na operação, foram apreendidas ainda 24 armas (fuzis, pistolas e revólveres), granada, 76 carregadores e 1.265 munições, além de 11 carros roubados. Na troca de tiros, quatro pessoas morreram.

O Portal da Band tentou contato com a Polícia Civil para esclarecimentos do caso Pablo Martins. Até o fechamento desta matéria, não houve resposta.

Febre e perguntas sobre o pai

Nos primeiros dias após a prisão de Pablo, seu filho de dois anos teve uma forte febre. “Levei ele para ser examinado e a médica disse que ele não tinha nada. Quando contei o que tinha acontecido, a doutora me explicou que poderia ser emocional”, recorda Jessica.

Foto: Arquivo pessoal

Embora Pablo fique meses fora do país a trabalho, a ausência do pai tem sido percebida de forma diferente pelo menino. “Ele não para de perguntar pelo Pablo. Ele fala ‘cadê o papai para brincar de circo comigo?’ Eu digo que ele está trabalhando, não consigo contar a verdade, até porque toda essa história é injusta, mentirosa. Mas acho que no fundo ele entende o que está se passando, e isso me dói muito. O Pablo é uma grande referência para nosso filho.”

“Eu só espero que meu marido saia limpo desta situação, que reconheçam que foi um erro prender ele. Quero meu marido sem manchas em sua dignidade, e livre para ir e voltar de qualquer país que ele quiser ou precisar. Lá fora ele sempre foi muito bem tratado. Não é justo que ele passe por toda essa humilhação no país onde nasceu”, lamenta.

(Karen Lemos - Portal da Band)

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Prisão iminente, voto misterioso e impacto no Judiciário rodeiam julgamento de habeas corpus de Lula no STF

Foto: Ricardo Stuckert

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (4), a partir das 14h, o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso tríplex do Guarujá.

Na sessão anterior, interrompida devido ao horário avançado, a Suprema Corte concedeu salvo-conduto garantindo a liberdade do petista até a apreciação desse habeas corpus. Isso impediu que Lula fosse preso em março, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) rejeitou os embargos de declaração, recurso disponível na segunda instância.

Pelo entendimento do STF, um condenado em segunda instância já pode começar a cumprir sua pena. O julgamento desta quarta, porém, pode mudar essa jurisprudência e manter Lula solto, inclusive para se candidatar nas eleições deste ano.

Se os ministros rejeitarem o habeas corpus, no entanto, a possibilidade de o ex-presidente ser preso é iminente. “Nesse caso, o próprio TRF4 já pode mandar expedir a execução imediata da pena ou determinar que o juiz da primeira instância [Sérgio Moro] o faça”, explica o especialista em direito penal Rogério Cury ao Portal da Band.

“Existe, porém, a seguinte discussão: deve-se aguardar a publicação do acórdão [documento oficial com a decisão do STF] para mandar prender Lula? A publicação pode acontecer de forma célere, entre dois ou três dias, mas é possível que a ordem da prisão seja emitida antes mesmo que o acórdão saia”, detalha ainda.

Em um cenário no qual os ministros da Corte acatem o habeas corpus, Lula não pode ser preso antes do trânsito em julgado, ou seja, todos os recursos em todas as instâncias da Justiça precisam ser apreciados para que o condenado passe a cumprir sua sentença.

O voto misterioso

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Já dá para ter uma ideia do posicionamento que os ministros do Supremo Tribunal Federal terão no julgamento desta quarta. O placar, todavia, está bem dividido: cinco contra cinco. Se as previsões se consolidarem, o voto de desempate será da ministra Rosa Weber, cujo parecer da questão ainda é incerto.
“Em 2016, quando a Corte discutiu a questão, Rosa Weber foi contra o cumprimento de pena após a condenação em segunda instância. Entretanto, desde aquela data, ela julgou o habeas corpus de 58 condenados e acatou apenas um, o que pode indicar que ela possa mudar de posição”, elucida Rogério Cury.

A decisão alternativa

Ainda há, entretanto, uma terceira possibilidade. O ministro Dias Toffoli apresentou uma alternativa que pode prevalecer na sessão desta quarta. No julgamento de 2016, ele defendeu o cumprimento de pena após a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Alguns colegas de Toffoli, como Gilmar Mendes, por exemplo, têm indicado que podem seguir esse entendimento, chamado de voto médio.
Se essa for a decisão da maioria dos ministros, Lula pode respirar aliviado – ao menos por um tempo. “Os processos de recurso no STJ costumam a demorar, em alguns casos até anos”, relata Rogério Cury.

Vale ressaltar que a apelação ao STJ, conhecida como “recurso especial”, trata apenas da matéria técnica, e não das provas. “A Corte pode até alterar o tempo de pena, por exemplo, se houver um entendimento de que algum dispositivo de lei foi violado na fixação da sentença, só não pode ocorrer a reapreciação de provas.”

Os recursos ainda possíveis

Seja qual for o resultado do julgamento nesta quarta, e independentemente se Lula for preso ou não, a defesa do petista ainda tem algumas cartas na manga. Além do já citado recurso especial no STJ, os advogados podem recorrer também ao chamado recurso extraordinário, uma apelação apreciada pelo STF.
“Por este meio, os advogados do petista suscitam a tese de que a condenação de Lula afronta a Constituição, que estabelece a condenação após o trânsito em julgado. Se os ministros assim entenderem, há chances de o processo ser anulado, Lula ser solto e começar tudo de novo”, exemplifica Cury.

A defesa de Lula pode ainda pedir medida cautelar de efeito suspensivo da prisão, caso o petista esteja na cadeia, se algum desses recursos for admitido pelas respectivas Cortes.

Os impactos no Judiciário (e na Lava Jato)

Foto: Gil Ferreira/SCO/STF

A decisão do STF não vai impactar apenas no futuro penal e eleitoral de Lula, e também não somente nos presos da Operação Lava Jato, mas em todos os réus condenados em segunda instância que já cumprem sentença.
Isso não quer dizer que revogar a jurisprudência vai “estragar” a operação que ganhou popularidade no Brasil. “O que pode ocorrer é que os presos, tanto da Lava Jato como de qualquer outro processo, serão soltos, mas eles já estão condenados – isso não muda. Hora ou outra, se assim a Justiça entender, eles voltarão para a cadeia”, explica o especialista em direito penal.

Para Cury, uma coisa é certa: discutir novamente uma questão já debatida em 2016 cria um clima de apreensão no Judiciário. “O habeas corpus é um dispositivo de extrema importância, por isso está assegurado na Constituição. Entendo que é um recurso a ser preservado pois garante o direito à liberdade. Avaliar essa questão várias vezes, em tão pouco tempo, cria uma insegurança jurídica muito grande no país”, avalia por fim.

(Karen Lemos - Portal da Band)