Ives Gandra Filho com o presidente Michel Temer (Foto: Marcos Corrêa/PR/Agência Brasil)
Nesta semana, o nome de Ives Gandra Martins Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), despontou como um dos favoritos à indicação de Michel Temer para a vaga de Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF). Então relator da Lava Jato, Teori morreu no último dia 19, em um acidente aéreo.
Junto com o favoritismo em volta de Gandra, veio uma repercussão negativa devido ao resgate de artigos por ele escritos, e reunidos na coletânea Tratado de Direito Constitucional de 2012. Na obra, o ministro expõe opiniões obsoletas, como a de que o princípio da autoridade na família está ordenado de forma que “os filhos obedeçam aos pais e a mulher ao marido”, além de tratar o matrimônio como algo como “indissolúvel” e de “unidade – um homem com uma mulher”.
Na coletânea de artigos, ele também cita o divórcio como “contrário à lei natural” e “injustificável como solução para os casos limite”. Em outro parecer arcaico, o ministro compara a relação homossexual com a bestialidade. “Não há que se falar, pois, em matrimônio entre dois homens ou duas mulheres, como não se pode falar em casamento de uma mulher com seu cachorro ou de um homem com seu cavalo.”
Diante de reações negativas, as seções do Pará e do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgaram nota de repúdio à indicação de Gandra para a Suprema Corte. Em conversa com o Portal da Band, Marcelo Chalréo, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/RJ, disse que a nota é uma alerta à sociedade.
“Pelo que se pode compreender de seus escritos, Ives é uma pessoa conservadora do ponto de vista dos Direitos Humanos e das chamadas minorias políticas - mulheres, negros e homossexuais. Obviamente, em uma sociedade complexa como a nossa, [sua indicação] representa um retrocesso significativo no momento em que o STF tem discutido pautas de cidadania, como a pesquisa com células tronco, a união entre pessoas do mesmo sexo e descriminalização do aborto [nos três primeiros meses da gestação]”, pontua Chalréo.
O presidente da comissão ressalta ainda que o papel de um ministro do STF é, justamente, “avançar em direção à garantia de direitos”, e não “colocar uma pedra, uma âncora nos anseios por avanços sociais”. “O ministro deve ter um espírito aberto, uma cabeça aberta; não pode ser alguém hermético, dogmático, fechado para o diálogo e, ao que me parece, fora do tempo, da realidade.”
Contradição
Para o advogado Iago Alves, autor da tese A Homofobia Sob a Ótica do Direito Penal, a nomeação de Gandra à Suprema Corte seria uma contradição. “Afinal, se o STF decidiu que homossexuais podem se casar, como teremos um ministro que acha isso uma aberração da natureza?”, questiona em entrevista à reportagem.
Entre as discussões necessárias no Supremo Tribunal Federal, Iago destaca, por exemplo, a criminalização da homofobia. “Prever a criminalização de práticas homofóbicas é importante para punir e servir como base para políticas públicas de combate ao preconceito; seria difícil, porém, alcançar isso com Gandra na cadeira do STF”.
“O Supremo obteve um lugar de destaque ao equiparar a união homoafetiva com a união heterossexual. Essa discussão não pode retroagir, pelo contrário, deve prosperar para a necessidade de uma lei que inclua a homofobia no rol dos crimes de ódio punidos no Brasil”, destaca.
Ministro nega postura homofóbica ou machista
Ives Gandra Filho divulgou uma nota para esclarecer os artigos polêmicos. Nela, ele nega que tenha uma postura homofóbica ou machista e afirma que suas opiniões foram descontextualizadas. “Deixo claro no artigo citado que as pessoas homossexuais devem ser respeitadas em sua orientação e ter seus direitos garantidos, ainda que não sob a modalidade de matrimônio para sua união”, ressalta.
Sobre sua defesa à submissão dos filhos aos pais e à mulher ao marido, Gandra defende que o compartilhamento da autoridade sempre lhe pareceu evidente “tendo sido essa a que meus pais casados há 58 anos viveram e a qual são seus filhos muito gratos”. O ministro, no entanto, destacou que foi relator, no Plenário do TST , do processo que garantiu às mulheres o direito ao intervalo de 15 minutos antes de qualquer sobrejornada de trabalho, decisão que foi referendada pela Suprema Corte.
“As demais posturas que adoto em defesa da vida e da família são comuns a católicos e evangélicos, não podendo ser desconsideradas ‘a priori’ numa sociedade democrática e pluralista”, conclui em nota.
Anticandidatura
Na sexta-feira (27), ainda na onda das reações negativas, uma anticandidatura foi lançada, e apoiada por duas mil assinaturas, com o nome da professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) Beatriz Vargas Ramos, apresentada como uma “criminóloga crítica abolicionista, feminista, ativista de direitos humanos” e com posições contrárias à redução da maioridade penal, e favoráveis à descriminalização das drogas e do aborto.
“Para nós, mulheres ativistas, a simples indicação [de Gandra Filho] nos deixa indignadas por causa das posturas atrasadas do ministro em relação à mulher. É difícil imaginar, inclusive, juízes como a presidente do STF, Carmén Lúcia, e Rosa Weber, confortáveis com a presença de um juiz que entende que as mulheres devem pedir aval dos homens e nelas não reconhece a capacidade, a autonomia e a competência”, pontua Beatriz ao Portal da Band.
A anticandidatura, entretanto, não cita Ives por também ultrapassar um único nome. “No nosso modo de ver, ele não é único nome da lista dos apadrinhados que consideramos negativo. Há outros, como a menção de [ministro da Justiça] Alexandre de Moraes, que tem desenvolvido uma política criminal e penitenciária avessa ao que defendemos”, explica Beatriz.
O manifesto quer ainda levantar a questão do modelo de indicação e aprovação dos ministros do Supremo Tribunal Federal. “Não incluímos isso no manifesto por se tratar uma discussão maior, mas entendemos que o processo atual é antidemocrático e torna o Supremo uma ilha isolada da sociedade”, diz.
“Se as autoridades do Executivo e Legislativo prestam contas à população, entendemos que ministros do STF devem fazer o mesmo. Não defendemos necessariamente uma eleição, mas é preciso que se pense outras formas de tornar mais legítimo essa nomeação para à Corte Superior.”
(Karen Lemos - Portal da Band)