domingo, 29 de maio de 2016

Crianças narram a crise migratória através de desenhos

Naddeo colhe relatos de crianças refugiadas. Foto: reprodução/Instagram

O jornalista brasileiro André Naddeo é uma das pontes entre o mundo e os refugiados. Enquanto o mundo tenta fechar os olhos para a crise migratória, o brasileiro dá voz e rosto para as pessoas que deixam seus países em busca de uma nova vida – esta que, não raras vezes, lhes é negada nas portas de entrada da União Europeia.

Naddeo se instalou em um desses acessos, mais precisamente no porto de Pireus, na Grécia. O local é um verdadeiro paradoxo. Todos os dias, barcos cheios de turistas chegam e partem de lá tendo como destino as belas ilhas gregas como Santorini, Mykonos e Creta. Por outro lado, refugiados chegam em péssimas condições de saúde, amontoados em embarcações precárias e lotadas. Muitos não conseguem chegar até o final. Morrem durante a viagem, ou se afogam quando o barco não suporta o longo trajeto e a grande quantidade de pessoas a bordo.

O ministério grego da Imigração estima que há 2 mil imigrantes vivendo na região.



A viagem para a Grécia, planejada nos primeiros três meses deste ano, surgiu de uma necessidade que André enxergou na questão. “A mídia, de uma forma geral, concentra sua cobertura sobre a crise de refugiados de maneira muito superficial. [Jornalistas] vêm para os campos, passam ali duas horas, ou mesmo o dia todo, e acham que com isso já basta para contar o que essas pessoas sentem e suas histórias de vida”, diz Naddeo em conversa com o Portal da Band. “Você acha que uma pessoa que está fugindo do Talibã, por exemplo, vai se abrir para você de uma hora para a outra?”

Convivência

Para conseguir relatos dos refugiados, André passou a dormir no mesmo local que eles, se alimentar da mesma comida, utilizar o mesmo banheiro, por exemplo. “No momento em que eles reconhecem que você está ali, sobretudo, para ajudar, você ganha a confiança para obter os seus depoimentos”, conta.

A partir desse convívio intenso, o jornalista iniciou um projeto chamado I Am Immigrant (cujo site ainda entrará no ar); dentro dele está o Drawfugees (junção das palavras desenho e refugiado, em inglês), no qual crianças se expressam por meio de desenhos. O resultado deste trabalho revela o que há de mais triste e, de certa forma, promissor, nesses pequenos que são parte dessa crise.

“A ideia do Drawfugees é apenas um braço de um sonho maior: fazer um retrato social de quem são essas pessoas se deslocando atualmente sem pátria pelo mundo”, explica. “São milhares perdendo um período precioso da vida: a infância. Sem estudar, sem se alimentar direito.”

Para fotografar as crianças, André pede a permissão dos pais e a ajuda de alguém que possa fazer a tradução do inglês básico para o árabe ou o farsi (falado em países como Irã e Afeganistão). “Depois, eu pincelo o que elas queriam dizer com o desenho e escrevo curtos depoimentos - afinal de contas, o desenho em si já diz muita coisa”, ressalta. “Tem sido muito gratificante”, resume.

Histórias marcantes

Pouco mais de um mês em Pireus, André já considera o grupo de refugiados do qual faz parte como uma família. Sabendo ouvir, ele conseguiu registrar algumas histórias marcantes, como a de Ahmad, garoto sírio de 12 anos que precisou fazer o trajeto de seu país até a Europa sozinho. “Certa vez, estava brincando com ele quando uma amiga da família o colocou no telefone para falar com a mãe. Eu não entendi nada, mas precisei sair de lá para dar uma chorada básica”, lembra.


Outra história que emocionou o brasileiro é a da afegã Sana, de seis anos. “Ela é um doce de menina”, define. “Está sempre sorrindo, tímida, mas quando pega a caneta faz desenhos avassaladores”, conta. Um deles é de um helicóptero dos Estados Unidos bombardeando a casa de sua família.


Naddeo, que deve retornar ao Brasil mês que vem, afirma que a experiência na Grécia o tornou mais humano. “Tive a certeza de que a vida começa para valer quando você deixa sua zona de conforto”, acrescenta.

Na Europa, ele percebeu que a questão envolvendo os refugiados é mais complexa do que imaginava. “É um problema que a União Europeia varre para debaixo do tapete”, descreve. “A Grécia não suporta a sua própria crise econômica, quanto mais um problema desse quilate. Eles querem o mínimo possível de visibilidade para o tema e reprimem bastante o trabalho voluntário por aqui”, afirmou, citando como exemplo a evacuação esta semana no campo de refugiados de Idomeni, um dos maiores do continente e que abriga milhares de imigrantes. “O preconceito [contra refugiados] existe, sim. Como existe no Brasil, existe no mundo todo”, lamenta.

(Karen Lemos - Portal da Band)

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