segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Spotlight é o grande vencedor do Oscar 2016


A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood premiou, neste domingo (28), o filme Spotlight: Segredos Revelados com o Oscar de melhor filme. O longa, sobre um grupo de jornalistas de Boston que descobre uma série de abusos de crianças praticados por padres católicos, também levou o prêmio de melhor roteiro original.

A disputa foi acirrada com O Regresso, que levou as estatuetas de melhor diretor para Alejandro G. Iñárritu (vencedor no ano passado com Birdman), melhor fotografia para Emmanuel Lubezki, e melhor ator para Leonardo DiCaprio, favorito na categoria e com grande incentivo dos internautas.

Nas demais categorias de atuação, a favorita Brie Larson levou o Oscar de melhor atriz por seu desempenho emocionante em O Quarto de Jack. Alicia Vikander, que disputou o favoritismo com Kate Winslet (Steve Jobs), venceu como melhor atriz coadjuvante com A Garota Dinamarquesa - filme que retrata a luta da primeira transexual que se submeteu a uma cirurgia de mudança de sexo. Por fim, a zebra da noite foi para Mark Rylance, melhor ator coadjuvante por Ponte dos Espiões, batendo o favorito da categoria, Sylvester Stallone, por Creed: Nascido para Lutar.

Quem surpreendeu também foi Mad Max: Estrada da Fúria. No total, o filme de George Miller levou seis estatuetas: melhor figurino, melhor design de produção, melhor maquiagem, melhor montagem, melhor edição de som e melhor mixagem de som.

Brasil sem Oscar

O Brasil concorreu na premiação com O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, na categoria melhor animação. O filme, porém, perdeu para o favorito do grupo, Divertida Mente. Também não houve surpresas na categoria melhor filme estrangeiro. Vencedor de outros prêmios da temporada, o húngaro O Filho de Saul levou, também, o Oscar. O longa, um drama que se passa no holocausto, choca pela frieza, mas se mostra necessário ao denunciar as atrocidades cometidas na época.

O documentário Amy, que relembra a talentosa - porém, trágica - trajetória de Amy Winehouse, levou a melhor na categoria documentário. Os diretores, aliás, são os mesmos de Senna, sobre o piloto brasileiro Ayrton Senna. Vale destacar também a vitória do maestro italiano Ennio Morricone por Os Oito Odiados, de Quentin Tarantino, que ganhou seu primeiro Oscar aos 87 anos de idade (sem contar o Oscar honorário que ele recebeu em 2007).

As apresentações da noite ficaram por conta de Sam Smith com Writing’s On The Wall (007 Contra Spectre), Lady Gaga com Til It Happens To You (The Hunting Ground) e The Weeknd com Earned It (Cinquenta Tons de Cinza). Lady Gaga, que trouxe vítimas de abuso sexual para o palco durante sua apresentação, era a favorita, mas a cerimônia acabou surpreendendo ao premiar Sam Smith com o Oscar de melhor canção original. Ao agradecer, o cantor dedicou a estatueta à comunidade LGBT.

A cerimônia aconteceu no Dolby Theater em Los Angeles, Califórnia, Estados Unidos. Confira todos os vencedores da noite:

Melhor Filme
A Grande Aposta
Ponte dos Espiões
Brooklyn
Mad Max: Estrada da Fúria
Perdido em Marte
O Regresso
O Quarto de Jack
Spotlight: Segredos Revelados

Melhor diretor
Alejandro G. Iñárritu, O Regresso
Tom McCarthy, Spotlight: Segredos Revelados
George Miller, Mad Max: Estrada da Fúria
Adam McKay, A Grande Aposta
Lenny Abrahamson, O Quarto de Jack

Melhor Ator
Bryan Cranston, Trumbo
Matt Damon, Perdido em Marte
Leonardo DiCaprio, O Regresso
Michael Fassbender, Steve Jobs
Eddie Redmayne, A Garota Dinamarquesa

Melhor Atriz
Cate Blanchett, Carol
Brie Larson, O Quarto de Jack
Jennifer Lawrence, Joy: O Nome do Sucesso
Charlotte Rampling, 45 Anos
Saoirse Ronan, Brooklyn

Melhor Ator Coadjuvante
Christian Bale, A Grande Aposta
Tom Hardy, O Regresso
Mark Ruffalo, Spotlight: Segredos Revelados
Mark Rylance, Ponte de Espiões
Sylvester Stallone, Creed: Nascido para Lutar

Melhor Atriz Coadjuvante
Jennifer Jason Leigh, Os Oito Odiados
Rooney Mara, Carol
Rachel McAdams, Spotlight: Segredos Revelados
Alicia Vikander, A Garota Dinamarquesa
Kate Winslet, Steve Jobs

Melhor Roteiro Original
Ponte dos Espiões
Ex-Machina: Instinto Artificial
Divertida Mente
Spotlight: Segredos Revelados
Straight Outta Compton: A História do N.W.A.

Melhor Roteiro Adaptado
A Grande Aposta
Brooklyn
Carol
Perdido em Marte
O Quarto de Jack

Melhor Figurino
Carol
Cinderela
A Garota Dinamarquesa
Mad Max: Estrada da Fúria
O Regresso

Melhor Design de Produção
Ponte dos Espiões
A Garota Dinamarquesa
Mad Max: Estrada da Fúria
Perdido em Marte
O Regresso

Melhor Maquiagem
Mad Max: Estrada da Fúria
The 100-Year-Old Man Who Climbed out the Window and Disappeared
O Regresso

Melhor Fotografia
Carol
Os Oito Odiados
Mad Max: Estrada da Fúria
O Regresso
Sicario

Melhor Montagem
A Grande Aposta
Mad Max: Estrada da Fúria
O Regresso
Spotlight: Segredos Revelados
Star Wars: O Despertar da Força

Melhor Edição de Som
Mad Max: Estrada da Fúria
Perdido em Marte
O Regresso
Sicario
Star Wars: O Despertar da Força

Melhor Mixagem de Som
Ponte de Espiões
Mad Max: Estrada da Fúria
Perdido em Marte
O Regresso
Star Wars: O Despertar da Força

Melhor Efeitos Visuais
Ex-Machina: Instinto Artificial
Mad Max: Estrada da Fúria
Perdido em Marte
O Regresso
Star Wars: O Despertar da Força

Melhor Curta Animação
Bear Story
Prologue
Sanjay’s Super Team
We Can’t Live without Cosmos
World of Tomorrow

Melhor Animação
Anomalisa
O Menino e o Mundo
Divertida Mente
Shaun, o Carneiro
As memórias de Marnie

Melhor Curta Documentário
Body Team 12
Chau, beyond the Lines
Claude Lanzmann: Spectres of the Shoah
A Girl in the River: The Price of Forgiveness
Last Day of Freedom

Melhor Documentário
Amy
Cartel Land
O Peso do Silêncio
What Happened, Miss Simone?
Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom

Melhor Curta Live Action
Ave Maria
Day One
Everything Will Be Okay (Alles Wird Gut)
Shok
Stutterer

Melhor Filme Estrangeiro
O Abraço da Serpente
Cinco Graças
O Filho de Saul
Theeb
Guerra

Melhor Trilha Sonora
Ponte de Espiões
Carol
Os Oito Odiados
Sicario
Star Wars: O Despertar da Força

Melhor Canção Original
Earned It, The Weeknd (Cinquenta Tons de Cinza)
Manta Ray, J. Ralph & Antony (A corrida contra a extinção)
Simple Song #3, Sumi Jo e Viktoria Mullova (Youth)
Til It Happens To You, Lady Gaga (The Hunting Ground)
Writing’s On The Wall, Sam Smith (007 Contra Spectre)

(Karen Lemos - Portal da Band)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Instalação artística analisa a censura da Ditadura Militar com as pornochanchadas

Cena censurada do filme "Bonitas e Gostosas" (Divulgação/MIS)

Até o dia 27 de março, o Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS) apresenta a instalação artística Prazeres Proibidos, na qual o espectador é apresentado à curiosa e inesperada relação entre a pornochanchada - gênero do cinema brasileiro que explorou o erotismo, a comédia e as piadas populares - e a Ditadura Militar (1964-1985).

“A pornochanchada é completamente contemporânea da Ditadura. O AI-5 foi decretado em 1968 e, em 1969, as primeiras produções desse cinema começaram a surgir”, conta a cineasta Fernanda Pessoa, responsável pela pesquisa, ao Portal da Band.

O fato de essa relação ser tão contraditória foi o que atraiu a cineasta para o assunto. “Queria saber como isso foi possível e acho que o que responde essa pergunta é o fato de que os gêneros de cinema anteriores, o Cinema Novo e o Cinema Marginal, não condiziam com o Brasil que os militares queriam mostrar.”

Os primórdios da pornochanchada, lembra Fernanda, eram quase como uma propaganda de um Brasil mais agradável. “Os primeiros filmes eram bem inocentes, na verdade. Pareciam mais com as chanchadas da década de 1950. Tudo era leve, não tinha nudez, no máximo algumas piadas, e o brasileiro era retratado como um bon vivant. Isso tudo fez muito sucesso e, aos poucos, os cineastas foram investindo nessa linguagem que funcionava muito bem.”

Com essa carta na manga, os diretores da época puderam trabalhar com mais liberdade – diferente de seus colegas do Cinema Novo e do Cinema Marginal, perseguidos pela Ditadura. Dessa forma, os roteiros começaram a ficar mais, digamos, picantes. “Pouco a pouco eles [cineastas] foram puxando os limites para ver até onde poderiam ir. Gradualmente, começou a surgir um peito, depois dois, na sequência uma simulação de sexo. Ao mesmo tempo, o público ia respondendo muito bem àquilo e, quanto mais davam, mais o espectador queria”, afirma Fernanda.

Censura 

Pode parecer mentira, mas a pornochanchada foi, sim, alvo da censura dos militares. “As pessoas pensam mais na censura política, mas também existia uma censura moral. O que poderia confundir o que a Ditadura chamava de 'valores dos cidadãos brasileiros' era censurado”, diz Fernanda. O filme “Bonitas e Gostosas”, por exemplo, teve uma cena cortada por mostrar um homem vestido como mulher "fazendo movimentos eróticos" com outro personagem. “Até existiam personagens homossexuais nos filmes, o que não poderia haver era alguma atividade entre eles”, explica.

Muitos filmes da pornochanchada foram barrados pelos militares e impedidos de serem exibidos, principalmente na época do auge da repressão. “Quase todos os filmes passaram por algum perrengue. Era um processo bem burocrático e alguns cineastas usavam certos truques para que suas produções passassem. Era comum que cenas muito ousadas fossem gravadas para servir como moeda de troca. Eles sabiam o que seria cortado, então, usavam isso para que as cenas que eles queriam no filme fossem liberadas”.

Assim como compositores da MPB, que faziam jogo de palavras – como, a título de exemplo, a letra de “Cálice”, de Chico Buarque e Gilberto Gil - os diretores de cinema tinham seus métodos. “Um meio de burlar a censura também foi encontrado com uma linguagem cinematográfica chamada voice-out. Funcionava assim: quando uma palavra, normalmente um palavrão, era censurado, os diretores cortavam o áudio, mas mantinham as imagens. Dessa forma, o público conseguia entender o que era dito através da leitura labial; era perceptível, também, que ali havia uma censura, porque não tinha som. Era uma tiração de sarro da parte dos cineastas, que queriam mostrar o quanto aquilo tudo era ridículo”, observa.

Pornopolítico 

Alguns filmes, principalmente os produzidos em São Paulo, conseguiam burlar tão bem a censura que até alguns temas impensáveis eram exibidos nos cinemas brasileiros. É o caso de “E agora José? Tortura do Sexo”, que traz um personagem cuja amizade com um sujeito considerado subversivo para os militares o faz ser perseguido e preso.

“É um filme de 79, não era o auge da repressão da Ditadura, mas, mesmo assim, é impressionante como o filme trabalha com temas bem politizados. Tem até uma cena de tortura praticado por um grupo de militares. Esse tipo de produção ganhou até um subgênero na época, o pornopolítico, porque também continha cenas eróticas com as mulheres presas”, pontua Fernanda.

Outro filme que exemplifica bem esse paradoxo é “O Enterro da Cafetina”. Anos antes do decreto do AI-5, em 1971, Jece Valadão produziu a obra e a estrelou, na pele de um personagem que é convencido a ingressar na guerrilha urbana, chegando a praticar atos de terrorismo da época como jogar um coquetel molotov na casa de um deputado. “O personagem do Valadão ainda fala sobre golpe militar, dizendo que o presidente foi deposto. O filme sofreu censura, mas no que diz respeito ao personagem de um delegado, que é retratado de uma forma bem ridícula”, recorda.

Pesquisa 

Em uma pesquisa que já dura quatro anos, Fernanda Pessoa analisou centenas de documentos e mais de 150 filmes da época, principalmente da década de 1970. Tal levantamento não foi tarefa fácil. “Os próprios filmes são difíceis de achar. Fiz uma lista de filmes com os quais queria trabalhar e tive acesso a 50% apenas. Muitas dessas obras foram perdidas”, conta a cineasta.

Já com relação às cenas censuradas, Fernanda diz que algumas produções foram liberadas, anos depois, em versão integral. “Outras consegui porque, na época da Ditadura, eles não cortavam o filme do original, normalmente era uma cópia”, explica.

Na pesquisa, ela também conseguiu ter acesso a documentos em que os censores detalhavam quais cenas seriam impedidas de serem exibidas nos cinemas. “Com essa lista em mãos, comecei a analisar os trechos cortados para tentar entender a cabeça dos censores.”

As cenas proibidas, bem como arquivos da Ditadura, estão expostas em um dos ambientes da instalação. No primeiro deles, o visitante se depara com um projetor 35mm que roda em falso projetando apenas a sua luz, sem nenhuma imagem. Em seguida, a artista apresenta um corredor com uma seleção de documentos oficiais da censura. No terceiro e maior dos ambientes encontra-se uma sala de projeção digital onde é exibido um vídeo em seis telas montado apenas com trechos de filmes que foram cortados a pedido dos censores.

A exposição surgiu como um desdobramento do primeiro longa-metragem de Fernanda, “Histórias que nosso cinema (não) contava”, que faz uma releitura histórica dos anos 1970 a partir de imagens de filmes da pornochanchada e se encontra em fase de finalização. Em 2015, a cineasta e artista foi uma das selecionadas pela residência NECMIS, do MIS.

(Karen Lemos - Portal da Band)

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Cineastas querem documentar a tragédia de Mariana

 
Aline Lata/Divulgação

A história de Marlon e Ricardo, ambos com 21 anos, era desconhecida até o dia 5 de novembro de 2015. Daquele dia em diante, tudo mudou para eles e para os outros residentes de Mariana, em Minas Gerais, onde a mineração representa 80% da arrecadação do município. A dupla cresceu vendo Mariana estreitar laços com a mineradora Samarco, que sitiavam os moradores cada vez que adquiria terrenos ao redor de bairros da cidade.

A vida tranquila dos munícipes virou notícia naquele mesmo dia, quando uma barragem administrada pela Samarco se rompeu, jorrando um mar de lama pela cidade, destruindo completamente distritos - como Bento Rodrigues, onde moravam - matando 17 pessoas e dizimando a fauna e a flora da região.

Hoje, Ricardo mora com mais oito familiares em uma casa alugada pela mineradora. A mãe recebe um salário mínimo de R$ 788 e, por ser considerada a chefe da família, é a única do clã a receber o ordenado. Ricardo e o restante embolsam somente 20% desse valor: R$157,60.

Marlon, por sua vez, foi morar com a mãe a irmã na região ainda intacta de Mariana. A situação da família de Marlon é a mesma de Ricardo: somente a chefe da família, no caso a mãe, recebe um salário mínimo e os filhos apenas 20% desse montante.

Tendo que encarar a triste realidade que chegou através da mesma empresa que subsidiava o município, Marlon e Ricardo têm como garantia apenas duas coisas: lembranças de um passado enterrado na lama e a esperança de um futuro ainda incerto com a construção de uma nova Bento Rodrigues.

Helena Wolfenson/Divulgação

Rastro de Lama 

Doze dias depois, Aline Lata e Helena Wolfenson saíram de São Paulo e viajaram até Mariana, onde tiveram uma ideia da dimensão de destruição causada pela lama. Nesse ínterim, elas tiveram contatos com muitas das pessoas atingidas pela calamidade, como Marlon e Ricardo. Esses personagens acabaram inspirando-as para realizar um documentário sobre a tragédia.

Os rapazes, que dão rosto ao maior desastre ambiental do país, são os protagonistas do documentário “Rastro de Lama”, que ainda está em processo de produção. Para finalizar a obra, as diretoras criaram um financiamento coletivo para possibilitar que o trabalho continue.

“A ideia é documentar do início ao fim o desfecho dessa catástrofe e os caminhos percorridos pelos personagens atingidos, desde a destruição de Bento Rodrigues até a prometida reconstrução de uma Nova Bento”, diz a página do projeto.

Bancada pela própria equipe e também por doações, a etapa de pesquisa de “Rastro de Lama” já foi concluída. Agora, Aline e Helena usarão os recursos captados para registrar mais profundamente a vida seus personagens; esse processo resultará um curta-metragem. Na terceira e última etapa, as diretoras farão um longa-metragem com o material através de editais de cinema.



(Karen Lemos - Portal da Band)