sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Australiana contou ser transexual toda vez que encontrava com sua mãe - e a reação dela era incrível

Tina Healy ao lado de sua mãe (Foto: Arquivo pessoal)

Quando tinha quatro anos de idade, a australiana Tina Healy, hoje com 54 anos, tinha um sentimento de que era diferente. Ela não conseguia – e nem poderia – expressar o que estava sentindo. Era década de 1960 e pessoas como ela eram internadas e tratadas com terapias de choque. Tina aprendeu, então, a viver com um segredo enterrada dentro dela.

Anos se passaram; Tina se casou, teve filhos e chegou a de fato viver momentos de felicidade, mas sempre com algo engasgado na garganta. O passar do tempo só dificultou as coisas, até que um dia, apenas quatro anos atrás, Tina revelou que era transgênero e sempre se sentiu como uma mulher presa a um corpo masculino. Um corpo que nunca lhe pertenceu.

A primeira pessoa que soube disso foi sua esposa, Tess. Ela entendeu e incentivou o então marido a viver da forma com a qual sempre sonhou. O próximo passo foi contar a verdade para os quatro filhos do casal. Foi um choque, mas, segundo Tina, com os passar dos meses, eles foram compreendendo a situação e passaram a aceitar sua real identidade.

"Nunca me arrependi de me revelar e viver como Tina. Nem por um minuto. Foi muito difícil; perdi familiares, amigos, meu trabalho e até minha casa. Mas eu não mudaria nada do que eu fiz. Hoje eu vivo com uma sensação de alegria e felicidade. Acredito que sou a mulher transexual mais sortuda deste mundo", relatou Tina em conversa com o Portal da Band.

Relação com a mãe

O fato de Tina não conseguir compartilhar sua verdade para a mãe era um fardo muito grande para carregar. As duas sempre foram bem próximas e, segundo Tina, esconder algo tão importante dela era motivo de muita tristeza.

Quando a mãe de Tina começou a apresentar os primeiros estágios de demência, a australiana decidiu que era hora de falar a verdade. "Fui à casa de minha mãe como Chris (meu antigo nome masculino) e contei a ela, de forma bem simples, o que significava ser transgênero para mim. Ela fez algumas perguntas, sorriu e disse: 'Bom, quem diria, agora eu tenho uma nova filha'. Foi um momento muito bonito", recorda.

Tina sabia que, por conta da doença, sua mãe se esqueceria da conversa. E esqueceu mesmo. "Sempre que a visitava, precisava lembrá-la de quem eu havia me tornado. E toda vez ela dizia: 'É mesmo! Você está feliz? Você é linda', sorria e me abraçava."

O tempo foi avançando, assim como a doença de sua mãe. "A demência chegou a um estágio em que ela não conseguia mais guardar nenhuma memória. Ela já não sabia mais quem eu era. Decidi, então, não contar mais nada. Foi mais fácil assim", diz Tina. "Hoje, eu devo minha vida e felicidade a essa mulher. Ela me mostrou o que é o verdadeiro amor incondicional: algo tão natural quanto respirar." 

Apresentando Teddy

As experiências de Tina não alegraram apenas a vida de sua mãe. Filha de Tina, Jessica Walton, de 31 anos, ficou inspirada em escrever um livro a partir do que viveu com a aceitação de sua mãe. Assim, surgiu "Introducing Teddy" ("Apresentando Teddy"), a história de um ursinho de pelúcia transexual.

“Escrevi esse livro porque queria uma história com personagens transexuais na estante do meu filho”, contou Jessica à reportagem. “Gostaria de algo que eu pudesse ler para ele agora, aos 18 meses de vida. Algo doce sobre ser você mesmo e ser um bom amigo. Nunca encontrei um livro assim, então decidi escrevê-lo.”

 Tina em dois momentos em família: com a filha Jessica e com seu neto (Foto: Arquivo pessoal)

"Quando Jessica me mostrou os primeiros rascunhos do livro, preciso confessar, derramei algumas lágrimas de felicidade", lembra Tina. A ideia é que o livro chegue até às famílias que queiram entender o que é ser transgênero e abraçar alguém assim que faz parte da vida delas.

"Mesmo Jessica não sendo transexual ela soube, de forma intuitiva, transmitir o que os transgêneros sentem em uma linda mensagem de amor. Acho que o fato de ela ter sido criada em uma família de cabeça tão aberta presenteou-a com esse talento", celebra Tina. "Vi em Jessica a mesma empatia e compaixão que encontrei em minha mãe. Acredito que minha mãe teria muito orgulho dela. Eu tenho", conclui.

 “Teddy sabe em seu coração que é uma garota e não um garoto. Seus amigos vão entender? Vão chamá-lo de Tilly ao invés de Thomas?” (Trecho de "Apresentando Teddy"; Ilustração de Dougal MacPherson)

(Karen Lemos - Portal da Band)

sábado, 7 de novembro de 2015

Projeto de lei ignora circunstâncias das vítimas de estupro

Mídia Ninja

Em outubro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 5069/2013, de autoria do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que dificulta o atendimento médico às vítimas de estupro.

Nos dias que se seguiram, manifestantes tomaram as ruas de várias cidades brasileiras contra o PL. Entre as propostas, está uma exigência de que o estupro precisa ser comprovado mediante exame de corpo de delito para que a vítima tenha direito ao aborto. Entenda melhor como funciona:

Estupro comprovado por exame

No Brasil, em apenas três casos o aborto – considerado ilegal no país – é permitido: quando a gravidez é decorrente de estupro, em casos em que há risco de morte para a mãe e quando o feto é anencéfalo, ou seja, não possui cérebro.

Embora o relator da proposta, deputado Evandro Gussi (PV-SP), tenha retirado do texto o pré-requisito desse exame para atendimento hospitalar às vítimas, ainda permanece essa exigência para realização do aborto.

A ideia é impedir que mulheres aleguem ter sido estupradas para conseguirem abortar. Na opinião de um especialista consultado pelo Portal da Band, o projeto de lei ignora a verdadeira vítima desse tipo de situação que, em algumas circunstâncias, não consegue comprovar o crime.

Há casos de estupro em que a mulher – por ser ameaçada caso reaja ou esteja desacordada – não sofre o tipo de violência física que o exame de corpo de delito comprova. Além disso, nem todas procuram ajuda logo que o abuso ocorre.

“O exame só é aplicável quando o estupro ocorreu há pouco tempo”, explica Etelvino Trindade, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). “É preciso levar em conta que a mulher estuprada tem dificuldade de falar sobre o que aconteceu, principalmente dentro de uma sociedade que, muitas vezes, a enxerga como a própria ocasionadora do estupro.”

“Essa mulher pode viver com esse conflito durante meses e, ao perceber que não menstrua e pode estar grávida, procura ajuda. Aí será tarde demais, porque o exame não poderá mais comprovar nada e ela será obrigada a ter o filho ou, então, procurar instâncias incapacitadas, o que pode ocasionar em sua morte caso o procedimento seja mal feito”, alerta. Por dia, vale lembrar, 800 gestantes morrem tentando abortar.

A polêmica sobre a pílula do dia seguinte

O relator também incluiu no texto uma espécie de cláusula de consciência de que “nenhum profissional de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo”.

“Temos outro problema aí porque, ainda que o decreto não especifique, alguns grupos religiosos, por exemplo, consideram a pílula do dia seguinte como abortiva, embora isso seja uma inverdade científica”, ressalta o presidente da Febrasgo.

“A mulher precisa desse direito para não engravidar, além de um coquetel-anti-hiv e uma profilaxia para doenças sexualmente transmissíveis, o que hoje é garantido às vítimas.”

Encaminhamento à delegacia

Na opinião do advogado Evandro Fabiani Capano, especialista em segurança pública e autor de livro sobre crimes sexuais, o projeto de lei, por um lado, é positivo. No texto, o deputado Evandro Gussi manteve a obrigação de um encaminhamento da vítima à delegacia após atendimento pelos serviços de saúde. A ideia é contribuir para a investigação e punição do estuprador.

“Eu vejo que [o projeto de lei] ajuda a combater uma cifra negra no número de casos de estupro e também facilita a uma posterior apuração do crime”, afirma. “A mulher não precisa participar do inquérito - que inclui depor na delegacia, no júri, reconhecer o criminoso, enfim - caso não queira. A lei é positiva ao orientar o encaminhamento à delegacia para, pelo menos, registrar a ocorrência.”

As manifestações pelo Brasil mostram que o projeto de lei precisa ser melhor elaborado. Depois da aprovação da CJJ, a proposta segue para votação no Plenário da Câmara, onde, assim como na comissão, debates acalorados e divergências entre deputados são esperados.

(Karen Lemos - Portal da Band)