segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Documentário acompanha a realidade das mulheres de presidiários

Divulgação

Toda semana, de forma antagônica, dezenas e por vezes até centenas de mulheres formam fila em frente de penitenciárias; madrugam, carregam quilos de alimentos, produtos de higiene e até vestuário e, em muitas unidades, enfrentam uma revista vexatória apenas para ficarem algumas horas na companhia de quem amam.

Por conta desse esforço, elas recebem o nome de guerreiras. Assim são chamadas as namoradas, noivas e esposas de detentos do sistema penitenciário brasileiro. A realidade desse amor separado pelas grades é retratado de forma sensível no documentário “Cativas – Presas pelo Coração”, em cartaz no Caixa Belas Artes, de São Paulo.

Em conversa com o Portal da Band, a diretora Joana Nin, que passou 12 anos em cima desse projeto, explicou que queria mostrar a importância dessas mulheres para a recuperação do preso. “Elas são vistas com muito preconceito. Muitos acham que elas estão lá para levar drogas ou celular para dentro do presídio. Eu já vejo diferente. Eu acho que elas estão lá para levar afeto, amor, que é o sentimento transformador da humanidade.”

“Cativas” acompanha sete mulheres que se relacionam com presidiários. As histórias são diferentes, mas os sentimentos tão comuns dos casais apaixonados estão lá. “Essas relações amorosas são iguais as nossas. Tem os mesmos problemas e belezas. Todo mundo quer ser amado, não importa onde e em quais condições”, completa Joana.

Revistas e visitas íntimas 

Ao longo dos 12 anos, a cineasta conseguiu a confiança do sistema, das mulheres e dos presos. Isso lhe permitiu ser mais ousada e ir além do pouco que enxergamos por trás das grades. Em uma das cenas, por exemplo, Joana filma momentos de intimidade de um casal durante a visita íntima.

“Eu já estava tão imersa na intimidade desse casal que propus fazer a cena”, conta. “Algumas dessas mulheres reclamam que muitos pensam que elas são putas, que vão ao presídio apenas para dar para o cara e não é isso! A cena não é de sexo explícito, é de romance.”

Em outra sequência, Joana consegue acompanhar a revista das mulheres que chegam para a visita. Em agosto de 2014, o Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária editou uma resolução que recomenda a extinção da revista vexatória em todo o país. Ainda assim, elas continuam existindo, cada uma de forma diversa, já que cada unidade prisional tem as suas próprias regras.

No presídio em que Joana filmou, as mulheres precisavam, além de ficar totalmente nuas, agachar em cima de um espelho sob os olhares das agentes penitenciárias. “Coloquei essa cena porque eu acho que isso que tem que acabar”, afirmou a cineasta.

Como cada unidade segue suas próprias leis, cabe a quem participa do sistema denunciá-lo. Esse é outro ponto que destaca a função das guerreiras. “Poucas vezes vi pessoas querendo mudar algo lá dentro. Só quem tem família quer essa mudança”, afirma Joana.



Sobre o estigma que o preso carrega por toda a vida e as dificuldades da ressocialização, a cineasta é enfática: “Não sou ingênua de achar que o preso que tem família vai sair do crime, mas tenho a convicção de que o preso que não tem ninguém por quem zelar, certamente vai voltar para o crime.”

Joana acredita que valorizando as guerreiras, a porcentagem de reincidência da população carcerária pode cair. “Vivemos em uma sociedade hipócrita que prefere fingir que as coisas não existem. Mas o negócio é o seguinte: no Brasil, temos uma legislação em que a pessoa fica presa por no máximo 30 anos. Quer você queria, quer não, ela voltará ao nosso convívio. Temos a opção de fazer esse retorno ser mais ou menos traumático”, conclui.

(Karen Lemos - Portal da Band)

sábado, 26 de setembro de 2015

Escolas particulares negam matrícula a alunos deficientes

Maria Aparecida Feier e sua filha Cibele (arquivo pessoal)

Cibele, hoje com 22 anos, estudou em escola particular até os seus 17 anos. Depois disso, a escola passou a exigir que a mãe, Maria Aparecida Feier, pagasse uma auxiliar que acompanhasse sua filha durante as aulas. O custo disso era quase o valor da mensalidade. "No início eu aceitei pagar porque era a única escola particular que aceitava minha filha; outras escolas do meu bairro a recusaram por ser autista", relata.

Sem conseguir pagar pelos gastos adicionais a longo prazo, Maria tirou Cibele, que era uma aluna exemplar, da escola e a colocou em outra que trabalha exclusivamente com crianças especiais. "Hoje a Cibele vê a irmã dela e todos os amigos indo para a antiga escola e fica triste que não pode ir junto."

Para mudar esse cenário, Maria cursou pedagogia, se especializou em neuropsicopedagogia e trabalhou no lugar dos profissionais que sugeriram que sua filha não seria capaz de continuar os estudos sem um acompanhamento. "Deixei de ser pedra para ser vidraça, queria ver como se dava todo o processo. O que aprendi foi que não há mistérios, é possível atender a essas crianças. O preconceito está no adulto", pontua.

A história de Maria é uma entre tantas mães de crianças com necessidades educacionais especiais que, até hoje, batalham para oferecer um estudo de qualidade para seus filhos e a oportunidade de eles estudarem com outras crianças, o que – já está comprovado - ajuda na evolução desses casos.

Escola aceitou a matrícula de Ana Júlia, mas recusou a de João Victor ao saber que ele era autista (arquivo pessoal)

Edinéa Albini sentiu com mais clareza essa discriminação. Mãe de gêmeos de cinco anos, ela tentou matricular João Victor, que possui necessidades educacionais especiais, e Ana Júlia na mesma escola, uma instituição de ponta, que ela chamou como "sonho de consumo" para a educação de seus filhos.

"Eles me atenderam super bem, mas quando contei das condições do João Victor, disseram que eles não tinham autorização para aceitar uma criança especial. A atendente chegou a dizer que a média lá era sete e que meu filho nunca ia conseguir alcançar isso. Ela falou tudo isso sem nem conhecer e olhar para o meu filho", lembra. Edinéa ainda foi convidada para conhecer a escola se sua intenção fosse matricular a Ana Júlia. "Falaram que ela seria muito bem aceita", acrescenta. A mãe, então, entrou com processo contra a escola. Um inquérito policial foi aberto e ela já teve sua primeira audiência com o diretor da instituição.

Enzo chegou a ser elogiado por uma professora, mas a escola afirmou que ele "atrapalhava o andamento das aulas" (arquivo pessoal)

Quando não esbarram na recusa, algumas mães enfrentam problemas mesmo após conseguirem matricular os filhos. Foi o que aconteceu com a jornalista Sabrina Brognoli d’Aquino. Ela conseguiu matricular o Enzo, de oito anos, na rede privada. Com a virada do ano letivo e a mudança professores, os problemas começaram.

Em junho de 2011, ela chegou a receber um bilhete da escola onde se lia que seu filho atrapalhava o andamento das aulas. "Isso não procedia porque a professora anterior do Enzo sempre dizia que ele era avançado para a turma dele e que os coleguinhas aprendiam com ele. Ela mesmo que relatou que chegou a mudar seu método de ensino e torná-lo mais interessante por causa do meu filho", conta.

Depois desse episódio, Sabrina flagrou vários momentos de descaso com seu filho. O cúmulo foi quando descobriu, através de uma auxiliar que a escola a fez contratar para Enzo, que seu filho era forçado a comer quando não queria. "Notei algumas manchas no corpo dele que os professores diziam que era porque ele caia na quadra. Depois disso o tirei da escola, registrei um B.O., fiz exame de delito e denunciei a escola no Conselho Municipal de Educação. Como resposta, disseram que, como meu filho não estudava mais lá, não tinha como avaliar o modo com o qual ele era tratado. O processo, muito provavelmente, será arquivado", lamenta.

Sabrina conseguiu matricular Enzo em outra instituição da rede privada que, segundo ela, soube trabalhar não com suas fraquezas, mas com suas qualidades. Escolas assim, no entanto, sofrem com a alta demanda de matrículas. Para melhorar a distribuição de alunos, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, sancionado em julho por Dilma Rousseff, sugere nos artigos 28 e 30 que escolas da rede privada aceitem e se adequem à educação para crianças com necessidades especiais.

Estatuto da Pessoa com Deficiência 

A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) está com um pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal para revogar esses artigos que, para a defesa, “ferem o principio dos direitos humanos". "Um dispositivo que impõe a inclusão ignora toda a preparação que a escola precisa ter para oferecer cuidado, atendimento e tratamento especiais necessários. Existem mais de quatro mil necessidades especiais, como você vai conseguir prever um projeto pedagógico sem saber quem baterá a sua porta?", diz Ricardo Furtado, advogado da confederação.

Não é o que pensam as mães desses alunos; para elas, o estatuto é um anúncio de novos tempos. "É um ganho da sociedade civil em relação às diferenças. Acho que a primeira geração pode pagar o pato com escolas que não se preparam e vão passar a aceitar crianças especiais. Mas, sem isso, essas escolas vão se preparar quando? Chega dessa desculpa de falta de preparo, isso é preguiça. A melhor professora do Enzo não tinha curso nenhum, o que ela tinha era vontade de ensinar, ela abraçou o desafio de ganhar o meu filho e isso foi muito positivo para ele", observa Sabrina.


Para o vice-presidente da Ampid (Associação Nacional do Ministério Publico de Defesa dos Direitos do Idoso e das Pessoas com Deficiência), negar a matrícula de um deficiente é, em sua visão, uma discriminação. "A maior parte das pessoas com deficiência está matriculada em escolas públicas. A impressão que fica é que as escolas privadas só existem para pessoas perfeitas. Com o tempo, vão segregar também aqueles alunos que têm dificuldade no aprendizado", pontua Waldir Macieira.

O principal ponto de discórdia se concentra, claro, nos gastos adicionais que as escolas particulares terão que arcar para se adequar às novas exigências do estatuto. Algumas instituições alegam que não conseguem cobrir tais despesas e que, portanto, a saída seria aumentar a mensalidade de todos os alunos para saldar custos extras. "Esse cenário vai resultar no fechamento de escola por não ter cliente com capacidade de pagar aquilo que o estado está obrigando”, alega Furtado.

Esses gastos, acrescenta o advogado, são de dever do Estado, o que está explícito no artigo 208, inciso III, da Constituição Federal, que diz que "o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino."

Do outro lado, o vice-presidente da Ampid afirma que, ao aceitar concessões do Estado para funcionarem, as escolas particulares acolhem, ainda, os deveres do mesmo. "Ninguém está pedindo uma tarefa extra pedagógica. Atender a alunos com deficiência está embutido no princípio de que a educação é para todos”, rebate.

(Karen Lemos - Portal da Band)