quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

"Depois da Chuva" traz diálogo da geração pós-Diretas com a juventude atual


Sem os vilões da Ditadura Militar, "Depois da Chuva", filme que chega aos cinemas nesta quinta (15), usa o sentimento de frustração e orfandade do pós-Diretas Já como antagonista para registrar um momento da história do Brasil pouco abordado nas telas do cinema: a redemocratização política do país. Ambientado no ano de 1984, a obra passa pela atmosfera de entusiasmo com o término do regime militar, a esperança de poder eleger um presidente e a frustração de ver velhas figuras do antigo governo rondando a nova política.

Em paralelo a este cenário estão as peculiaridades adolescentes do protagonista Caio, vivido pelo ator Pedro Maia, que venceu o prêmio de melhor ator do Festival de Brasília, sendo o mais jovem (na ocasião, aos 16 anos) a levar este troféu no mais antigo festival brasileiro de cinema. Durante a transformação do país, Pedro também encara seus despertares (amoroso, inclusive), e vive o mesmo sentimento de orfandade com o pai ausente e a mãe indiferente que em certo momento lhe pede: “não te dou trabalho e você não me dá trabalho”.

Sem afeto em casa, o jovem encontra afago em uma colega do colégio (Sophia Corral) e em um velho casarão que frequenta com os amigos mais velhos que fez. É lá também que Pedro vive outro despertar: o político. Com os colegas, ele conhece a Anarquia, participa de um programa de rádio pirata para espalhar os ideais da prole e ajuda na criação de um folhetim batizado de “Inimigo do Rei”.

A publicação de fato existiu e dela fez parte Cláudio Marques, roteirista e diretor do filme ao lado de Marília Hughes. Como seu primeiro longa-metragem, o cineasta quis imprimir na película suas lembranças daquele ano, época em que viveu experiências parecidas com as de Caio. A princípio, tais semelhanças preocuparam Cláudio, que relutou em contar a história devido a uma cisma de que estaria filmando sua autobiografia.

“Era preciso separar a minha vida pessoal da ficção para falar deste momento de transição do país”, contou o diretor durante a pré-estreia do filme em São Paulo. “Para tanto, usei o olhar de um adolescente de 17 anos, experimentando tudo o que o Brasil vivia naquele momento desde a sensação de transformação até a impotência que veio com a morte de Tancredo Neves (sucedido por José Sarney, ex-Arena, partido que apoiava o regime militar). “Acredito que há poucos filmes abordando esse tema porque o sabor disso é muito amargo. O que aconteceu lá atrás ecoa até hoje, como um ciclo que não foi fechado”, observou. 

Outra preocupação do cineasta era a de que como o filme seria recebido no exterior. "Depois da Chuva" passou por diversos festivais mundo afora; em um deles, o de Rotterdã, na Holanda, algo curioso aconteceu, como lembra o diretor: “Um espectador russo deu um depoimento no debate após a sessão falando que se identificou muito. Ele passou a adolescência em Moscou, onde viu a potência de Glasnost (tentativa de abertura política durante a União Soviética) e terminou órfão com [Boris] Yeltsin (presidente no período de grande colapso econômico na Rússia na década de 90). Acredito que o filme tenha uma linguagem semelhante não só no Brasil, mas em outros países e também em outras décadas por falar de movimentos políticos com essa necessidade de mudança”.

Tal constatação também foi importante para que o filme dialogasse com o público que irá consumir este longa, formado também pela juventude dos dias de hoje. “Me questionei muito se esse filme seria considerado atual. Em 2013, pela primeira vez, afastei essa dúvida. Percebi, com as manifestações daquele ano, que o filme tem um ponto de convergência com os dias de agora. Ainda temos uma necessidade por uma democracia efetiva e por uma interferência mais eficiente em nossa política”, concluiu.

A trilha sonora é uma conversa à parte. "Depois da Chuva" se passa em Salvador, cidade que, na opinião do cineasta, tinha outra áurea na década de 1980. “Salvador tinha uma cena rock and roll que, claro, existe hoje, mas existiu em proporções maiores naquela época”, afirmou. Assim como a capital baiana, a trilha sonora também é um personagem importante no longa-metragem, que traz clássicos do punk rock como Dead Kennedys, Sex Pistols, Garotos Podres e até bandas regionais, caso de Dever de Classe e Crac!, bandas que Cláudio, fã declarado, pediu que participassem de seu filme. “Foi difícil reunir todo mundo, mas conseguimos e foi incrível”, relatou.

(Karen Lemos - Revista O Grito!)

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