Arquivo pessoal
Desde 2009, Jonathan Chasko dá aulas em um cursinho pré-vestibular no Paraná. O curso, um projeto de extensão da faculdade onde faz mestrado, é voltado para alunos que saíram da escola pública ou que estão fora da escola há um tempo. Os professores são voluntários e precisam dominar uma linguagem abrangente, já que há alunos de 16 a 50 anos ali.
Desde 2015, a drag queen Sofia Ariel brilha na noite paranaense. Trabalha como DJ e também faz recepção em baladas de Cascavel, no oeste do Estado. Mês passado, Jonathan e Sofia se encontraram na sala de aula - e o resultado foi maravilhoso.
O professor, que se apresenta como drag queen na cidade paranaense, se montou e levou a personagem para falar sobre artigos definidos e indefinidos em uma aula de português do cursinho; de quebra, ele discutiu homofobia, respeito à diversidade e identidade de gênero.
“Sempre levo temas polêmicos para serem discutidos em sala de aula. Costumo a dizer que a educação é um iceberg; a ponta dele é o senso comum, e o que me interessa é fazer com que meus alunos pensem na parte que está submersa”, contou Chasko.
Jonathan, que já abordou a cultura do estupro, machismo e racismo com os alunos, se inspirou no Dia Internacional contra a Homofobia, celebrado no dia 17 de maio, para a aula. “Fiquei pensando em algo para aquela data e, como já trabalho como drag queen, decidi ‘dar à luz’ Sofia durante a aula. Cheguei abrindo meu leque, me apresentando e aproveitando para falar sobre homofobia e gênero.”
No começo, o professor relatou ter tido medo de uma possível resistência ou reprovação dos alunos diante de sua performance. “Aos poucos eles foram entrando na vibe e interagindo comigo. Fizeram perguntas sobre o movimento LGBT e sobre a cultura drag; eu esperava mais resistência, mas eles me mostraram que estavam abertos para entender assuntos como identidade de gênero, tema que vem sendo muito criticado, mas que é bem simples de entender.”
Discussão de gênero
Jonathan afirma que, desde sempre, somos apresentados à discussão de gênero. “Nos primeiros anos de escola, aprendemos que existem banheiros só para meninos e só para meninas. Isso já é discutir gênero”, afirma. “O que vemos agora é uma posição conservadora que vai contra debater o tema nas escolas; acham que discutir gênero é se assumir transexual. Não é nada disso!”
Para ele, casos como o da adolescente de 16 anos que foi estuprada por mais de 30 homens no Rio de Janeiro, elucidam a urgência deste debate. “Falar sobre gênero é importante para que se perceba o quanto nossa estrutura é machista, patriarcal e falocêntrica”, diz.
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“Esse tipo de estrutura tende a colocar a mulher em um lugar menor de valorização e, quando a mulher bate na mesa, ela é vista como histérica. A discussão de gênero vai muito além do que pensam; [a discussão] é, basicamente, o entendimento do respeito às mulheres. Como investir no desenvolvimento social do aluno ignorando uma das principais características de sua personalidade, que é a identidade de gênero dele?”
Críticas
Embora a reação de seus alunos tenha sido positiva, Jonathan recebeu críticas depois que a sua história viralizou na internet. “As únicas críticas vieram das redes sociais, na verdade”, explica. “Os alunos, meus amigos, meus colegas de faculdade e o responsável pelo cursinho no qual trabalho, me apoiaram. Na internet, porém, recebi comentários cheios de palavrões, sem pudor, agressivos”, lamenta.
Em sua opinião, essa reação tão descompensada no universo digital só mostra a carência que existe em nosso sistema de educação e da urgência de professores falarem sobre respeito dentro das salas de aula.
Projetos de escolas sem partido
Na contramão da aula proposta por Chasko, estão projetos de lei que visam coibir o professor de expressar qualquer tipo de opinião. A ideia é manter uma suposta neutralidade em sala de aula e evitar a “doutrinação” do aluno de acordo com alguma ideologia ou conduta moral. Para Jonathan, propostas do tipo - como o Projeto Escola Livre, que foi aprovado no Estado de Alagoas - beiram o absurdo.
“Primeiro, essa tal imparcialidade não existe”, discorre. “Quando se fala de descobrimento do Brasil, você precisa assumir a voz do colonizador português ou do índio colonizado. Como você vai falar de nazismo de forma neutra? De política no Brasil de forma neutra? De movimento LGBT de forma neutra? Em nossos discursos, nós não somos neutros. Mesmo quando não assumimos um lado, já estamos de certa forma tomando uma posição.”
“Escola não é lugar de manipulação, mas de desenvolvimento intelectual. Os professores estão ali para fazer os alunos pensarem, e não assumirem posicionamento. Em minhas aulas, sempre digo que não estou ali para convencer ninguém de nada. O que eu quero é causar desconforto. Dizer o que querem que você diga não vai desenvolver os alunos e nem fazer uma sociedade melhor”, conclui.
(Karen Lemos - Portal da Band)