Wladimir Costa jogou confetes ao votar pela saída de Dilma. Parlamentar é campeão em faltas na Câmara (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Segundo dados divulgados pela Secretaria Geral da Mesa da Câmara dos Deputados, apenas 7% (36 de 513) dos parlamentares que compõem a Casa foram eleitos com seus próprios votos.
Isso acontece por causa de um sistema chamado quociente eleitoral, cálculo feito entre os votos válidos e o número de vagas na Câmara conforme cada estado do Brasil. Nesta conta, são verificados também os votos por partido político, que são divididos proporcionalmente entre as legendas que receberam mais e menos votos.
Esse método acarreta no que é chamado de “puxador de votos”. Funciona assim: deputados que não atingiram o quociente são “puxados” por votos dados à sua legenda ou por outros candidatos de seu partido, ou de coligação, que tenham ultrapassado esse quociente.
Por exemplo, o deputado Celso Russomanno (PRB-SP) teve 1,5 milhão de votos - um número bem cima do quociente necessário para a candidatura de um parlamentar de São Paulo, que é de quase 300 mil votos. Dessa forma, sozinho, Russomanno puxou mais quatro políticos de seu partido para o Congresso.
Sendo assim, há muitos – especificamente 477 – deputados trabalhando sem, de fato, terem sido eleitos diretamente pela população.
"O espírito desse cálculo é que se tenha uma quantidade de representantes proporcional ao poder do partido político”, explica o cientista social Rafael Araújo, professor da PUC-SP e da FESPSP. “Efetivamente, então, esse modelo é o que mantém a força dos grandes partidos. Com esse quociente, não há riscos de um partido surgir do nada e ocupar espaços das legendas que estão lá há muitos e muitos anos.”
Como resultado, segundo Araújo, há um Congresso Nacional funcionando em caráter conservador em sua manutenção, sem possibilitar uma abertura de mudança abrupta na Casa.
Na opinião do especialista, a Câmara ser formada, majoritariamente, por deputados “puxados”, revela o quanto o poder legislativo é desprezado pelo eleitor. “Muita gente escolhe seu deputado no dia da eleição, vota em alguém que algum colega indicou, ou nem vota”, observa. “O interesse maior fica - se é que fica - para os cargos executivos. Mas, o que precisamos entender é que o poder legislativo é o mais importante de todos. É do Congresso que surgem as regras da política, o conjunto de leis que compõe nossa Constituição”, lembra Rafael.
Política fechada para minorias
Preservando a Casa de novos rostos, o “puxador de votos” acaba isolando a política das minorias. “O discurso racial, feminista e LGBT jamais teria quociente eleitoral. Isso não é nenhuma novidade no Brasil. O Congresso sempre primou pelas elites, sendo assim, o discurso minoritário só é ouvido para saber como controlá-lo, mas não para garantir seus direitos”, pontua Rafael Araújo.
A manutenção da elite no poder se dá, explica o cientista social, por muitos fatores, entre eles o financiamento de campanha. “Um deputado como o Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por exemplo, tem tanto poder assim porque ele tem uns 100 parlamentares em suas mãos; são os parlamentares que tiveram campanhas financiadas por ele. Como você espera, então, que um líder comunitário negro nordestino que mora no morro vai se candidatar e eleger? Por mais que a campanha dele seja brilhante, é necessário o financiamento”, aponta.
Quando surge uma figura nova dentro da Casa, não há muita alternativa senão “beijar a mão do cacique” que o colocou ali dentro. “Veja o exemplo do Tiririca (PR-SP). Sem dinheiro para campanha, mas sendo uma figura simbólica que garantiria votos ‘puxados’ para o partido, recebeu investimento do Valdemar Costa Neto (PR-SP), uma velha raposa da política. No domingo de votação do impeachment, Tiririca disse que votaria contra o afastamento de Dilma Rousseff (PT), mas precisou votar a favor em obediência ao seu patrão.”
Na foto, o deputado Tiririca (Nilson Bastian/Câmara dos Deputados)
Outro problema é a falta de limite dos mandatos dentro do parlamento. “Dessa forma, você cria uma verdadeira oligarquia ali dentro”, explica Rafael. “Tem deputado que está há 30 anos no Congresso, sem acompanhar as mudanças que o país precisa.”
A grande consequência disso para nós, como sociedade, é uma política engessada, do tipo que as vozes da rua já deixaram claro que não as representam mais. Para o especialista, porém, a mudança pode – e deve – partir dos próprios eleitores. “Existe uma mania no Brasil de jogar a política na vala comum da corrupção, mas as pessoas não são responsivas a isso, não se preocupam com o mandato e reelegem os mesmos parlamentares.”
Política na era digital
Alguns projetos de reforma política sugerem alternativas ao quociente eleitoral (conheça PL 1485/2011, PL 6316/2013 e PEC 352/2013). Com um parlamento pouco inclinado a mudar o sistema que o protege, os trâmites dessas medidas se arrastam por anos.
Para o especialista, em contraponto a essa lentidão do Congresso, a internet pode ser uma aliada. Um exemplo é o engajamento online de Jean Wyllys (PSOL-RJ), que não tem voz no Congresso, mas consegue dialogar com seu eleitorado nas redes sociais. “Esse período de análise do impeachment de Dilma pelo Congresso, de discussões políticas na internet e fora dela, de movimentos sociais nas ruas, enfim, talvez surja daí a conscientização política que tanto precisamos para quebrar esse gesso em nosso parlamento”, conclui Rafael.
(Karen Lemos - Portal da Band)