terça-feira, 19 de abril de 2016

Apenas 7% dos deputados foram eleitos com seus votos

Wladimir Costa jogou confetes ao votar pela saída de Dilma. Parlamentar é campeão em faltas na Câmara (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Segundo dados divulgados pela Secretaria Geral da Mesa da Câmara dos Deputados, apenas 7% (36 de 513) dos parlamentares que compõem a Casa foram eleitos com seus próprios votos.

Isso acontece por causa de um sistema chamado quociente eleitoral, cálculo feito entre os votos válidos e o número de vagas na Câmara conforme cada estado do Brasil. Nesta conta, são verificados também os votos por partido político, que são divididos proporcionalmente entre as legendas que receberam mais e menos votos.

Esse método acarreta no que é chamado de “puxador de votos”. Funciona assim: deputados que não atingiram o quociente são “puxados” por votos dados à sua legenda ou por outros candidatos de seu partido, ou de coligação, que tenham ultrapassado esse quociente.

Por exemplo, o deputado Celso Russomanno (PRB-SP) teve 1,5 milhão de votos - um número bem cima do quociente necessário para a candidatura de um parlamentar de São Paulo, que é de quase 300 mil votos. Dessa forma, sozinho, Russomanno puxou mais quatro políticos de seu partido para o Congresso.

Sendo assim, há muitos – especificamente 477 – deputados trabalhando sem, de fato, terem sido eleitos diretamente pela população.

"O espírito desse cálculo é que se tenha uma quantidade de representantes proporcional ao poder do partido político”, explica o cientista social Rafael Araújo, professor da PUC-SP e da FESPSP. “Efetivamente, então, esse modelo é o que mantém a força dos grandes partidos. Com esse quociente, não há riscos de um partido surgir do nada e ocupar espaços das legendas que estão lá há muitos e muitos anos.”

Como resultado, segundo Araújo, há um Congresso Nacional funcionando em caráter conservador em sua manutenção, sem possibilitar uma abertura de mudança abrupta na Casa.

Na opinião do especialista, a Câmara ser formada, majoritariamente, por deputados “puxados”, revela o quanto o poder legislativo é desprezado pelo eleitor. “Muita gente escolhe seu deputado no dia da eleição, vota em alguém que algum colega indicou, ou nem vota”, observa. “O interesse maior fica - se é que fica - para os cargos executivos. Mas, o que precisamos entender é que o poder legislativo é o mais importante de todos. É do Congresso que surgem as regras da política, o conjunto de leis que compõe nossa Constituição”, lembra Rafael.

Política fechada para minorias 

Preservando a Casa de novos rostos, o “puxador de votos” acaba isolando a política das minorias. “O discurso racial, feminista e LGBT jamais teria quociente eleitoral. Isso não é nenhuma novidade no Brasil. O Congresso sempre primou pelas elites, sendo assim, o discurso minoritário só é ouvido para saber como controlá-lo, mas não para garantir seus direitos”, pontua Rafael Araújo.

A manutenção da elite no poder se dá, explica o cientista social, por muitos fatores, entre eles o financiamento de campanha. “Um deputado como o Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por exemplo, tem tanto poder assim porque ele tem uns 100 parlamentares em suas mãos; são os parlamentares que tiveram campanhas financiadas por ele. Como você espera, então, que um líder comunitário negro nordestino que mora no morro vai se candidatar e eleger? Por mais que a campanha dele seja brilhante, é necessário o financiamento”, aponta.

Quando surge uma figura nova dentro da Casa, não há muita alternativa senão “beijar a mão do cacique” que o colocou ali dentro. “Veja o exemplo do Tiririca (PR-SP). Sem dinheiro para campanha, mas sendo uma figura simbólica que garantiria votos ‘puxados’ para o partido, recebeu investimento do Valdemar Costa Neto (PR-SP), uma velha raposa da política. No domingo de votação do impeachment, Tiririca disse que votaria contra o afastamento de Dilma Rousseff (PT), mas precisou votar a favor em obediência ao seu patrão.”

 Na foto, o deputado Tiririca (Nilson Bastian/Câmara dos Deputados)

Outro problema é a falta de limite dos mandatos dentro do parlamento. “Dessa forma, você cria uma verdadeira oligarquia ali dentro”, explica Rafael. “Tem deputado que está há 30 anos no Congresso, sem acompanhar as mudanças que o país precisa.”

A grande consequência disso para nós, como sociedade, é uma política engessada, do tipo que as vozes da rua já deixaram claro que não as representam mais. Para o especialista, porém, a mudança pode – e deve – partir dos próprios eleitores. “Existe uma mania no Brasil de jogar a política na vala comum da corrupção, mas as pessoas não são responsivas a isso, não se preocupam com o mandato e reelegem os mesmos parlamentares.”

Política na era digital 

Alguns projetos de reforma política sugerem alternativas ao quociente eleitoral (conheça PL 1485/2011, PL 6316/2013 e PEC 352/2013). Com um parlamento pouco inclinado a mudar o sistema que o protege, os trâmites dessas medidas se arrastam por anos.

Para o especialista, em contraponto a essa lentidão do Congresso, a internet pode ser uma aliada. Um exemplo é o engajamento online de Jean Wyllys (PSOL-RJ), que não tem voz no Congresso, mas consegue dialogar com seu eleitorado nas redes sociais. “Esse período de análise do impeachment de Dilma pelo Congresso, de discussões políticas na internet e fora dela, de movimentos sociais nas ruas, enfim, talvez surja daí a conscientização política que tanto precisamos para quebrar esse gesso em nosso parlamento”, conclui Rafael.

(Karen Lemos - Portal da Band)

domingo, 17 de abril de 2016

Análise: Senado deve seguir decisão da Câmara

Antonio Augusto/Câmara dos Deputados

Com o parecer favorável da Câmara dos Deputados ao pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), a situação fica ainda mais delicada para o governo e para a presidente, que enfrentará a votação no Senado Federal.

“[A situação fica mais delicada] Primeiro porque o Senado - para onde o processo será agora encaminhado - tem a presidência do PMDB, partido que desembarcou da base aliada – e o resultado lá não deve ser diferente. Citando Hobbes, lobo não come lobo. Não acredito que Renan Calheiros irá contra a decisão de membros do próprio partido”, avalia Jacqueline Quaresemin, historiadora, socióloga e professora da FESPSP.

Em declarações recentes, Renan Calheiros, presidente do Senado Federal, disse que não iria obstruir o processo de impeachment, o que mostra que ele pode jogar a favor do afastamento de Dilma Rousseff. “O grupo do PMDB formado por Renan e Sarney é importante dentro do partido e terá um espaço garantido em um hipotético governo Michel Temer”, observa Michel Mohallem, especialista em ciência política e professor de direito na FGV do Rio de Janeiro.

Governo Temer 

Para ambos, Michel Temer terá grandes desafios a enfrentar caso o impeachment passe em votação no Senado. Assim como Dilma, Temer também assinou as chamadas pedaladas fiscais e precisará justificar isso; além disso, as contas da chapa da qual é vice serão questionadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

“Sendo presidido por Gilmar Mendes [cuja posição é de oposição ao governo petista], o TSE pode separar as contas e livrar Temer. Ainda assim, Temer poderá enfrentar mobilizações pedindo sua renuncia. Tal movimento, além de unificar segmentos tanto no campo pró como no contra o impeachment, crescerá com os partidos que estão pedindo novas eleições, como a Rede, que tem Marina Silva bem posicionada nas pesquisas de opinião”, lembra Jacqueline Quaresemin.

Já Mohallem destaca que nos 180 dias de afastamento de Dilma – enquanto o Senado julga o pedido – Temer já deve negociar mais abertamente com partidos de oposição, como o PSDB, e montar planos para traçar um projeto de governo para os próximos dois anos.

Lembrando que deve tramitar, na Câmara dos Deputados, um pedido de impeachment para Michel Temer. A ação do advogado Mariel Márley Marra diz que o vice cometeu os mesmos crimes que a atual mandatária. “Esse processo deve ter tramitação rápida no Congresso e, provavelmente, será recusado”, aposta Michael Mohallem.

Fator Cunha 

O que também sustenta a probabilidade de que o processo de impeachment de Michel Temer não vingue, bem como sua desvinculação da chapa no julgamento no TSE, é que ninguém do PMDB quer que Eduardo Cunha, o próximo da linha sucessória, assuma a presidência. “Devido a qualquer ausência de Temer, quem ficará no poder é o autoritário e réu na Lava Jato Eduardo Cunha”, lembra Quaresemin.

 Eduardo Cunha (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Na análise de Michael Mohallem, Cunha foi um elemento importante para a oposição no sentido de dar andamento ao impeachment de Dilma Rousseff – e só. “Nem mesmo o PMDB vai querer Eduardo Cunha na presidência.”

Lava Jato 

O andamento das investigações da Operação Lava Jato também deve sofrer com o avanço do impeachment. “Grande fator de instabilidade, as investigações devem tirar o pé do acelerador; no máximo, avançar em cima de João Santana, marqueteiro do PT, para engrossar o discurso pelo impeachment durante a votação no Senado.”

Legado do impeachment 

Na opinião de Jacqueline Quaresemin, ainda que o PT tenha aberto mão de suas pautas em nome da governabilidade, há de se reconhecer os avanços das políticas de inclusão social durante a administração petista. Para ela, um governo peemedebista não trará os mesmos resultados.

Outra questão apontada por Quaresemin cai sobre o judiciário do país. “A Suprema Corte ter permitido que todo esse processo tenha sido conduzido por alguém investigado em um episodio de corrupção abre um precedente muito perigoso”, afirma, citando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

O legado do impeachment também diz respeito ao principal pedido das manifestações de rua: um novo rosto para a política brasileira. “O governo do PMDB irá manter as mesmas estruturas partidárias formadas por coronéis”, observa. “E enquanto continuar existindo essa fiscalização fraca do TSE e do TER com relação às verbas aplicadas em campanhas e ao tempo disponível para candidatos na televisão, os mais fortes terão espaço garantido, não permitindo que legendas novas e menores tenham voz.”

“Dessa forma, com um judiciário que não é isento como deveria, uma Câmara e um Senado de postura conservadora – que impediu que uma mulher fosse presidente no Brasil - não haverá a tão desejada reforma política”, conclui.

(Karen Lemos - Portal da Band)

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Jovem ator cria diário de um portador de HIV


Na semana em que descobriu ser portador do vírus HIV, o ator curitibano Gabriel Comicholi decidiu que - em vez de esconder esse fato - iria compartilhá-lo com toda a internet. Assim, nasceu a série de vídeos HDIÁRIO, hospedado em um canal onde ele compartilha relatos de seu cotidiano desde que passou a conviver com o vírus em seu sangue.

Para Gabriel, dividir esse momento delicado de sua vida com anônimos não só o ajuda a lidar melhor com a questão, como contribui para quebrar o estigma que, desde a década de 1980, persiste em rondar o assunto.

“As pessoas ainda têm essa ideia errada de que quem é portador do vírus HIV sofre da doença [AIDS]; e não é isso”, ressalta o jovem. “Isso é um problema da minha geração, acho. Ninguém mais fala disso quase. Nas gerações passadas, pessoas famosas como o Cazuza, por exemplo, falavam abertamente sobre isso.”

O primeiro vídeo do canal, publicado no dia 1º, traz Gabriel revelando ser portador do vírus e ainda trazendo um alerta: como muitos jovens, ele nunca havia feito exames de rotina que podem diagnosticar vírus ou bactérias transmitidas por contato sexual. “Muita gente tem medo de fazer exame, mas o resultado pode te trazer uma notícia boa, mesmo que ateste positivo. É a notícia de que você pode começar seu tratamento e seguir normalmente com a vida.”

Esse otimismo, bem como um contagiante bom humor, são presentes nos vídeos gravados pelo ator. “Eu sempre lidei com facilidade com as coisas, nunca fui de ficar me lamentando e agora não poderia ser diferente. Quando veio essa bomba, eu pensei ‘bom, algo de bom eu vou tirar disso’”, observa. “Acho que ficar em casa, me escondendo, poderia piorar tudo. Recebo mensagens de pessoas que decidiram mentir sobre o assunto e percebo que o emocional delas está muito abalado.”

Começo do tratamento

No segundo vídeo do HDIÁRIO, postado no último dia 5, Gabriel fala de suas primeiras visitas a infectologistas e deixa dicas para outros soropositivos: fazer a carteirinha do Sistema Único de Saúde (SUS) para ter acesso à medicação, ir ao posto de saúde do seu bairro para pegar os medicamentos necessários para o tratamento e escolher bem o seu profissional de saúde que vai acompanhá-lo durante todo o processo.


“[Fui a um] infectologista que achei preconceituoso, ele disse que eu não deveria contar isso para as pessoas, o que vai totalmente contra a filosofia [do canal]”, diz. “Então eu falei ‘não, vou procurar outro’.”

No vídeo, o jovem aparece tomando a primeira dose da medicação e relatando os efeitos colaterais. “Estou sentindo muita tontura e calor”, detalha. Dessa forma, Gabriel descontrói a ideia de que o tratamento é um bicho de sete cabeças, mas também deixa claro que, acima de tudo, é um processo com consequências e que, portanto, é importante se cuidar sempre.

Já no terceiro vídeo - o último postado até então - o jovem leva seus seguidores do canal para uma coleta de sangue, que passará a ser frequente agora. “Não dobrem o braço logo após tirar o sangue”, aconselha.


Repercussão

Antes de encarar a repercussão que seu canal de vídeos teria na internet, o ator primeiro conversou com a família sobre o assunto. “A minha mãe não queria que eu criasse a página”, conta. “Ela achava que isso estragaria minha carreira e tinha preocupação com relação ao preconceito que eu poderia sofrer.”

Por fim, a mãe - que desde o início, apesar do choque, está dando todo o suporte para Gabriel - aceitou a ideia e tem, inclusive, incentivado o projeto do filho para a web.

Embora estivesse preparado para comentários hostis, o jovem se surpreendeu. “Recebi coisas maravilhosas em número muito superior ao de comentários negativos. Sempre surge uns ‘haters’ [termo da internet para pessoas que fazem comentários de ódio], mas também tem gente com muito amor no coração por aí”, celebra Gabriel.

(Karen Lemos - Portal da Band)

domingo, 10 de abril de 2016

Trajetória da primeira parlamentar negra é resgatada


Natural de São Paulo, a cineasta Flávia Person só conheceu a história de Antonieta de Barros quando se mudou para Florianópolis, Santa Catarina. Não por conta de uma trajetória conhecida, mas pela curiosidade que lhe surgiu quando reparou em nomes de escolas, ruas e monumentos em homenagem àquela figura pela cidade.

Filha de uma escrava liberta, Antonieta foi a primeira mulher negra do Brasil a assumir um cargo parlamentar. Em 1935, três anos após as mulheres conquistarem o direito ao voto, ela ocupou uma cadeira na Assembleia Legislativa de Santa Catarina por dois mandatos.

Apesar dos tributos em sua terra natal, até mesmo conterrâneos de Antonieta não sabem de seus feitos. “Eu visitei uma escola estadual que carrega o nome dela e descobri que mesmo alguns alunos de lá não a conheciam”, conta Flávia, diretora do documentário de curta-metragem Antonieta, que resgata a memória e as realizações da catarinense.

Diante dessa injustiça com a memória de uma personalidade que contribuiu para o empoderamento das mulheres e dos negros, a cineasta lançou uma campanha para angariar fundos, realizar cópias de seu filme e distribuí-lo em locais chaves - como escolas, bibliotecas, museus, centros culturais e núcleos de estudos afrobrasileiros do país - na tentativa de que a importância de Antonieta seja, finalmente, reconhecida.

Presença incômoda 

A presença de Antonieta de Barros na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, formada - majoritariamente - por homens brancos da elite sulista, incomodava seus colegas parlamentares. Os projetos da deputada por vezes eram criticados. Além da carreira política, Antonieta também atuava como professora e jornalista – tendo rebatido algumas dessas críticas nos veículos para os quais escrevia. O documentário também mostra alguns desses conflitos.

“Certa vez, o deputado Osvaldo Rodrigues Cabral leu um desses artigos e acusou-a de fazer ‘intriga de senzala’ [em citação, pejorativa, ao passado da mãe ex-escrava]. O triste é que, hoje, Osvaldo é lembrado como uma referência histórica em Santa Catarina, enquanto que Antonieta caiu no esquecimento”, lamenta a diretora Flávia Person.

 Antonieta e seus colegas parlamentares no dia de posse em 1935. (Foto retirada do livro "Dicionário Político Catarinense", de Walter Piazza)

Além da trajetória da primeira parlamentar negra do país, o filme ainda traz o contexto histórico e político no qual a deputada viveu e exerceu suas funções. Deste ponto de vista, a relevância da personagem fica ainda mais evidente. “Se em 2016 uma mulher negra tem dificuldade de alcançar tudo o que Antonieta alcançou, imagina naquela época, em 1935”, ressalta.

Questões sociais ainda mal resolvidas no Brasil fazem de Antonieta um documentário, infelizmente, muito atual. “Causa estranheza o fato de ela ser pouco conhecida no nosso país, mas isso acontece porque ainda temos uma estrutura racista e machista”, destaca à reportagem Dagoberto José Fonseca, professor de antropologia na Unesp de Araraquara e autor de teses sobre racismo e o emponderamento do negro. “Diante deste cenário, mulheres e negros de poder e com poder são negligenciados e silenciados ao longo da história.”

Para o antropólogo, reconhecer e saudar conquistas como as de Antonieta de Barros ajudam a construir uma sociedade mais igualitária. “Falar de Antonieta, mulher que produziu um vasto conhecimento principalmente na área da educação, é mostrar que a população negra não é subalterna e capaz apenas de realizar trabalhos de menor prestigio; [Falar de Antonieta] é também provar que, tendo oportunidades, o negro tem condições de alçar patamares mais altos.”

“A estrutura da nossa sociedade atual faz com que, aqueles que poderiam ser reconhecidos, não o são. Por isso, memórias como a de Antonieta de Barros não podem ser esquecidas, tão pouco apagadas”, pontua Dagoberto.


(Karen Lemos - Portal da Band)