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Nada veio fácil para Maria Clara Araújo. Negra, pobre e transexual, ela poderia ter aceitado uma vida de "nãos" e portas fechadas. Ao invés disso, resolveu lutar por direitos básicos que lhe foram negados desde os tempos de escola.
"Foi na escola que comecei a sofrer por ser uma mulher transexual. Minha professora não me aceitava como um personagem feminino, não deixava eu brincar com brinquedos de menina", recordou Maria em conversa com o Portal da RedeTV!
Anos depois, aprovada na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), conquistou o direito de ser chamada pelo nome de mulher nos corredores da instituição onde irá estudar pedagogia, curso que escolheu justamente para tentar mudar este cenário. "Quero me certificar de que vou agregar dentro deste ambiente, que foi o primeiro que me violentou, para que, futuramente, outros como eu não sejam violentados da mesma forma".
Pró-reitora para Assuntos Acadêmicos da UFPE, Ana Cabral falou a respeito da posição da universidade e foi enfática: Maria Clara será muito bem-vinda. "Nós, como uma universidade, precisamos dar o exemplo de tratar as pessoas como elas querem ser tratadas. Não é só uma questão de respeitar um direito dela, mas de garantir direitos humanos e sociais à qualquer pessoa", declarou. "Além disso, ela foi aprovada no vestibular por um mérito dela, um esforço pessoal".
Em um manifesto publicado em seu Facebook no início desta semana, a estudante de 18 anos celebrou a vitória. Publicou uma foto de sua mãe raspando sua sobrancelha como forma de comemoração e escreveu sobre a importância da conquista não somente na sua vida, mas na de outras transexuais que podem ter seus destinos, hoje amargamente traçados, transformados com novas possibilidades.
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"Sempre me vi em um lugar em que este tipo de sonho, de estudar e trabalhar, não é permitido", observou Maria. "Agora quero chamar a atenção para que a sociedade reflita por qual razão não convive com esse tipo de gente; porque nós, transexuais, não estamos na sala de aula, e sim na prostituição?".
Há, atualmente, 23 universidades que já respeitam o nome social de homens e mulheres transexuais, um direito que, muitas vezes, foi conquistado através das denúncias dos estudantes. "Cada denúncia que recebemos de universidades, faculdades e escolas que não respeitam o nome social, entramos em contato para resolver", explicou Toni Reis, secretário de educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).
"Ainda é uma medida paliativa. Mudar o nome em documentos é um processo muito mais burocrático, mas podemos exigir que, ao menos, os transexuais atendam por seus nomes sociais. Chamar um mulherão pelo seu nome masculino causa muitos constrangimentos", enfatizou o secretário.
A caminhada continua longa para quem enfrenta diariamente o preconceito. Mas, para quem já venceu algumas batalhas, o amanhã é promissor. "A minha vida é de resistência", pontuou Maria. "Tenho consciência dos embates que vou enfrentar. Espero por questionamentos do tipo 'o que ela está fazendo aqui na sala aula de aula?', mas isso não me enfraquece. Cada luta que eu enfrento me faz mais forte", completou.
(Karen Lemos - Portal RedeTV!)