Aos 22 anos, jovem compositor fala do amor de forma singular, e atrai fãs de todos os cantos do Brasil
Foto: Ieve Holthausen
O registro raro do timbre de voz (contra-tenor) chama atenção para um jovem compositor e intérprete que começa a vislumbrar toda uma carreira musical a ser traçada em cima de muita boa vontade e pela paixão por cantar. Tido como grande revelação na música brasileira, Filipe Catto enfrenta as desvantagens e soma as vantagens de ser um artista independente, original e talentoso como poucos.
Em seu mais recente trabalho, batizado “Saga”, o jovem compositor trata do amor, tema frequente na canção brasileira, de forma inusitada. Com emprego de termos fortes como “desgraçada”, “esmigalhada”, “desbotada”, “perversa”, “destrincha”, Filipe expressa sentimentos de afeto misturado com a desilusão de grandes paixões.
A linguagem utilizada pelo cantor, que contraria a forma como o tema é normalmente abordado, teve influência das palavras de Hilda Hilst e Chico Buarque, só para ficar em dois exemplos. A respeito de Chico, que também canta o âmago dos sentimentos humanos, Filipe cita a música “Olhos nos Olhos” como modelo de sua poética (“Tantas águas rolaram / Quantos homens me amaram / Bem mais e melhor que você”).
“Quando componho tenho uma tendência natural a falar de coisas na minha música que ninguém fala. Gosto muito de tratar o amor dessa forma bastante íntima e crua”, explica Filipe. “São sentimentos inconfessáveis, tão lá dentro e tão horríveis que tu não consegue falar nem para ti mesmo”.
Nascido em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Filipe faz parte da nova leva de compositores/cantores (embora tenha poucos intérpretes masculinos que cumpram esse papel) que teve seu talento descoberto e a carreira alavancada através das facilidades da internet.
Na onda dos artistas independentes, que sobrevivem com as ferramentas da rede, Catto se desdobra em criatividade para divulgar seu trabalho. Pouco ligado no interesse das grandes gravadoras - cada vez menos populares na era virtual, Filipe revela seu principal desejo como profissional: ser ouvido.
“Quis facilitar o trabalho das pessoas. Parti do principio que sou um artista novo e, como artista novo, quero me escutem. Quando eu lancei o álbum, enxerguei aquilo como peça de divulgação. O disco em si não me traz o financeiro, esse papel cabe ao show”, explica.
“Baixem. Se gostarem, espalhem o disco - é esse tipo de pagamento que eu espero, não precisam me dar um real a mais”, complementa. O EP virtual “Saga” está disponível, na íntegra, para download no site oficial (http://filipecatto.com.br/).
Ainda a cerca de suas influências musicais, Catto veio de duas vertentes diferenciadas. Da Música Popular Brasileira mais antiga (como Nelson Gonçalves e o já citado Chico Buarque, e grandes divas da MPB como Maysa, Elis Regina e Maria Bethânia), - e de uma veia mais pop e atual, atribuída à época em que tocava em bandas de rock de garagem, no Rio Grande do Sul, como Nick Cave e PJ Harvey.
“PJ traz uma versão dark do amor, como uma coisa mais misteriosa. Neste ponto, as letras dela são bem parecidas com as minhas”, contou.
Para complementar o forte discurso do disco, Catto pesquisou sobre as possibilidades de sons em diversos instrumentos para agregar em seu trabalho. “Queríamos um disco quente, acústico, com percussão rica e viva. O bom de ser independente é poder criar a música, sem pressão externa. Experimentar e ver o que vai acontecer”.
O estudo pessoal do músico resultou em uma mistura interessante de ritmos latinos como bolero, samba-canção e o tango tradicional - o que necessitou da presença forte do bandonéon na gravação do álbum.
Filipe conta que, durante a pesquisa, percebeu como a cultura latino-americana possui integração. “Se você olhar a estrutura melódica [do tango], verá que é muito parecida com a do samba-canção. A música latina conversa entre si”, explica.
Foi nesse conceito de unidade musical que o repertório de “Saga” foi pensado. “O repertório conta uma história. [Em “Saga”] uma música brinca com a outra, elas se revelam e se conversam”, explica Catto. Houve também a preocupação com um discurso uniforme, que falasse do amor de forma ‘crua, violenta e passional’, “que é o que me traduz”, diz o compositor das letras.
“Algumas lindas canções tiveram que ficar de fora, porque não traduziam o conceito do disco. Eu trabalhei para deixar tudo coerente; isso se estendeu até o visual do site oficial”.
Graças aos recursos virtuais, o site, que abriga o EP, pode ser acessado por curiosos e fanáticos pela música de várias partes do Brasil, o que propiciou a Catto uma pluralidade de público. Gaúcho, o artista se espantou ao ver que boa parte dos interessados em seu trabalho estavam a quilômetros de distância.
“Tudo está acontecendo o contrário do que imaginei. Acreditava ter uma repercussão maior aqui em Porto Alegre, mas notei que, por exemplo, boa parte dos acessos ao site e downloads do álbum vinham do nordeste, onde ocorre um outro tipo de cultura. Estou muito feliz com isso”, afirma.
Foto: Maciel Goelzer
Para chegar até o nordeste e satisfazer seus distantes fãs, porém, é preciso muito mais do que boa vontade e paixão pela música. Sustentando sua carreira apenas com os lucros de shows, Catto enfrenta certos impasses toda vez que marca uma apresentação além do sul do país.
“É muito caro fazer show. Dependemos de toda uma equipe que temos que transportar, e meu show é um espetáculo, quase como teatro”, reconhece. “Existem as leis de incentivo, mas é difícil tocar um projeto assim somente para um show. Encarece!”.
Para ‘facilitar’ as coisas, como transporte e financiamento, Catto está na estrada acompanhado apenas de um violonista (Ricardo Fá) na turnê que foi batizada “Violão & Vísceras”.
“Temos que viabilizar as coisas. Ou faço show capenga com banda - o que eu não iria consegui fazer, ou tiro tudo”, justifica. Nada mais adequado para o clima intimista que se estende do palco até a plateia. “Show com banda é outra experiência, tem mais entretenimento, mas não quero entreter; quero que prestem atenção em minhas letras. Gosto de sentar, olhar e falar na cara a verdade, isso é comunicação da arte, e arte não se faz sozinha”.
A comunicação também se estende a uma performance teatral, dotada pelo forte domínio de palco de Catto e sua entrega na música. “Como vou cantar algo que diz “uma pobre coisa desgraçada” [trecho de “Ascendente em Câncer”] fazendo cara de paisagem? Não tem como não se apropriar [da música], você usa as mãos e todos os utensílios que possui, a dramaticidade é muito teatral”, acredita.
Para 2010, a intenção de Filipe é fazer o maior número de shows possíveis. Disco novo, somente ano que vem. “Já comecei a compor. A essência é a mesma, mas toca em outra questão e com outra estética. ‘Tá’ indo para uma direção meio Dolores Duran com Amy Winehouse [risos]. Será um disco mais cru, mais simples; e terá maior presença de banda”, nos adianta.
(Karen Lemos - O Estado RJ)
Foto: Ieve Holthausen
O registro raro do timbre de voz (contra-tenor) chama atenção para um jovem compositor e intérprete que começa a vislumbrar toda uma carreira musical a ser traçada em cima de muita boa vontade e pela paixão por cantar. Tido como grande revelação na música brasileira, Filipe Catto enfrenta as desvantagens e soma as vantagens de ser um artista independente, original e talentoso como poucos.
Em seu mais recente trabalho, batizado “Saga”, o jovem compositor trata do amor, tema frequente na canção brasileira, de forma inusitada. Com emprego de termos fortes como “desgraçada”, “esmigalhada”, “desbotada”, “perversa”, “destrincha”, Filipe expressa sentimentos de afeto misturado com a desilusão de grandes paixões.
A linguagem utilizada pelo cantor, que contraria a forma como o tema é normalmente abordado, teve influência das palavras de Hilda Hilst e Chico Buarque, só para ficar em dois exemplos. A respeito de Chico, que também canta o âmago dos sentimentos humanos, Filipe cita a música “Olhos nos Olhos” como modelo de sua poética (“Tantas águas rolaram / Quantos homens me amaram / Bem mais e melhor que você”).
“Quando componho tenho uma tendência natural a falar de coisas na minha música que ninguém fala. Gosto muito de tratar o amor dessa forma bastante íntima e crua”, explica Filipe. “São sentimentos inconfessáveis, tão lá dentro e tão horríveis que tu não consegue falar nem para ti mesmo”.
Nascido em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Filipe faz parte da nova leva de compositores/cantores (embora tenha poucos intérpretes masculinos que cumpram esse papel) que teve seu talento descoberto e a carreira alavancada através das facilidades da internet.
Na onda dos artistas independentes, que sobrevivem com as ferramentas da rede, Catto se desdobra em criatividade para divulgar seu trabalho. Pouco ligado no interesse das grandes gravadoras - cada vez menos populares na era virtual, Filipe revela seu principal desejo como profissional: ser ouvido.
“Quis facilitar o trabalho das pessoas. Parti do principio que sou um artista novo e, como artista novo, quero me escutem. Quando eu lancei o álbum, enxerguei aquilo como peça de divulgação. O disco em si não me traz o financeiro, esse papel cabe ao show”, explica.
“Baixem. Se gostarem, espalhem o disco - é esse tipo de pagamento que eu espero, não precisam me dar um real a mais”, complementa. O EP virtual “Saga” está disponível, na íntegra, para download no site oficial (http://filipecatto.com.br/).
Ainda a cerca de suas influências musicais, Catto veio de duas vertentes diferenciadas. Da Música Popular Brasileira mais antiga (como Nelson Gonçalves e o já citado Chico Buarque, e grandes divas da MPB como Maysa, Elis Regina e Maria Bethânia), - e de uma veia mais pop e atual, atribuída à época em que tocava em bandas de rock de garagem, no Rio Grande do Sul, como Nick Cave e PJ Harvey.
“PJ traz uma versão dark do amor, como uma coisa mais misteriosa. Neste ponto, as letras dela são bem parecidas com as minhas”, contou.
Para complementar o forte discurso do disco, Catto pesquisou sobre as possibilidades de sons em diversos instrumentos para agregar em seu trabalho. “Queríamos um disco quente, acústico, com percussão rica e viva. O bom de ser independente é poder criar a música, sem pressão externa. Experimentar e ver o que vai acontecer”.
O estudo pessoal do músico resultou em uma mistura interessante de ritmos latinos como bolero, samba-canção e o tango tradicional - o que necessitou da presença forte do bandonéon na gravação do álbum.
Filipe conta que, durante a pesquisa, percebeu como a cultura latino-americana possui integração. “Se você olhar a estrutura melódica [do tango], verá que é muito parecida com a do samba-canção. A música latina conversa entre si”, explica.
Foi nesse conceito de unidade musical que o repertório de “Saga” foi pensado. “O repertório conta uma história. [Em “Saga”] uma música brinca com a outra, elas se revelam e se conversam”, explica Catto. Houve também a preocupação com um discurso uniforme, que falasse do amor de forma ‘crua, violenta e passional’, “que é o que me traduz”, diz o compositor das letras.
“Algumas lindas canções tiveram que ficar de fora, porque não traduziam o conceito do disco. Eu trabalhei para deixar tudo coerente; isso se estendeu até o visual do site oficial”.
Graças aos recursos virtuais, o site, que abriga o EP, pode ser acessado por curiosos e fanáticos pela música de várias partes do Brasil, o que propiciou a Catto uma pluralidade de público. Gaúcho, o artista se espantou ao ver que boa parte dos interessados em seu trabalho estavam a quilômetros de distância.
“Tudo está acontecendo o contrário do que imaginei. Acreditava ter uma repercussão maior aqui em Porto Alegre, mas notei que, por exemplo, boa parte dos acessos ao site e downloads do álbum vinham do nordeste, onde ocorre um outro tipo de cultura. Estou muito feliz com isso”, afirma.
Foto: Maciel Goelzer
Para chegar até o nordeste e satisfazer seus distantes fãs, porém, é preciso muito mais do que boa vontade e paixão pela música. Sustentando sua carreira apenas com os lucros de shows, Catto enfrenta certos impasses toda vez que marca uma apresentação além do sul do país.
“É muito caro fazer show. Dependemos de toda uma equipe que temos que transportar, e meu show é um espetáculo, quase como teatro”, reconhece. “Existem as leis de incentivo, mas é difícil tocar um projeto assim somente para um show. Encarece!”.
Para ‘facilitar’ as coisas, como transporte e financiamento, Catto está na estrada acompanhado apenas de um violonista (Ricardo Fá) na turnê que foi batizada “Violão & Vísceras”.
“Temos que viabilizar as coisas. Ou faço show capenga com banda - o que eu não iria consegui fazer, ou tiro tudo”, justifica. Nada mais adequado para o clima intimista que se estende do palco até a plateia. “Show com banda é outra experiência, tem mais entretenimento, mas não quero entreter; quero que prestem atenção em minhas letras. Gosto de sentar, olhar e falar na cara a verdade, isso é comunicação da arte, e arte não se faz sozinha”.
A comunicação também se estende a uma performance teatral, dotada pelo forte domínio de palco de Catto e sua entrega na música. “Como vou cantar algo que diz “uma pobre coisa desgraçada” [trecho de “Ascendente em Câncer”] fazendo cara de paisagem? Não tem como não se apropriar [da música], você usa as mãos e todos os utensílios que possui, a dramaticidade é muito teatral”, acredita.
Para 2010, a intenção de Filipe é fazer o maior número de shows possíveis. Disco novo, somente ano que vem. “Já comecei a compor. A essência é a mesma, mas toca em outra questão e com outra estética. ‘Tá’ indo para uma direção meio Dolores Duran com Amy Winehouse [risos]. Será um disco mais cru, mais simples; e terá maior presença de banda”, nos adianta.
(Karen Lemos - O Estado RJ)