quinta-feira, 10 de julho de 2008

Sugestão.. O Escafandro e a Borboleta


A trajetória dramática do jornalista francês Jean Dominique Bauby é retratado nas telas com um realismo sufocante e quase insuportável em “O Escafandro e a Borboleta”. Poucos filmes conseguem transmitir tantos sentimentos a quem está sentado na sala do cinema. E com um detalhe peculiar: tudo isso é feito em silêncio!

Baseado no livro homônimo do jornalista, o filme narra a história de quem tinha tudo na vida, e que, devido a uma fatalidade, teve que aprender a viver apenas com o poder da imaginação.

Aos 43 anos, Jean Dominique Bauby - ou Jean-do (como era conhecido entre os amigos), editor da revista de moda Elle, está no auge da sua vida bem sucedida, quando sofre, sem explicações aparentes, um derrabe vascular cerebral. Jean-do acorda no hospital após 20 dias de coma, e o seu estado pós-derrame, chamado de síndrome locked-in (considerado raríssimo pelos médicos), o deixa incapacitado de realizar qualquer movimento, menos um – movimentar o olho esquerdo. Apenas.

Através da perspectiva do olho esquerdo de Jean Dominique é que enxergamos o seu mundo, e é com essa única visão que passamos pelos sofrimentos de um refém do próprio corpo. Em uma das cenas mais difíceis do longa, é impossível não compartilhar o sentimento de impotência do protagonista enquanto o seu olho direito é costurado para evitar infecções.

Devido ao derrame, o protagonista é incapaz de se comunicar com as palavras, e é ai que nos tornamos fieis ouvintes de seus pensamentos; pensamentos que não podem ser divididos com os outros personagens do filme, então, é com o público que a sua consciência desabafa.

A fala acaba sendo um mero detalhe, uma vez que a capacidade de se comunicar verbalmente é substituída por um método cansativo, porém eficiente, de comunicação. Jean-do consegue se expressar através de piscadas de olho, ditando letra por letra até formar palavras e frases. Acreditem ou não, é com esse sistema lento e com o estado de saúde deplorável que o jornalista encontra forças para escrever seu livro e nos contar sua história.

Como o próprio protagonista diz, seu corpo pode estar imóvel, mas a sua imaginação e memória, não.

A direção fica por conta de Julian Schnabel (de “Antes do Anoitecer”), um artista plástico da época de Andy Warhol, que saiu se aventurando na direção de cinema nos últimos anos e está colecionando bons resultados e elogios da critica com seus trabalhos cinematográficos.

Com um olhar artístico, o diretor nos mostra que o mundo fechado de Jean Dominique tem a sua beleza dentro da imaginação do protagonista, retratada em belas imagens, por vezes artísticas, e em lembranças da vida anterior ao derrame. Há também o lado do desespero, representado na metáfora de um escafandro dentro do mar, onde é possível sentir o desespero do personagem que, trancado em seu próprio corpo, sofre sem ser ouvido.

Apesar de ser uma produção norte-americana, o longa foi realizado na França e composto por um elenco de atores franceses. Entre eles, está Mathieu Amalric (o próximo vilão de 007), que encarna com perfeição as dificuldades do jornalista paralítico. O elenco conta também com Emmanuelle Seigner (de “O último portal”) , como a esposa do protagonista, e Max von Sydow (de “O sétimo selo”), no papel do pai de Jean-do.

“O Escafandro e a Borboleta” foi premiado com o César (o Oscar francês) em várias categorias. Também recebeu prêmios no Festival de cinema de Cannes, além de vencer as categorias “melhor filme estrangeiro” e “melhor direção (para Julian Schnabel)” e ser indicado em quatro categorias no Oscar, incluindo direção e roteiro adaptado, o que, para um filme francês de pouco orçamento, é algo incomum na grande premiação hollywoodiana.

Jean-Dominique Bauby morreu de pneumonia no dia 9 de março de 1997, exatos 10 dias após o lançamento de seu livro.


quarta-feira, 9 de julho de 2008

Meu inimigo sou eu

Em “Meu inimigo sou eu – um repórter judeu na palestina ocupada” de 1989, o jornalista judeu Yoram Binur se disfarça de palestino para retratar o drama vivido diariamente por israelenses e palestinos.

Ex- tenente do exército de Israel, Yoram Binur começou na área do jornalismo como repórter que cobria a “área árabe” de Israel. Dessa forma, acabou dominando a língua local e se aproximou da cultura árabe. Por muitas vezes foi confundido com um palestino, e daí surgiu a idéia do livro-reportagem.

Durante 6 meses, o jornalista se disfarçou de palestino adotando a aparência típica, como a barba por fazer, as roupas, os acessórios, como jornal e cigarros árabes, e por fim, o keffiyh - pano tradicional que os árabes usam na cabeça. Criou uma falsa identidade, dizendo vir de um campo de refugiados da faixa de gaza. Tudo para se infiltrar entre as pessoas que vivem na palestina ocupada. Por muitas vezes, correu o risco de ser descoberto, mas sempre contava com ajuda de terceiros ou da sorte mesmo.

Os árabes são visto como párias pela sociedade israelense. Explorados, tem suas terras tomadas e regularmente são humilhados pela policia israelense. Sendo que, a maioria da população árabe não tem nenhuma ligação com ações terroristas.

Através de experiências sentidas na pele pelo jornalista judeu, foi possível detalhar o tratamento desprezível e a vida degradante que os trabalhadores árabes levam.

Durante os 6 meses da reportagem, o jornalista passou por situações como trabalhar em um salão de festas em Tel Aviv, onde era obrigado a lavar chão e lavar pratos, em condições escravas e pouco higiênicas; trabalhar como mecânico em Jaffa e morar em uma hospedaria cheio de trabalhadores palestinos de todos os tipos; trabalhar como cozinheiro, ainda em Tel Aviv, nos fundos de um pequeno restaurante judeu, onde passava despercebido pelos freqüentadores do local, e outros exemplos.

Uma das passagens mais interessantes do livro é quando o autor se envolve com uma judia, que não sabia do seu disfarce. A relação era mal vista por ambas as partes, e por muitas vezes tiveram que esconder o romance.

Em outra ocasião, o jornalista se passou por voluntário em um kibbutz (uma espécie de albergue judeu), onde as pessoas são consideradas mais ‘liberais’. Não foi bem assim, apesar da curiosidade dos moradores do kibbutz, todos tinham medo que a qualquer momento o árabe explodisse a todos. A diferença, é que nesse local mais ‘liberal’, o medo era melhor disfarçado.

Também passou pela convivência árabe, se instalando em um campo de refugiados (área ocupada por militares judeus), onde entrou em contato com um estilo de vida precário, ouvindo o que os árabes pensavam sobre os judeus, em declarações cheias de preconceito e ódio. Além de sofrer duras repressões e violência por parte dos soldados israelenses.

Uma das passagens do livro nos transporta para o meio de uma “intifada”. A intifada foi a época de grandes tumultos e protestos dos árabes contra os ocupantes judeus. O autor nos passa o clima de tensão nos momentos que a violência reinava. Fora as interceptações em aeroportos e lugares público, por causa da aparência árabe, que ocorrem freqüentemente durante o livro.

Entre outras experiências, Yoram Binur conta um pouco da sua vida no exército de Israel, como os problemas e os abusos na corporação. Dessa forma, ele explora o lado negativo de ambas as partes.

Mesmo 20 anos após a publicação do livro, o tema ainda é bem recente. Parece impossível um entendimento entre judeus e palestinos que, apesar de vizinhos, permanecem em conflito. Mas, se a experiência de Yoram Binur ajudar um pouco, já é um grande passo.