A trajetória dramática do jornalista francês Jean Dominique Bauby é retratado nas telas com um realismo sufocante e quase insuportável em “O Escafandro e a Borboleta”. Poucos filmes conseguem transmitir tantos sentimentos a quem está sentado na sala do cinema. E com um detalhe peculiar: tudo isso é feito em silêncio!
Baseado no livro homônimo do jornalista, o filme narra a história de quem tinha tudo na vida, e que, devido a uma fatalidade, teve que aprender a viver apenas com o poder da imaginação.
Aos 43 anos, Jean Dominique Bauby - ou Jean-do (como era conhecido entre os amigos), editor da revista de moda Elle, está no auge da sua vida bem sucedida, quando sofre, sem explicações aparentes, um derrabe vascular cerebral. Jean-do acorda no hospital após 20 dias de coma, e o seu estado pós-derrame, chamado de síndrome locked-in (considerado raríssimo pelos médicos), o deixa incapacitado de realizar qualquer movimento, menos um – movimentar o olho esquerdo. Apenas.
Através da perspectiva do olho esquerdo de Jean Dominique é que enxergamos o seu mundo, e é com essa única visão que passamos pelos sofrimentos de um refém do próprio corpo. Em uma das cenas mais difíceis do longa, é impossível não compartilhar o sentimento de impotência do protagonista enquanto o seu olho direito é costurado para evitar infecções.
Devido ao derrame, o protagonista é incapaz de se comunicar com as palavras, e é ai que nos tornamos fieis ouvintes de seus pensamentos; pensamentos que não podem ser divididos com os outros personagens do filme, então, é com o público que a sua consciência desabafa.
A fala acaba sendo um mero detalhe, uma vez que a capacidade de se comunicar verbalmente é substituída por um método cansativo, porém eficiente, de comunicação. Jean-do consegue se expressar através de piscadas de olho, ditando letra por letra até formar palavras e frases. Acreditem ou não, é com esse sistema lento e com o estado de saúde deplorável que o jornalista encontra forças para escrever seu livro e nos contar sua história.
Como o próprio protagonista diz, seu corpo pode estar imóvel, mas a sua imaginação e memória, não.
A direção fica por conta de Julian Schnabel (de “Antes do Anoitecer”), um artista plástico da época de Andy Warhol, que saiu se aventurando na direção de cinema nos últimos anos e está colecionando bons resultados e elogios da critica com seus trabalhos cinematográficos.
Com um olhar artístico, o diretor nos mostra que o mundo fechado de Jean Dominique tem a sua beleza dentro da imaginação do protagonista, retratada em belas imagens, por vezes artísticas, e em lembranças da vida anterior ao derrame. Há também o lado do desespero, representado na metáfora de um escafandro dentro do mar, onde é possível sentir o desespero do personagem que, trancado em seu próprio corpo, sofre sem ser ouvido.
Apesar de ser uma produção norte-americana, o longa foi realizado na França e composto por um elenco de atores franceses. Entre eles, está Mathieu Amalric (o próximo vilão de 007), que encarna com perfeição as dificuldades do jornalista paralítico. O elenco conta também com Emmanuelle Seigner (de “O último portal”) , como a esposa do protagonista, e Max von Sydow (de “O sétimo selo”), no papel do pai de Jean-do.
“O Escafandro e a Borboleta” foi premiado com o César (o Oscar francês) em várias categorias. Também recebeu prêmios no Festival de cinema de Cannes, além de vencer as categorias “melhor filme estrangeiro” e “melhor direção (para Julian Schnabel)” e ser indicado em quatro categorias no Oscar, incluindo direção e roteiro adaptado, o que, para um filme francês de pouco orçamento, é algo incomum na grande premiação hollywoodiana.
Jean-Dominique Bauby morreu de pneumonia no dia 9 de março de 1997, exatos 10 dias após o lançamento de seu livro.