domingo, 21 de março de 2010

“Estrangeiros” do Oscar analisam as raízes da violência humana













A seleção oficial dos candidatos a Melhor Filme Estrangeiro da 82ª edição do Oscar, prêmios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, provou traçar um painel duplo: por um lado, o talento de cineastas latino-americanos como Claudia Llosa e Juan José Campanella, do outro, o retrato nada animador de diferentes personagens/sociedades que funcionam como uma análise da semente de todo o mal.

Grande vencedor da noite, em uma reviravolta surpresa, “O Segredo dos seus Olhos” de Campanella naturaliza os sentimentos de vingança ao misturar emoções universais como a paixão e o humor.

Transmitidos pela impressionante comunicação que nossos olhos possuem – dá-se aí a força do título – os anseios humanos são apresentados reunidos na trama sobre um ex-funcionário jurista que dedica seu tempo de aposentadoria a escrever um romance, baseado em vivências do passado, aquelas com as quais não consegue mais se desvencilhar.

Inspirado no livro homônimo de Eduardo Sacheri, “O Segredo…” conquistou o público argentino, e bateu marcas de bilheteria, tornando-se um dos longas mais assistidos no país. A história relembra o drama de uma mulher estuprada e, posteriormente, assassinada por um maníaco que permanece impune peça justiça, que o emprega para realizar serviços sujos.

Denso, e estranhamente atraente, o novo trabalho do cineasta argentino se mostra muito diferente dos ótimos “A Filha da Noiva”, de 2001, e “Clube da Lua”, de 2004. Dentro dessa miscigenação de gêneros – suspense, comédia, drama – “O Segredo…” nos mostra, através de um final surpreendente, as origens da violência humana causadas pelo desejo por vingança.

O frequente uso de flashbacks, para recontar os acontecimentos, nos surpreende ao longo da projeção, se desdobrando em uma trama muito mais rica da que é apresentada originalmente. O espectador se torna testemunha de pequenas consequências dos atos dos personagens.

Com humor negro, onde é possível rir das desgraças alheias (outra especificidade humana da qual fugimos), o longa se mistura na sensibilidade de uma história de amor com a violência de um assassinato, e a amargura de um crime sem punição justa. Também nos é apresentado outras tantas surpresas. A sequência de perseguição no estádio de futebol, só para ficarmos em um exemplo, filmada com mestria, é empolgante.












Já o peruano “A Teta Assustada”, de Claudia Llose, trata de preconceitos envolvendo uma lenda que assombra uma pequena comunidade no país. Vencedor da edição 2009 da Berlinale, “A Teta Assustada” toca nos sentimentos de rejeição ao retratar as vítimas de violência de um grupo terrorista, resquícios de uma época de repressão política no Peru.

Violentadas, as mulheres são acusadas pelos habitantes locais de ‘contaminar’ a próxima geral de crianças nascidas após o período de violência, ao dar à luz bebês que são frutos das relações de estupro praticadas pelos terroristas.

A transmissão da tal praga seria através do leite materno (justificando o título do longa). Em clima soturno, a trama vai longe ao mostrar o drama de uma mulher que vive com uma batata na região vaginal, para impedir um possível abuso.

“A Fita Branca”, do austríaco Michael Haneke, vai ainda mais longe. Com uma proposta bem mais intrigante das que analisamos até aqui, Haneke expande suas especialidades de linguagem em seu novo trabalho; e faz isso de forma tão intensa, que chega a ser impossível sair do cinema imune a tudo aquilo – saímos, minimamente, incomodados (para não usar o termo “atormentados”).















O clima de desconfiança é especialidade conhecida de Haneke – já comprovado em trabalhos como “A Professora de Piano”, “Violência Gratuita” e “Cachê”. Em “A Fita Branca”, o realizador traz a história ambientada nos anos que antecedem a primeira grande Guerra Mundial, e se apresenta ambicioso em seu conceito ao atribuir pequenos acontecimentos, ocorridos em uma vila da Alemanha, aos primórdios dos ideais nazistas. Simbolicamente, claro.

Todo produzido em preto e branco (o que rendeu a merecida indicação de Melhor Fotografia para o trabalho de Christian Berger), a trama, que levou a Palma de Ouro no último Festival de Cannes, impressiona em seu conceito ao levar ao extremo a resultante ‘ação e reação’ causada pelos personagens centrais – as crianças.

Algozes da história, os pequenos habitantes são obrigados a manter sua pureza (simbolizada por uma fita branca, amarrada no braço de cada uma) de juventude, e andar na linha conforme as rígidas imposições dos adultos da vila, que exigem um comportamento de acordo com ensinamentos cristãos.

Porém, uma vez que os próprios adultos corrompem os conceitos determinados por eles mesmos, com aplicação de penas severas às crianças que os desrespeitam, a falsa moralidade passa a reinar no vilarejo. Surge um espaço propício para o nascimento de uma onda de violência, que Haneke sugere desembocar nos embates da Primeira Guerra, e que permeiam até os dias de hoje. Uma realidade cruel que quando não assusta, desespera.

Na briga pela estatueta dourada, estes principais concorrentes da categoria Filme Estrangeiro (“Segredo…” e “A Fita Branca”) apresentam em comum personagens movidos pela angústia e aflição. Ambas obras procuram deparar uma possível explicação para tanto ódio, e encontra justificativa na violência instintiva que cada um de nós carregamos internamente.

Em ambientes insólitos e tramas recheadas de fino suspense, as produções estrangeiras deste ano nos trazem uma visão mais negativa de mundo, um desapego total em relação a uma mudança na realidade que parecemos estar fadados a viver.














(Karen Lemos - Portal Cinéfilo)

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