segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Especial: O legado de Raul Seixas



















Mesmo após 20 anos de sua morte, completados nesta sexta-feira (21), Raul Seixas ainda consegue vender discos e ser lembrado pela cultura de um país sem memória, onde inúmeros artistas já passaram e se foram, caindo no ostracismo e em total esquecimento.

O segredo da imortalidade pode estar na irreverência e na imagem de rebeldia, cultivada em uma época em que ser rebelde era sinônimo de perigo para a “moral” da sociedade brasileira, ou então no legado musical deixado pelo compositor e intérprete que até hoje reúne diferentes gerações que gritam, em uníssono, o famoso “Toca Raul!” – frase que ficou tão célebre quando seu próprio personagem.

Raul Santos Seixas nasceu em Salvador, em 28 de junho de 1945. Filho de Raul Varella Seixas e Maria Eugênia Seixas, o garoto foi criado na capital baiana até sua adolescência. Foi lá que começou a ouvir música, que ia desde clássicos do rock, como Elvis Presley e Little Richard, até marcos da cultura nordestina, como Luiz Gonzaga. O gosto eclético do menino Raul influenciou no seu trabalho, que misturava esses dois estilos tão extremos, e se tornou o diferencial da sua obra que marcou, a ferro e fogo, a cultura brasileira.

Apelidado de Raulzito (diminutivo do mesmo nome do seu pai), os primórdios da carreira do músico, no início dos anos 60, carregaram seu carinhoso apelido no batismo do seu primeiro conjunto de rock, “Raulzito e Os Panteras” (que anteriormente se chamava “The Panthers” e, antes ainda, “Relâmpagos do Rock”). Mas, a projeção nacional, de fato, viria apenas nos anos 70.

Curiosamente, o primeiro sucesso de Raul que estourou era uma canção carregada de letras agressivas, que criticavam a sociedade capitalista, a valorização de bens materiais e as autoridades da época: “E você ainda acredita/Que é um doutor/Padre ou policial/Que está contribuindo/Com sua parte/Para o nosso belo quadro social”, dizia o trecho de “Ouro de Tolo”, lançado em 1973.

Devido ao sucesso do compacto de “Ouro de Tolo”, o músico foi contratado por uma gravadora e lançou “Krig-Ha, Bandolo!”, de 1973, seguido por “Gita”, de 1974. Os dois álbuns se tornariam marcos na trajetória de Raul por trazer algumas de suas mais conhecidas canções, como “Metamorfose Ambulante”, “Mosca na Sopa”, “Al Capone”, “Sociedade Alternativa”, “O Trem das Sete”, “Medo da Chuva”, entre outros. Todas as músicas tinham em comum a presença de um cunho crítico-social, um abuso para aquela época, quando o Brasil era governado pelo General Médici, em plena ditadura militar, e o Ato Institucional número 5 (AI-5), entrou em vigor, iniciando uma fase de censura e repressão no grupo de constadores no qual Raul estava incluído.

Foi nesse período, que o Maluco Beleza conheceu uma pessoa com quem cultivaria amizade e travaria diversas parcerias musicais (“Gita” é o principal exemplo), o escritor Paulo Coelho. Juntos, os dois amigos dividiram loucuras e pensamentos ousados, e chegaram a formar uma sociedade só deles, a “Sociedade Alternativa”, com direito a uma comunidade própria, a “Cidade da Luz”, onde o pressusto era liberdade de viver da forma que cada individuo bem entendesse.

Loucura ou não, o fato é que a dupla contribuiu em grande parte para o cenário musical da época, e grandes sucessos de Raul foram compostos em parceria com o escritor.

Raul foi embora cedo, aos 44 anos, mas deixou um vasto legado que até hoje é revivido. O músico teve uma vida intensa. Foram cinco casamentos, deixando três herdeiros e uma vasta produção musical; até discos póstumos foram lançamento após sua morte, em 21 de agosto de 1989, por pancreatite aguda causada pelos seus abusos com a bebida.

A figura emblemática de Raul não estava apenas na imagem anarquista , suas polêmicas com seitas religiosas e declarações ousadas, mas também no símbolo de um ser humano que se preocupava com o andamento do mundo e as injustiças que eram escancaradas na cara da sociedade, que se calava diante de tanta repressão.
Afinal, quem reúne quatro mil pessoas em um show tributo à sua memória, realizado na última Virada Cultural em São Paulo, mesmo após 20 anos de sua ausência, merece ter a cada ano uma homenagem dedicada só para ele: Raul Seixas, o ícone do rock brasileiro.

Raul Seixas por quem entende

“Eramos amigos de boteco e alas de manicômios”, assim define a amizade de 10 anos que manteve com um dos maiores ícones da cultura brasileira. Sylvio Passos, fundador do Raul Rock Club, fã clube oficial dedicado à memória de Raul Seixas, conheceu essa grande figura por causa da sua admiração.

Ao tomar conhecimento do empenho de um fã em gastar horas do seu tempo dedicados para ele, um receptivo Raul Seixas quis conhecer seu admirador, isso lá nos anos 80, e chamou Sylvio para um almoço em sua casa. Nasceu ai uma amizade que ultrapassou limites entre ídolo e fã. Era um relacionamento íntimo, verdadeiro.

“Um sujeito bacana e bem educado. Ele tinha umas tiradas sarcáticas, críticas e um jeito irônico, mas, acima de tudo, era um homem preocupado com o ser humano, com a humanidade”, define Sylvio. Raul era uma pessoa de fácil convivência e tinha a generosidade como sua maior virtude.

A conviência com Raul mudou e acrescentou à personalidade de Sylvio, que passou a olhar ao seu redor com a ótica do amigo. “Aprendi a ver o mundo de várias formas, a lidar com certos assuntos de um jeito diferente. Isso tudo o Raul me passou, é essa influência dele que trago comigo”, disse.

Ao falar sobre a tragédia que culminou com a morte do ídolo, Sylvia acredita que o próprio fardo que o músico carregava com a sua imagem, o levaram a depressão e a entrega ao álcool. “Raul não entendia porque o colocavam em um patamar de Deus, de rei. Nunca conseguiu lidar direito com essa posição”, revelou.

“Não encontro aquela atitude nos músicos de hoje. Alguns até tentam, mas não são Raul. Em partes, isso é ruim, porque quem imita acaba perdendo a identidade”, revela Sylvio. Apesar da falta de originalidade, o fundador do Raul Rock Club tenta não radicalizar quando se trata de homenagens e saudosismos ao Maluco Beleza, afinal, relembrar o legado de Raul, é manter a lenda viva.

Porque Raul é único? Sylvio explica: “Raul foi o cara que soube como ninguém misturar o roque com a música brasileira, sempre contestando, filosofando, enlouquecendo. Ninguém mais soube fazer isso”.

Quem sabe bem que nenhuma outra pessoa igualava Raul Seixas naquilo que ele fazia de melhor é Roberto Seixas. Não, ele não é nenhum parente do homem, mas, a identificação é tanta, que Roberto adotou o sobrenome do ídolo, a quem mantém 22 anos de sua vida dedicada a apresentações cover.

Raul entrou em sua vida de forma bem curiosa. O primeiro contato, em 1972, foi através de um programa de rádio, onde tocava “Let me Sing, Let me Sing”, que mesclava rock com baião. “Achei aquilo horrível, desliguei o rádio na hora”, conta Roberto.

Uma nova chance, e Raul conquistou de vez um espaço na vida do rapaz que, lá pelos idos dos anos 80, assistia encantado à uma performance do cantor no programa “Globo de Ouro”, da Rede Globo. A identificação foi instantânea. Naquele momento, Roberto se deu conta de qual era a missão de sua vida. “Era uma coisa que eu tinha que fazer” . O ano era 1987, e desde então, o fã encarnou o ídolo, virou artista cover renomado e chegou a receber elogios do original.

Roberto considera que, hoje, não há mais espaço para as músicas críticas de Raul. Mas, isso não quer dizer que a chama acesa pelo astro tenha se apagado, fato que é comprovado quando o caracterizado Roberto sobe ao palco “Olho para o público e vejo gente de 5 a 80 anos. O mais interessante é que são de todas as classes, até aquela que Raul adorava criticar em suas canções”.

Atingir diversas faixas etárias em diferentes poderes aquisitivos é para poucos, o que se torna ainda mais difícil depois de 20 anos de ausência. Roberto atribui a imortalidade do ídolo a sua atemporalidade nos assuntos abordados pela música do Maluco Beleza, e da compreensão do Raul contestador que levam muitos fãs a se identificarem com a lenda.

O fardo e a responsabilidade de levar canções de um ícone, para os que viveram em sua época, ou para aqueles que nem pensavam em nascer enquanto Raul estava no auge, é enorme. Roberto sabe bem disso. “Faço isso no meu trabalho. Não é só subir no palco e cantar. Eu tento, da melhor forma possível, fazer com que o público compreenda a mensagem que Raul queria passar”. 20 anos depois, a mensagem continua viva e atual. E alguém aí duvida?

(Karen Lemos - Famosidades/MSN)

Um comentário:

Juba disse...

Essa Karen Lemos é a melhor jornalista do Famosidades.